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Rafaela Silva foi para o judo para "domar" a violência da rua. Agora, ganhou a medalha de ouro

Este artigo tem mais de 5 anos

Cresceu num dos bairros mais problemáticos do Rio e entrou no judo para controlar a violência. Em 2012, sofreu ataques racistas que a afastaram durante meio ano dos combates. Agora, é ouro.

A jovem da Cidade de Deus garante que cumpriu um sonho
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A jovem da Cidade de Deus garante que cumpriu um sonho

Getty Images

A jovem da Cidade de Deus garante que cumpriu um sonho

Getty Images

Rafaela Silva só podia brincar em frente ao portão de sua casa. Os tiroteios frequentes motivaram a ordem dos pais: vir para casa ao primeiro indício de trocas de tiros. A infância da judoca brasileira, passada na Cidade de Deus (um bairro perigoso do Rio de Janeiro, retratado no filme com o mesmo nome, nomeado para quatro Óscares), foi violenta, envolvida em lutas e recados da escola para os pais.

Foi essa violência, escreve o jornal brasileiro O Globo, que levou os pais de Rafaela a inscrevê-la numa academia de judo orientada pelo mestre Geraldo Berardes. Entre o primeiro treino no Instituto Reação — que dinamiza escolas de desporto em zonas desfavorecidas do Rio de Janeiro — e a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, o percurso foi longo e difícil.

Os pais trouxeram-nas [Rafaela e a irmã, Raquel] para treinar, porque elas não obedeciam a ninguém, brigavam muito. Nas primeiras aulas, vi que tinham boa coordenação, uma agressividade importante. Na Cidade de Deus, ela peitava [enfrentava] todo o mundo. Tinha que canalizar isso para o judo”, lembra o treinador, que acompanha Rafaela desde o primeiro momento.

Para evoluir na modalidade, e mudar de cinturão, Geraldo exigia boas notas na escola. Por isso, Rafaela tornou-se melhor aluna. Começou a ter o judo dentro de si — mas continuava a jogar à bola com os rapazes, com quem também continuava a lutar na rua. “Sabiam que eu fazia judo e queriam ver se eu era boa”, lembra a atleta. “E apanhavam.”

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Geraldo Bernardes percebeu que tinha um diamante em bruto diante de si e começou a trabalhá-lo. Havia de lhe colocar medalhas ao peito. Rafaela treinou muito, e foi, com 16 anos, ganhar o Mundial de Júniores da Tailândia. A competição era para atletas entre os 17 e os 19 anos de idade. A vitória deu a certeza olímpica a Geraldo.

Londres 2012: “Lugar de macaco é na jaula, não nas Olimpíadas”

Rafaela foi acumulando títulos, e, quando chegou aos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, era vice-campeã mundial. No ranking internacional, ocupava o quarto lugar. Após a vitória no primeiro combate, Rafaela defrontou a húngara Hedvig Karakas. Tudo apontava para uma vitória da brasileira, mas o golpe que a fez ganhar foi considerado ilegal. Num segundo, Rafaela Silva caiu no desespero. Chorou, abraçada à treinadora Rosicleia Campos, ali na arena.

Brazil's Rafaela Silva commissarates with her coach Campos Rosicleia, after losing against Hungary's Hedvig Karakas during their women's -57kg judo contest match of the London 2012 Olympic Games on July 30, 2012 ExCel arena in London. AFP PHOTO / JOHANNES EISELE (Photo credit should read JOHANNES EISELE/AFP/GettyImages)

Rafaela Silva chorou, na arena, após perder o combate contra a húngara Hedvig Karakas. A derrota colocou-a fora do pódio nos Jogos Olímpicos de Londres e foi o início de uma depressão que a fez querer abandonar a modalidade. (JOHANNES EISELE/AFP/Getty Images)

Perdeu. E os adeptos da modalidade não perdoaram. Nas redes sociais, Rafaela Silva foi bombardeada com ataques duros e foi vítima de racismo. Quando chegou ao hotel e abriu o Twitter, descobriu os insultos. “Lugar de macaco era na jaula, e não nas Olimpíadas”, dizia um comentário. “Tinha um comentário [a dizer que] eu estava gastando o dinheiro que a pessoa pagava de imposto para querer ganhar roubando”, recordou Rafaela ao jornal desportivo Globo Esporte.

Rafaela podia ter ignorado, mas respondeu. E exaltou-se. “Respondi que pagava imposto também”, lembra. E depois isolou-se: colocou todas as suas redes sociais em modo privado e passou quatro meses sem vestir um quimono, de acordo com o treinador.

A depressão durou até dezembro de 2012, altura em que ganhou a medalha de bronze no World Masters. A partir daí, retomou os bons resultados. O auge chegou esta semana.

“Mostrei que uma pessoa saída de favela pode tornar-se campeã. A lição que fica para as crianças é que, se têm um sonho, que batalhem. Assim, podem alcançá-lo”, disse a judoca à saída do combate que lhe deu a medalha de ouro. Mas nem o ouro olímpico — a medalha que faltava no currículo de Rafaela — a livrou de algumas críticas, como se pode ler nos comentários à publicação que a judoca colocou no seu Facebook para comemorar a vitória:

Foi o mesmo centro que a acolheu em criança, o Reação, que a salvou da desistência. “Imaginas-te daqui a dois anos fora do judo?”, perguntou-lhe uma psicóloga que trabalhava no centro. “Rafaela nem pestanejou”, conta o jornal brasileiro Zero Hora. Foi vencer o Mundial de 2013. O Rio de Janeiro trouxe a quarta medalha de ouro da sua carreira, depois desse Mundial de 2013, e dos Jogos Pan-Americanos de 2012 e de 2013.

“Pode demorar. Eu não consegui há quatro anos. Mas agora alcancei”

A húngara Karakas, que a assombrava desde Londres, foi despachada por Rafaela nos quartos-de-final. Antes, tinha vencido Myiram Roper e Jandi Kim. Nas meias-finais, venceu a romena Corina Carprioru. Rafaela acabaria por ganhar, na final, à mongol Sumiya Dorjsuren, que tinha eliminado a portuguesa Telma Monteiro da disputa pelo ouro.

RIO DE JANEIRO, BRAZIL - AUGUST 08: Rafaela Silva of Brazil (blue) competes against Sumiya Dorjsuren of Mongolia in the Women's -57 kg Final - Gold Medal Contest on Day 3 of the Rio 2016 Olympic Games at Carioca Arena 2 on August 8, 2016 in Rio de Janeiro, Brazil. (Photo by David Ramos/Getty Images)

Rafaela Silva venceu Sumiya Dorjsuren na final. (David Ramos/Getty Images)

Dezanove anos depois de ter entrado na academia de Geraldo Bernardes para corrigir as tendências violentas da rua, Rafaela Silva subiu ao pódio olímpico. A jovem da Cidade de Deus garante que cumpriu um sonho, e lembra ao jornal O Globo os dias em que vivia no bairro problemático da cidade: “Desde pequena, o meu sonho era ver as pessoas famosas e tirar fotos. Agora, ao ir para a Vila (Olímpica) e as pessoas pedirem para tirar foto comigo é bem diferente”.

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