No dia 28 de agosto de 2014, a curiosidade era grande para ver a evolução da mais antiga sala de cinema de Lisboa, de patinho feio para cisne. A partir desta quinta-feira e até 31 de agosto, o Cinema Ideal celebra dois anos de vida com a exibição de 21 dos melhores filmes que por ali passaram. A entrada será gratuita e a hora é de festa. Mas também de muita preocupação.

Quase 80 mil espectadores passaram pela única sala de cinema do centro histórico lisboeta ao longo destes dois anos. “Menos do que gostávamos que tivessem aparecido, mas muitos mais do que aqueles que muita gente vaticinava“, explica ao Observador Pedro Borges, responsável pela produtora e distribuidora Midas Filmes, que abriu o Ideal. “Estamos num trabalho de fundo – a fazer uma maratona, não um sprint de cem metros.”

A equipa pensa duas vezes antes de gastar cada euro e, por isso, Pedro Borges diz que as contas estão “equilibradas”. Há um ano, abriu o Café Ideal, com tostas, saladas e sobremesas. As mesas de refeição partilham o espaço com a Livraria Metamorfose, que ali tem livros e discos para venda.

No entanto, não tem sido possível amortizar o investimento feito. “Dificilmente o será nas atuais condições”, assume. Os filmes em cartaz não são escolhidos em função do número de espectadores que possam atrair, mas em função da sua valia e da importância de os mostrar ao público. Fazer dinheiro atraindo produções mais comerciais não está, portanto, em cima da mesa. “Resta que esta zona de Lisboa, onde estamos inseridos, mudou de forma absolutamente brutal nos últimos cincos anos”, diz, referindo-se ao “turismo massificado e sem regras” e à forma como isso afasta público do Ideal.

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A presença diária de dezenas de milhar de pessoas numa zona histórica de tão reduzidas dimensões, o fecho do comércio tradicional, o abandono ou ‘expulsão’ de muitos moradores — e não apenas dos idosos, talvez até o contrário –, estão a tornar esta zona da cidade inabitável. A verdade é que, há meia dúzia de anos, a generalidade dos lisboetas, jovens e menos jovens, frequentava diária ou semanalmente esta zona do Chiado, Bairro Alto e Cais do Sodré, e hoje em dia quase que fogem ou evitam o mais possível…”

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O Ideal, no dia da inauguração. © Miguel Soares / Observador

Soluções? Esperar que as mentalidades mudem no mecenato e que as empresas, públicas e privadas, deixem de gastar “todo o seu dinheiro no futebol”. Pedro Borges também espera que algum Governo reformule a política para o cinema e cumpra a promessa de que, “na política de apoios ao cinema, o setor da Exibição seria considerado uma prioridade”. Feita porque o país “precisa de ter salas de cinema modernas para o cinema independente”.

Para assinalar estes dois anos de trabalho, a Midas faz serviço público e escolheu “20 dos melhores filmes” estreados no Ideal. Há obras portuguesas, europeias e do resto do mundo, documentários, clássicos e miúdos, sendo que o 21.º filme será escolhido por votação online dos espectadores e exibido na terça-feira, 30 de agosto.

O primeiro dia começa com um filme que estreou comercialmente na inauguração do Cinema Ideal: 2″E Agora? Lembra-me“, de Joaquim Pinto. “45 Anos”, de Andrew Haigh, e “O Sal da Terra”, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, completam a programação desta quinta-feira.

A Noite Cairá“, de Andre Singer, “Montanha“, de João Salaviza, “Os Maias“, de João Botelho, “As Mil e Uma Noites – Vol. 3“, de Miguel Gomes, “Taxi“, de Jafar Panahi, “João Bénard da Costa: Outros Amarão as Coisas que eu Amei”, de Manuel Mozos, e o clássico “A Quimera do Ouro” de Charlie Chaplin, são outros dos filmes em exibição. As sessões de entrada gratuita realizam-se todos os dias às 14h00, 17h00 e 18h45. Os bilhetes devem ser levantados na bilheteira no próprio dia, à exceção dos filmes das 14h00, que podem ser levantados na véspera.

Para domingo, dia do aniversário, haverá um concerto de JP Simões no Salão Ideal, às 19h00 horas, também com entrada livre, antecedido de uma happy hour. Também nesse momento haverá uma antestreia, ainda por desvendar.

Aberto desde 1904, aquele cinema já se chamou Salão Ideal, depois Cinema Ideal, Cine Camões e já se exibiram filmes pornográficos enquanto Cine Paraíso. Aquando do primeiro aniversário da nova vida daquele que é um dos cinemas mais antigos do país, o produtor e distribuidor dizia ao Público que não sabia se o projeto chegaria ao segundo aniversário.

Estão mais descansados quanto ao terceiro ano de vida? “Não. Mas não temos outro remédio e não está nos nossos planos desistirmos”, responde Pedro Borges. “Acreditamos que, com mais ou menos geringonças, a qualidade e o empenho do nosso trabalho será reconhecido.”

Programa completo de exibições gratuitas:

Quinta, 25
E AGORA? LEMBRA-ME Joaquim Pinto
45 ANOS Andrew Haigh
O SAL DA TERRA Wim Wenders, Juliano Ribeiro Salgado

Sexta, 26
MOMMY Xavier Dolan
MONTANHA João Salaviza
OS CARTOONISTAS Stéphanie Valloatto

Sábado, 27
OS MAIAS João Botelho
O ESPÍRITO DE ’45 Ken Loach
O PAÍS DAS MARAVILHAS Alice Rohrwacher

Domingo, 28
AS MIL E UMA NOITES – VOL. 3 Miguel Gomes
A QUIMERA DO OURO Charlie Chaplin
ANTESTREIA

Segunda, 29
PORTUGAL – UM DIA DE CADA VEZ João Canijo
A NOITE CAIRÁ Andre Singer
GETT Roni e Shlomi Elkabetz

Terça, 30
TIMBUKTU Abderrahmane Sissako
FILME ESCOLHIDO POR VOTAÇÃO DOS ESPECTADORES
TAXI de Jafar Panahi

Quarta, 31
AMAR, BEBER E CANTAR Alain Resnais
OS VERDES ANOS Paulo Rocha
JOÃO BÉNARD DA COSTA – OUTROS AMARÃO AS COISAS QUE EU AMEI Manuel Mozos