Preâmbulo
Gosto de caracterizar as eleições presidenciais americanas como o somatório de duas provas olímpicas de atletismo brutalmente competitivas.
A primeira prova é uma maratona, onde durante o longo processo das primárias, num período de cerca de 12 meses, os candidatos a candidatos disputam o apoio político, mas também o apoio económico dos respetivos partidos. Nesta fase, os candidatos devem “provar”, sobretudo, a capacidade para exercerem o cargo máximo, i.e., serem fit for the job.
Finda a maratona, inicia-se sem compasso de espera uma segunda prova – os 400 metros barreiras. Esta prova começou no final de julho (após as convenções partidárias) e terminará no dia das eleições – 8 de Novembro. O objetivo fundamental dos candidatos é agora o de passar a mensagem ao eleitorado (e financiadores) de serem the best person for the job.
Neste artigo, que é o primeiro de uma trilogia, faço um exercício especulativo sobre a capacidade de financiamento (fundraising) dos dois candidatos e o peso deste fator no desfecho eleitoral.
Novo ciclo político-económico
As eleições de 8 de novembro revestem-se de particular importância, não só porque se encerra o ciclo político do Presidente Obama, mas sobretudo porque o candidato republicano é Donald Trump.
Qualquer que seja o resultado das eleições, haverá certamente alterações na condução das políticas económica e externa dos EUA. A mudança será menor se Hillary Clinton for eleita, prevendo-se que mantenha uma linha política de continuidade nos principais dossiers. Chegando Donald Trump à Presidência, assistiremos a um período inicial disruptivo, marcado por incerteza nas políticas públicas e que, seguramente, terá um impacto não negligenciável nos mercados financeiros globais. Creio, contudo, que mesmo neste segundo cenário, e passado o período inicial de acentuada volatilidade, os mercados financeiros acabarão por se ajustar à nova realidade.
Importância do fator fundraising
Para vencer as eleições, os candidatos terão de obter 270 votos no colégio eleitoral, o que implica uma disputa simultânea em 51 eleições (50 estados + eleição em District of Columbia). De acordo com as recentes sondagens e os resultados presidenciais de 2012, existem atualmente 11 swing states, estados com um desfecho eleitoral volátil que podem pender para qualquer dos candidatos. A contenda nos swing states é especialmente feroz, com um custo por voto bastante elevado. Estima-se que o investimento necessário para a gestão da campanha eleitoral de 2016 seja, para cada candidato, superior a 1000 milhões USD. Assim, como em qualquer negócio a operar em ambiente concorrencial, os candidatos têm de conseguir acesso adequado a capital para poder fazer face ao elevado nível de investimento necessário.
O fundraising dos candidatos, não obstante a relevância de outras variáveis também explicativas do resultado final, poderá ter um caráter determinante nestas eleições. Historicamente, este fator não é o único que explica o vencedor mas tem sido um indicador avançado merecedor de atenção.
Ao analisar os dados do Centre for Responsive Politics , relativos ao montante utilizado pelos candidatos eleitorais desde a eleição presidencial de 1980, infiro o seguinte:
- Desde de 1980, há apenas duas ocasiões em que os candidatos com mais financiamento perdem as eleições: em 1996, com a reeleição de Bill Clinton; e em 2012 com a reeleição de Barack Obama. Todavia, nestas situações, houve a “vantagem do incumbente”, uma vez que os presidentes em exercício se recandidataram. Acresce que, mesmo nestes casos, não há uma discrepância significativa nos montantes gastos na campanha dos dois candidatos, o incumbente e o challenger
- Em eleições verdadeiramente competitivas, onde não há um incumbente na corrida, quem investe mais na campanha tem vencido as eleições. São paradigmas de tal as eleições de 2000, onde George W. Bush venceu contra todas as expectativas, bem como as de 2008, onde Barack Obama, apesar de parecer ter menos apoio económico, acabou por recolher e investir mais do dobro do seu opositor, John Mcain, e ser eleito.
Ano | Partido Republicano | Partido Democrata |
1980 | Ronald Reagan | Jimmy Carter |
57.7 | 49 | |
1984 | Ronald Reagan | Walter Mondale |
67.5 | 66.5 | |
1988 | George H. W. Bush | Michael Dukakis |
80 | 77.3 | |
1992 | George H. W. Bush | Bill Clinton |
92.6 | 92.9 | |
1996 | Bob Dole | Bill Clinton |
110.2 | 108.5 | |
2ooo | George W. Bush | Al Gore |
172.1 | 127.1 | |
2004 | George W. Bush | John Kerry |
367.2 | 328.5 | |
2008 | John McCain | Barack Obama |
350.1 | 745.7 | |
2012 | Mitt Romney | Barack Obama |
1254.3 | 1144.9 | |
Estratégia e resultados
Cumpre agora analisar a estratégia e capacidade de fundraising de Hillary Clinton vs. Donald Trump.
Hillary delineou e executou a sua estratégia de fundraising ao nível de um CFO de uma empresa do S&P500. Iniciou o processo muito cedo (2015), diversificou fontes de financiamento (obteve contribuições de empresas e de apoiantes individuais) e setores económicos. Não foi uma mera casualidade o facto de um dos primeiros endorsements à sua candidatura ter sido feito por Warren Buffet, tendo assim o mítico investidor se apresentado como avalista da credibilidade política e solidez financeira da campanha. Até 21 de julho de 2016 (segundo o Centre for Responsive Politics), Hillary Clinton já tinha levantado 374.585 milhões de USD.
Por sua vez, Donald Trump desenhou uma estratégia de financiamento ao estilo de um concorrente do Shark Tank: pôs algum capital próprio inicial; conseguiu licenciar uma patente – posteriormente e com a patente concedida, montou um pitch eficiente e ficou à espera do investimento de um venture capitalitst. Resumindo, o objetivo de Trump era conseguir vencer as primárias do partido republicano, usando algum capital próprio e vendendo a ideia de não precisar de financiamento, por ser bilionário. Tentaria, após obter a nomeação do partido, expandir a sua base e fontes de financiamento. A sua estratégia funcionou na primeira parte; porém, na segunda, os resultados têm sido desastrosos: até 21 de julho de 2016 (segundo o Centre for Responsive Politics) Donald Trump tinha arrecadado somente 97.298 milhões de USD.
Conclusão
Se o perfil de fundraising se mantiver durante os próximos 3 meses, não existindo um evento extremo que condicione o curso da campanha, parece-me que podemos antecipar quem será o próximo inquilino da Casa Branca.
Carim Habib, Managing Partner Dolat Capital