O presidente de uma concelhia do PS do interior do país diz ao Observador que as contas da água e da eletricidade da sua estrutura local, assim como as rendas da sede do partido, são pagas diretamente pelos dirigentes da secção. Esta é uma situação ilegal, segundo a lei do financiamento dos partidos, apontada por várias ocasiões ao PS pela Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos (ECFP). Tal como esta contribuição, também é ilegal os dirigentes pagarem diretamente as despesas do partido, mesmo que venha depois a acertar contas. É isto que está a acontecer no PS, segundo se depreende do comunicado desta sexta-feira — que veio responder à notícia do Jornal de Notícias –, em que o PS admite “o apoio dos seus dirigentes e militantes” para “os aspetos das despesas operacionais correntes”.

O dirigente que falou ao Observador, mas pediu reserva sobre a sua identidade, diz que teve de abrir uma conta na EDP no seu próprio nome, porque não era possível fazê-lo em nome do PS, uma vez que o partido tinha uma enorme dívida para com a empresa. O mesmo se passa com a sede local no seu concelho. A sede está arrendada em nome de um militante para a estrutura não estar dependente das transferências da sede nacional e da federação para efetuar os pagamentos. O valor das quotas dos militantes só permitiria pagar cerca de metade da renda, segundo explica. Por isso, os dirigentes decidiram, há anos, saldar a renda da sede através de contribuições individuais: como muitos são autarcas, alguns deles oferecem uma parte do valor que recebem das senhas de presença em assembleias municipais, de freguesia ou de outros cargos políticos. Estas despesas nunca passam pela sede nacional do PS.

É uma contabilidade paralela, ilegal à luz da lei do financiamento partidário e da qual a Entidade das Contas tem conhecimento, tendo já alertado o PS para a sua inconformidade à Lei. Aliás, em junho passado, o Tribunal Constitucional (TC) proferiu um acórdão sobre as contas dos partidos em 2012, onde fala em “incerteza” sobre a “regularização de verbas em dívida a responsáveis das secções, registadas no passivo como valor a pagar” e escreve mesmo que a falta de informação sobre estes “empréstimos” podem construir “donativos pecuniários encapotados”.

Este foi um dos pontos levantado pela Entidade às contas do PS relativas a 2012. O organismo que funciona junto do TC descreveu situações que parecem “indicar que as secções efetuam desembolsos além das disponibilidades que lhes são atribuídas, pelo que haverá adiantamento de verbas por parte de militantes do partido”. Não é de hoje, mas tem vindo a aumentar, segundo a Entidade escreveu nesse relatório:

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Com base na análise aos saldos dos diferentes responsáveis, desde 2009, verifica-se a existência de bastantes saldos, de quantias elevadas, que resultam de financiamentos dos responsáveis, ou outros elementos das Secções, por não haver outra receita, e que se mantém de forma persistente ao longo dos anos e têm até vindo a aumentar”.

Nessa altura, o PS foi confrontado com estas questões, a que respondeu com regras internas para a prestação de contas das estruturas distritais e locais. A competência, disse então o PS, é dos responsáveis financeiros das federações e garantiu que “não existe qualquer violação do dever de organização contabilística, uma vez que as situações concretamente apresentadas pela ECFP são situações que se encontram em fase de resolução junto dos responsáveis financeiros”.

Mas não convenceu o Tribunal Constitucional que considerou que “os adiantamentos realizados por militantes ou filiados constituem verdadeiros empréstimos, pelo que o PS deveria ‘fornecer todas as informações necessárias respeitantes a tais empréstimos (identidade dos respetivos titulares, as suas condições de reembolso e juros e o respetivo suporte documental), sob pena de a ECFP não poder controlar se se trata de verdadeiros empréstimos onerosos, ou, afinal de contas, de donativos de natureza pecuniária encapotados – assim se contornando os limites legais a eles respeitantes'”. Parte da citação é mesmo recuperada de um acórdão de 2007, relativo às contas de então de outro partido, o BE.

O TC considera que a falta dessa informação viola “o dever genérico de organização contabilística”, e sobretudo deixa dúvidas sobre a forma e origem dos donativos, um ponto onde a lei que regula o financiamento partidário é particularmente descritiva e limitativa:

  • Não são permitidos donativos ou empréstimos de empresas (podem contrair empréstimos de instituições de crédito);
  • Não são permitidas contribuições ou donativos indiretos “que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que àqueles aproveitem”;
  • Qualquer donativo pecuniário singular tem o limite anual de cerca de 10 mil euros (25 vezes o Indexante dos Apoios Sociais) por doador. Tem de ser feito por cheque ou transferência bancária.
  • Os donativos são obrigatoriamente depositados em contas bancárias exclusivamente destinadas.

De acordo com a lei, as despesas dos partidos políticos têm de ser pagas pelo próprio partido, pelo que se torna ilegal que seja feita por terceiros, ainda que sejam militantes. A única forma de colocar dirigentes a pagar despesas é através de donativos que teriam sempre de entrar nessa conta específica, podendo depois o dinheiro ser usado pelo partido para pagar a despesa. Nunca pode ser feito diretamente, como o PS sugere poder acontecer no comunicado divulgado esta sexta-feira.

Aliás, há situações onde estas questões legais têm sido contornadas, como por exemplo com a existência de uma conta centralizada na sede nacional, para donativos deste tipo por parte dos autarcas. Outro líder concelhio diz ao Observador que oferece o valor de todas as suas senhas de presença ao partido, que deposita nessa conta. Esse valor é depois transferido para a estrutura federativa distrital, que por sua vez paga as despesas da concelhia. É assim que deve circular o dinheiro no partido, segundo o que está previsto na lei.

O Observador tentou por várias vias obter uma reação de vários responsáveis do PS, mas não obteve qualquer resposta.