Há 16 anos foi mais fácil. A queda nas “meias” foi diante de um Brasil impossível, irresistível, que continuava lindo e que jogava futsal como se, privilegiado, vivesse lá em cima nas nuvens. Meninos como Manoel Tobias, Vander, Schumacher, Anderson e Falcão marcaram golos com fartura e, a um quilómetro da meta, deram um chega pra lá em Portugal, que saltou da estrada dourada. Lutar por um lugar na final pode ser a caminhada mais incrível e angustiante da vida de um jogador, de uma equipa. Ficar ali parado, paralisado, a ver os outros atravessarem a ponte rumo ao ouro e prata é doloroso. Em 2000 foi o Brasil quem roubou a graça de Portugal. Em 2016 foi a Argentina, que aproveitou a desconcentração que intoxicou a cabeça dos portugueses durante alguns minutos da primeira parte (2-5). Segue-se o Irão, sábado às 18 horas, para decidir quem leva a medalha de bronze para casa.

Imaginar o que vai na cabeça dos jogadores é inevitável. Estarão de rastos ou a salivar pelo bronze? Já terão aceitado a nova realidade? Terão mudado o chip do ouro para o bronze? Ou estão derrotados e vai ser um castigo aquele último jogo com o Irão? Pois bem, não se sabe, por isso o Observador fez duas coisas: ir buscar as palavras de quem viveu tal coisa nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro e conversar com quem foi protagonista desse filme de 2000…

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Majó (à direita) celebra o apuramento para o Guatemala-2000 @Lusa

“As coisas acontecem como tem de ser. O mais importante para mim é ter sabido reagir”, explicou Telma Monteiro aos jornalistas, depois de conquistar finalmente uma medalha olímpica. Telma caiu nos “quartos”, mas garantiu na repescagem a possibilidade de combater pelo bronze. “Há oito anos, em Pequim, não tive essa maturidade: perdi na repescagem porque estava obcecada com a medalha de ouro. Hoje não, hoje sabia que o mais importante era fazer História pelo meu país.” O que aprendemos com Telma Monteiro? Ou se muda o chip e se aceita a nova verdade ou vai tudo por água abaixo.

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É assim, Majó? “Não será fácil [mudar o chip], seguramente. Perdemos a oportunidade de lutar por outras medalhas, mas ainda temos uma chance! Têm todos os motivos do mundo para irem cheios de garra e tentar trazer o bronze de volta a casa”, desafia o homem que foi herói no jogo de terceiros e quartos em 2000 vs. Rússia, mas já lá vamos.

Vamos lá fazer as apresentações. Majó, ou Mário Miranda, tem 41 anos e joga nas Oficinas de São José. Trabalha também num projeto nos Salesianos do Estoril, que junta jovens e futsal — “enquadro-me perfeitamente”. Tudo a bem da continuidade do crescimento da modalidade. “É na formação que está o futuro.”

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Lusa

Orlando Duarte, o então selecionador nacional, chamou Majó para o Campeonato do Mundo na Guatemala, em 2000, para ele se estrear pela seleção. “Ainda que haja a confiança de entrar na convocatória, só descansamos quando o nosso nome aparece”. E Majó lá descansou.

Como era a vidinha nesse país da América Central? “Tirando os treinos e o descanso, convivíamos muito com o staff do hotel. Era uma equipa muito sociável, sem dúvida!” Costinha, outro jogador da seleção, contou ao Observador sobre uma história de tiros e de um grande filme de Naná, que levou uma bolada quando estava distraído e achou que tinha sido baleado… “Não me lembro de ter tido receio por lá, mas lembro-me da paródia total que foi com o Naná!”

Portugal ultrapassou o Grupo A juntamente com o Brasil (0-4), deixando pelo caminho Guatemala (6-2) e Cazaquistão (6-2). Na segunda fase de grupos os portugueses seguiram em frente com a Espanha (1-3), eliminando Croácia (3-1) e Holanda (3-1). O sonho daquela gente que ainda lutava para puxar o futsal português para um lugar digno ficava mais perto.

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Majó com a camisola 8 no Mundial da Guatemala (D.R.)

“Antes da fase final tivemos muito tempo juntos, o que fortaleceu muito o ambiente entre a equipa. O facto de termos juventude e experiência favoreceu o equilíbrio. Eu tinha 25 anos, tinha vindo do Cartagena para o Atlético Clube de Portugal”, lembra, fugindo depois à pergunta sobre quem era o craque. Costinha elegeu André Lima, embora refira que foi Arnaldo a figura do Mundial. “Quem era o craque? Havia tantos! Seria injusto destacar alguém quando todos foram tão importantes.”

A seguir, Portugal foi atropelado pelo Brasil (0-8) e deixou cair, com naturalidade, o sonho de disputar a final de um Campeonato do Mundo da modalidade. “O Brasil era outro nível! Tinham muita qualidade, muitas soluções. O embate era desequilibrado”, explica o fixo. Mas a sua final, o jogo especial que decidia o terceiro lugar, chegou depois. À frente deles apareceu a poderosa Rússia, a campeã europeia em título. Aquilo já era para gente de barba rija, com uma mente de ferro e “alma até Almeida”, uma expressão usada também por Fernando Santos.

As coisas até começaram negras, com dois golos dos russos. O desfecho adivinhava-se pouco glorioso, mas aqueles jogadores uniram-se e decidiram dar a volta ao guião. Majó marcou dois e Portugal venceu 4-2. “Impossível, volta e meia, não me lembrar desse dia! Os golos vieram presentear a nossa coragem e audácia perante a campeã europeia da altura”, recorda Majó. “Tive muitos momentos marcantes, mas, por razões óbvias, esse foi um dia muito especial. Ainda hoje o recordamos vivamente. As memórias são as melhores! Foi um sonho tornado realidade. Nunca uma medalha de bronze soube tanto a ouro…”

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A festa do bronze (D.R.)

A derrota com a Argentina faz parte do passado. Afinal, Ricardinho e companhia “estão a dar o seu melhor”. Majó considera que “somos um país de crítica fácil”, por isso é tempo de “apoiar os nossos”. É que “eles precisam de sentir isso”.

Em 2000 Orlando Duarte teve a arte para sarar as feridas dos seus homens e resgatá-los do buraco da frustração. O que pedia ele para o jogo de terceiro e quarto lugares? “O que pedia sempre: muita atitude, vontade de vencer. Sempre foi uma pessoa com vontade de ir mais além.”

Há alguma coisa a dizer aos senhores que vão entrar em campo e viver o que Majó e companhia viveram há 16 anos? Há pois. “Não tenham medo de ser felizes! Se todos assumirem as responsabilidades, será muito mais fácil. São os escolhidos para defender a nação, estamos todos no mesmo barco. Imponham a vossa lei!”