“Na biblioteca não precisa de gastar um tostão! É um dos poucos locais a que as pessoas têm direito a recorrer, não é um favor que lhe estão a fazer, é dinheiro que vem dos seus impostos”, disse Maria José Moura em entrevista à Lusa a propósito dos 30 anos da criação da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas.
Em 1986, a pedido da então secretária de Estado da Cultura, Teresa Gouveia, Maria José Moura, da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, Teresa Calçada, Pedro Vieira de Almeida e Joaquim Macedo Portilheiro, do antigo Instituto Português do Livro, criaram as bases de uma rede nacional de bibliotecas públicas municipais, que conta hoje com mais de 200 equipamentos, em todo o país.
“O facto de não haver bibliotecas públicas em Portugal, dez anos depois do 25 de Abril, era um escândalo! Todos os países civilizados, melhor ou pior, têm bibliotecas (…). A rede de bibliotecas itinerantes – foi uma sorte que este país teve — era o que havia. Fora isso, só havia meia dúzia de bibliotecas das câmaras, com as estantes fechadas. Tudo poeirento, triste, sem luz. Era uma coisa sem vida”, recordou Maria José Moura.
Até 2006, dirigiu o programa da RNBP, que diz ter sido o “grande projeto de vida”, a par do trabalho de profissionalização, formação e qualificação de bibliotecários, que considera serem os “intermediários entre o livro e o leitor”.
“O bibliotecário é um mediador. Antes não era. Não sabia quem eram os leitores e utilizadores. Uma das coisas mais importantes para o bibliotecário poder trabalhar, é o diálogo e a proximidade com as pessoas que lá vão. E é muito exigente, porque há leitores com interesses muito diversificados”, sublinhou.
No sábado, a Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, da qual Maria José Moura é vice-presidente, realiza um colóquio no Porto, dedicado precisamente aos 30 anos da criação da RNBP.
Segundo os dados mais recentes, em 2015, as bibliotecas públicas portuguesas tiveram mais utilizadores inscritos, mas registaram menos visitas ao longo do ano. Em média, cada biblioteca pública teve 38.231 visitas dos leitores portugueses, durante 2015.
Maria José Moura lembra o lado formativo das bibliotecas, espaços que podem ser sucedâneos das escolas: “As pessoas têm possibilidade de encontrar resposta para uma quantidade enorme de coisas que antes não precisava”.
De há trinta anos, quando foi feito um diagnóstico sobre leitura pública, preparatório para a criação da rede nacional, Maria José Moura recorda-se da elevada taxa de analfabetismo e da falta de informação sobre o funcionamento de uma biblioteca.
“Quando falava em emprestar livros para casa os presidentes das câmaras ficavam com os cabelos em pé, porque tínhamos sido educados com as estantes fechadas: ‘Empréstimo domiciliário?!’ Foram pequenas batalhas e conquistas que fomos demonstrando que era possível. Era um bem público. Eram os nossos impostos que estavam a ser gastos. As estantes estavam abertas para as pessoas verem!”, sublinhou.
No início de outubro, o diretor-geral da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), Silvestre Lacerda, afirmou que o Estado e as autarquias investiram, nos últimos 30 anos, cerca de 250 milhões de euros na construção de bibliotecas da rede de leitura pública.
Na proposta de Orçamento do Estado para 2017, o Governo estipula o desenvolvimento de um programa de apoio às bibliotecas públicas mais carenciadas e pretende estender o serviço de leitura pública a mais concelhos.
Para Maria José Moura, a biblioteca ideal é aquela em que “as pessoas conseguem encontrar respostas para as suas necessidades, sejam elas de ordem pessoal” ou profissional. “As bibliotecas têm de se adaptar àquilo que lhe é pedido e não ver nisso uma desconsideração. Não se sentir diminuída. Pelo contrário”, opinou.