Portugal não deve cumprir as metas do défice estrutural com que se comprometeu com a União Europeia, apesar de garantir essa meta na proposta de Orçamento, tudo porque o Governo decidiu calcular o PIB potencial de modo diferente do que mandam as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, diz o Conselho das Finanças Públicas, que estima que o esforço valha metade do exigido.
Que o Governo não concorda com a forma como é calculado o PIB potencial, chave no cálculo do défice estrutural, não é novidade. Portugal nem sequer é o único país a questionar estas regras, já que em março, juntamente com outros sete ministros das Finanças da zona euro, Mário Centeno assinou uma carta com uma forte recomendação para que a metodologia fosse revista.
A Comissão respondeu na altura, admitindo que ia analisar o caso (que está a fazer), mas lembrando que a metodologia que é usada atualmente, e com a qual estes países não concordam, foi aprovada por todos os países.
O Governo tem vindo a insistir nestas mudanças e agora, na proposta de Orçamento do Estado que enviou para Bruxelas, decidiu mesmo fazer as contas com base numa metodologia diferente, mais favorável para as contas de Mário Centeno, em vez de usar aquela a que obrigam as regras europeias.
Quem o diz é o Conselho das Finanças Públicas que, numa análise à proposta de Orçamento do Estado para 2017, fez as suas próprias contas e estima que, à luz das regras que são usadas pela Comissão Europeia, o ajustamento que o Governo diz que vale os 0,6 pontos percentuais exigidos, vale na verdade metade, ou seja, 0,3 pontos percentuais do PIB potencial (na metodologia do CFP valeria 0,4 p.p.). Assim, se Bruxelas insistir no seu método de cálculo, o Governo ainda poderá ter de fazer um ajustamento que pode rondar os 570 milhões de euros (que corresponde aos 0,3 pontos percentuais do PIB potencial).
As divergências na forma de calcular o PIB potencial levaram a Comissão Europeia a enviar uma carta para Lisboa a pedir mais informação ao Governo sobre as contas que incluía no Orçamento do Estado, já que não batiam certo com as feitas pelos técnicos em Bruxelas.
Segundo o comissário europeu para os Assuntos Económicos, a divergências não seria suficiente para que a Comissão Europeia chumbasse a proposta de Orçamento e obrigasse o Governo a apresentar uma versão revista (decisão vai ser conhecida esta quarta-feira). A questão passará para as mãos dos ministros das Finanças da zona euro, já que foram eles que cancelaram a multa a Portugal e que podem ver agora o ajustamento exigido em troca, de 0,6 pontos percentuais, a não se concretizar.
Esta não é a primeira pega do Governo com a Comissão Europeia. No primeiro orçamento deste Governo, o de 2016, o Executivo considerou, ao contrário do que tinha vindo a ser feito pelo anterior Governo, que o impacto de um conjunto de medidas que estava a ser revertido teria um impacto extraordinário em termos contabilísticos. Ou seja, que o fim dos cortes salariais e a eliminação de parte da sobretaxa de IRS não deveriam agravar o défice estrutural.
O braço-de-ferro levou a intensas negociações que acabaram com o Governo a ceder e a apresentar mais medidas para compensar as contas que tinha feito – que em vez de reduzir o défice estrutural apresentavam um agravamento –, como foi o caso do recuo na redução da Taxa Social Única para os trabalhadores com rendimentos até 600 euros brutos, a redução do número de funcionários públicos e diversos aumentos de impostos indiretos, em especial sobre os combustíveis e sobre o tabaco.
Na altura, a Comissão não aceitou a argumentação do Governo em praticamente tudo.
Orçamento restritivo para pagar reversões de 2016
Cortes salariais, sobretaxa, 35 horas, IVA da restauração… Este conjunto de medidas parece já ser antigo, mas os custos só se vão fazer sentir em pleno este ano. E o resultado está à vista: segundo o Conselho das Finanças Públicas, mais de dois terços das medidas que o Governo diz que vai tomar em 2017 serão para pagar o impacto destas medidas.
Porquê? A maior parte destas medidas foi aplicada já com o decorrer do ano ou de forma faseada ao longo do ano, como é o caso da reversão dos cortes salariais que foi sendo feita trimestre a trimestre ou da redução do IVA na restauração de 23% para 13% que só aconteceu na segunda metade do ano.
Esses custos farão sentir-se agora com toda a sua força e, por isso, as medidas que o Governo diz neste Orçamento que vai tomar para controlar o défice em 2017 serão para pagar as medidas tomadas no ano passado.
A isto acresce outra questão que pode ser problemática, que é natureza das medidas que estão a ser tomadas. Segundo o CFP, a maior parte da redução do défice que se quer fazer no próximo ano deve acontecer “maioritariamente do impacto favorável de medidas de natureza temporária e de ganhos financeiros”, e de expetativas em relação ao crescimento da economia que não têm em conta de forma suficiente a incerteza interna e externa.
Este aviso surge depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e tendo como pano de fundo a negociação para a saída do Reino Unido da União Europeia, que se espera que comece no próximo ano.
Aliás, o CFP refere por várias vezes que os resultados esperados para certas rúbricas não têm explicação em medidas que sejam apresentadas pelo Governo, devendo estar, em alguns casos exclusivamente, dependentes do crescimento económico, que, como se viu este ano, pode não correr como o esperado.
Esta elevada dependência do que será a evolução económica no próximo ano pode colocar em causa várias rúbricas orçamentais, em especial para a receita do Estado, e a meta em geral caso não se concretizem os pressupostos do Governo, ao ponto de o CFP o considerar um risco orçamental.