Quando se fala em criatividade, a inovação e o empreendedorismo aparecem de braço dado. Será esta tríade a chave para o sucesso? O Observador perguntou aos três empreendedores distinguidos pela Universidade do Porto, durante a Gala da Inovação, Diogo Cruz, João Barros e Manuel Vieira Lopes, que significado e peso têm estes conceitos nos seus projetos.

Afinal, o que é a criatividade?

“É a capacidade de nos ligarmos a algo que é transcendental, porque tem tanto de consciente como de subconsciente. Quando estou em frente ao quadro branco com outras pessoas que estão no mesmo nível de energia, motivação e de alegria, rapidamente chegamos, em conjunto, a soluções diferentes”, afirmou João Barros, que foi distinguido na área tecnológica.

Licenciado em Engenharia Eletrotécnica e de Computação e professor catedrático na UP, João Barros cofundou, em 2012, a Veniam, uma das 50 startups mais disruptivas do mundo, com uma estrutura que vai dos Estados Unidos até Singapura. A Veniam desenvolve soluções para a internet em movimento, transformando veículos em hotspots Wi-Fi, conectados entre si.

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Diogo Cruz, licenciado em Gestão pela Faculdade de Economia da UP e recebeu a distinção na área do empreendedorismo social. Para o jovem, ser criativo é marcar a diferença como aconteceu quando fundou, em 2013, a U.Dream, um projeto de empreendedorismo social que transforma em realidade sonhos de crianças com problemas graves de saúde. “É tentar fazer alguma coisa diferente do comum. Tentar ser criativos na forma como concretizamos os nossos objetivos”, refere.

Para Manuel Vieira Lopes, distinguido pela Universidade na área das artes, a criatividade tem a ver com o desenvolvimento de soluções que permitam responder a uma necessidade de um espaço de habitação. “A procura de uma solução que responda a um bem-estar e a um conforto de um espaço dinâmico e que se ajusta ao utilizador”, afirmou o fundador da empresa Casas em Movimento, um tipo de arquitetura que concebe casas inteligentes que se movimentam em função do sol, potenciando a sua energia numa solução ecológica e auto-sustentável.

O que é inovar?

Inovar, para Diogo Cruz, passa muito por sentir, mais do que pensar “fora da caixa”. “Não é uma forma de atingir um objetivo, é uma de forma de sentir um objetivo. Inovar é fazer coisas que podemos fazer todos os dias mas simplesmente fazemos com uma visão e um brilho ligeiramente diferente”.

O grande objetivo da U.Dream passou “simplesmente por ter impacto social e acompanhar crianças em estado de saúde ténue, em casa”, durante cerca de três meses. “Dentro daquela que é a inovação e daquele exercício que nos estimula a pensar fora da caixa, sugeria-vos que pensassem muitas das vezes dentro da caixa”, desafiou o jovem durante o evento.

Já a Veniam, além de transformar os veículos em hotspots wi-fi, criou “uma nova infraestrutura de cidade inteligente que permite olhar para os veículos, não apenas como máquinas que transportam pessoas e objetos”, mas como parte integrante dessa cidade. Ao mesmo tempo que permite o acesso à internet a milhares de pessoas, os sensores móveis captam “terabytes e terabytes de dados para melhorar a qualidade de vida das cidades”, explica João Barros.

“Os americanos gostam de dizer que é preciso uma aldeia inteira para fazer crescer uma criança, no caso da Veniam foi, literalmente, preciso uma cidade inteira”, salienta.

Foi essa a inovação que João Barros conseguiu, através da “capacidade de sonhar aquilo que ainda não existe e encontrar um caminho a partir da realidade. E que requer muita disciplina e a capacidade de olhar e aceitar a realidade como ela é. A partir daí, construir todos os pequenos e grandes passos que são necessários para chegar à realidade como nós gostaríamos que ela fosse”. Uma realidade que chegou primeiro ao Porto mas que já chegou a Singapura, onde a Veniam assinou uma parceria com um operador de telecomunicações asiático “muito relevante”.

Para Manuel Lopes, a inovação prende-se “com a relação [da casa] com o exterior em função da reação que tem com o sol, fundindo-se com a natureza e criando dimensões dos espaços no interior” em função da utilização de quem a habita. Diferente de uma construção convencional, em que é o utilizador que se tem de adaptar ao que está construído.

O que é empreender?

O empreendedorismo “é arriscar, é usar tudo aquilo que está nas nossas mãos e tudo aquilo que não está nas nossas mãos para tentar fazer algo diferente na sociedade. Ser empreendedor é arriscarmos que todas as outras pessoas nos vejam de uma forma que se calhar não compreendem, mas que nós acreditamos, sinceramente, que podemos fazer algo diferente e que isso vai ter repercussões”, diz Diogo Cruz.

A U.Dream “deixou de ser um projeto social para ser um projeto educativo. A concretização dos sonhos é “apenas 1%” do que a organização faz, focando a sua atenção no acompanhamento às famílias e às crianças. Além da expansão para Braga, a U.Dream tem como objetivo, “arriscar” para chegar nos próximos três anos a Aveiro, Coimbra e Lisboa.

Desde a fundação, já passaram pela empresa mais de 250 pessoas em regime de voluntariado, sendo que todos os membros têm acesso a uma bolsa de cerca de 40 mil euros anuais em formação. Trabalha com mais de cem empresas a nível nacional, fazendo prestação de serviços de consultoria a essas empresas na troca direta da concretização dos sonhos e de apoios.

João Barros, da Veniam, tem uma visão semelhante à de Diogo Cruz. Para se ser empreendedor, diz , é preciso ter ” uma dose enorme de idealismo”.

“É um sentimento extraordinariamente incómodo, interior que faz com que nós não consigamos aceitar a realidade como ela é e nos sentimos impelidos a fazer o que está ao nosso alcance para a alterar. É preciso uma fé, que não tem de ser religiosa, muito grande na nossa capacidade de alterar a realidade”, diz João Barros.

Já a Veniam emprega cerca de 50 pessoas e o próximo passo passa por escalar as operações – e está a recrutar, não apenas nas áreas da engenharia e tecnologia mas também nas áreas comerciais, gestão de projeto, gestão de produto. Quer recrutar em Portugal e internacionalmente para “trazer novos quadros para o Porto”.

No Porto (e no Norte) está a ser também trabalhada a tecnologia das Casas em Movimento que demorou cerca de seis anos a ser desenvolvida e já está patenteada em 77 países. Para Manuel Lopes, empreendedorismo é também a persistência do menino que aos 11 anos ganhou um prémio com uma maquete feita de paus de gelado e fósforos e que, mais tarde, fez maquetes para a Bienal de Veneza. ”

É a persistência constante. Quando descemos um degrau, ou descemos três, temos de ganhar força para subir o resto da escada”, remata o arquiteto.

A tecnologia está agora disponível para ser aplicada a qualquer espaço de arquitetura e será materializada numa rede de “Kiosks in Motion”. Será uma rede de quiosques (não dos que vendem jornais e revistas) inteligentes “que seguem o sol e promovem a economia local e estão conectados em rede”, explica Manuel Lopes.

O quiosque, que funcionará como “um centro de informação tecnológica” que mostra sítios a visitar, vai permitir a dormida de pessoas. “É um urban resort”, explica o arquiteto. A partir de uma tecnologia diferenciadora, quando uma pessoa reservar um sítio para dormir, vai previamente definir os seus gostos pessoais, da música à iluminação. E, até em função do feng shui, coloca a casa na posição certa para que possa dormir mais descansado.

Já foram investidos cerca de dois milhões de euros no projeto mas há já investidores interessados e negociações em curso para um investimento na ordem dos cinco milhões.

Editado por Ana Pimentel