A ideia não é de Julia Barrett — é de Steve Case, fundador da AOL –, mas é recuperada por ela numa conversa com o Observador. “Não forcem as vossas startups a procurar investimento em Silicon Valley. Apoiem-nas. Dêem algo de volta à vossa comunidade, para que se torne auto-sustentável e atraia outros empreendedores e investidores “, afirmou a diretora do programa global da Salesforce para startups. De visita a Lisboa, a responsável pela tecnológica norte-americana não hesita em alertar o ecossistema de empreendedorismo para aquilo que é preciso: “Invistam na vossa comunidade”.
“Nos EUA, há uma organização liderada por Steve Case em que todo o conceito assenta na ideia de que a inovação acontece em qualquer sítio. Ele é muito apaixonado por este movimento e está a tentar enaltecer o facto de que não é preciso construir uma empresa em Silicon Valley para termos sucesso. Podemos estar na cidade do Kansas e até temos vantagens em trabalhar lá, na comunidade onde nascemos e à qual chamamos casa”, disse Julia Barrett.
O programa da tecnológica norte-americana — que é uma referência em termos de soluções de software na cloud (nuvem) — para ajudar startups a crescer e a desenvolver o modelo de negócio conta com 8 mil membros, está presente em 140 países e as empresas portuguesas estão no top 20 do portefólio, na 15.ª posição. Desde a visita de Julia Barrett a Lisboa, em final de novembro, o número de empreendedores portugueses presente no programa cresceu 20%.
O Salesforce For Startups nasceu em 2014 e “está aberto a qualquer empresa de qualquer lado”, explicou a responsável. “Temos tentado que este programa seja o mais inclusivo possível. Queremos construir um programa que ajude as startups a compreender os produtos que oferecemos, fazendo uma curadoria daqueles que achamos que realmente fazem sentido para elas”, explicou.
Sobre Lisboa, elogiou a comunidade “amigável e próxima”, na qual “parece muito fácil as pessoas moverem-se”, mesmo vindas de qualquer parte do mundo. Destacou o facto de não haver “uma barreira na linguagem”, porque a maioria das pessoas fala inglês, e os incentivos que estão a ser lançados pelas organizações públicas e que estão “a tentar alimentar o empreendedorismo”.
Para Julia, “é uma cidade pequena o suficiente para que o foco tenha impacto e isso é único — nem todas as cidades têm essa capacidade”. Mas a responsável não descura o trabalho de casa que é preciso fazer e que passa por promover as empresas a terem uma presença global, com orgulho em serem portuguesas. “Quanto mais empresas portuguesas começares a ver lá fora, melhor. Mas certifiquem-se de que têm a bandeira portuguesa, que têm orgulho em dizer que estão sediadas em Portugal”, disse.
“É importante erguer a bandeira portuguesa e lembrar que não é preciso estar em São Francisco. Estamos num mundo global e temos de pensar fora de Silicon Valley, Nova Iorque ou Londres. É maior do que isso. Mesmo Berlim. Acho que há investidores muito interessantes em Portugal, que estão a tentar criar uma consciência global sobre Lisboa. Se não mostrares ao mundo que há inovação a acontecer em Portugal, ele não tem motivos para acreditar que esteja”, afirmou Julia.
A diretora do Salesfore for Startups lembrou ainda que, independentemente da nacionalidade do investimento, o foco dos empreendedores deve passar por mostrar quem são. “Assegura que as pessoas sabem de onde és, apoia a tua comunidade, outras startups, para que todas tenham sucesso. Acho que é a única forma. Nós podemos falar de Portugal, mas é preciso mostrar Portugal”, reforçou.
Questionada sobre se Lisboa corre o risco de estar demasiado na moda, respondeu com sorrisos. “Isso seria um problema terrível para se ter, não seria?”, brincou. Reconhecendo que existem algumas “dores de crescimento” que podem afetar (ou vir a afetar) o ecossistema português, Julia Barret desvalorizou-as. “Existe um grande apoio do Estado, sobretudo com o recém-lançado Startup Portugal, para ajudar a navegar essas dores”, afirmou.
A líder do Salesforce For Startups destaca, sobretudo, a proximidade que diz existir na cultura portuguesa, que “fica intrínseca na forma como se gerem negócios”. “Acho que a comunidade portuguesa é a mais amigável. E espero que isso cresça à medida que a comunidade cresce também”, frisou Julia, sem deixar de referir que, quando as empresas se tratam como irmãs, quando uma tem sucesso traz as outras consigo. “Começar a sobressair só traz vantagens. Só aumenta o interesse em investir em Portugal”, disse.
Julia Barrett reforça ainda que Lisboa é uma cidade que apoia a inovação e que detém uma cultura muito orientada para a família, o que incentiva a comunidade de startups a ajudar-se. “É económica e o inglês é uma língua muito falada na comunidade, o que faz de Lisboa uma escolha muito fácil para os empreendedores de todo o globo”, concluiu, recordando os “empreendedores apaixonados” que conheceu — dos fundadores da Indie Campers à Uniplaces ou Petable.
A responsável da Salesforce destacou ainda o trabalho de empresas como a Fibersail e a BioMimetx, que estão a inovar no campo da tecnologia marítima, “Isto é algo único para Lisboa. Nem todas as comunidades podem aceder ao conhecimento e à potencial base de clientes que vocês têm nesta indústria”, afirmou, acrescentando que são raros os ecossistemas que conseguem suportar uma comunidade tão aberta e calorosa como a lisboeta.