Há pormenores determinantes da operação de resgate do Monte dei Paschi di Siena que ainda estão por conhecer. Mas aquilo que o governo italiano desvendou, depois de uma reunião de emergência do conselho de ministros realizada nesta quinta-feira à noite, é já suficiente para começar a causar mal estar nalguns meios. Entre as capitais incomodadas com o plano italiano de evitar um bail in, que implica perdas para depositantes, obrigacionistas e acionistas, parece estar Berlim.

Não há, ainda, reações oficiais do executivo alemão sobre aquilo que a Bloomberg classifica como uma tentativa de provocar um curto circuito nas regras que entraram em vigor em janeiro de 2016, destinadas a impedir novos salvamentos de bancos com o dinheiro dos contribuintes. Mas há vozes que não escondem o incómodo com a persistência de Itália em soluções que prolongam a ligação entre as dificuldades graves das instituições financeiras e os bolsos fundos de quem paga impostos.

Sven Giegold é uma delas. O eurodeputado germânico, do partido ecologista, é crítico da intenção de Roma de assegurar a sobrevivência do Monte dei Paschi sem que os investidores sejam beliscados, numa solução que, presumivelmente, forçará à injeção de dinheiro do Estado no banco. “Os planos de resgate italianos são um teste de acidez”, disse Giegold, “e a Comissão Europeia abrirá um perigoso precedente se os aprovar”. Se este cenário se confirmar, o membro do Parlamento Europeu antecipa que a intervenção no Monte dei Paschi pode representar “o início de uma nova série de resgates” com recursos dos contribuintes que, entre 2008 e 2014, injetaram dois biliões de euros no sistema bancário europeu.

Um truque para contornar as regras europeias?

Um dos detalhes do esquema italiano está no recurso a uma operação de “recapitalização cautelar e temporária”, prevista nas atuais regras europeias para ser aplicada quando é necessário evitar uma “grave perturbação na economia” e preservar a “estabilidade financeira”. Neste casos, de necessidade de um apoio financeiro público de natureza extraordinária, aplicam-se as regras sobre ajudas de Estado que, ainda assim, impõem perdas aos detentores de obrigações subordinadas e aos acionistas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O resgate do Monte dei Paschi, o primeiro desde que entraram em vigor as novas regras europeias, prevê que as obrigações de maior risco recebam ações do banco equivalentes a 75% do valor nominal dos títulos de crédito, enquanto as obrigações sénior serão convertidas a cem por cento. Acontece que o plano não fica por aqui. Ao prometer que os pequenos aforradores ficarão “totalmente” protegidos, o governo italiano pretende montar um esquema de compensação que passa pela oferta de obrigações sénior em troca das ações que os investidores tenham recebido. O caminho escolhido está talhado para contornar as normas.

Paolo Gentiloni, primeiro-ministro, referiu que as regras para os planos de resgate de Itália foram elaborados em coordenação com a Comissão Europeia. A reação de Bruxelas, conhecida nesta sexta-feira, foi lacónica. Resumiu-se à promessa de que o executivo europeu “trabalhará com as autoridades italianas e as autoridades de supervisão responsáveis para confirmar se as condições [das regras europeias sobre recapitalizações cautelares] são cumpridas”.

Proteger famílias e pensionistas. Será mesmo assim?

O modelo escolhido pelo governo italiano para o resgate do Monte dei Paschi e de outros bancos em estado de necessidade, como o Veneto Banca e o Banca Popolare di Vicenza, não é o único ponto de controvérsia. Contas feitas pela Bloomberg a partir de dados oficiais do Banco de Itália referem que apenas 5,4% das famílias do país detêm investimentos em obrigações. E estas são duas vezes mais prósperas do que a média nacional: detêm, em média, um património líquido no valor de 524 mil euros, de acordo com estatísticas relativas a 2014, quando a média da população é de 218 mil euros, e tinham rendimentos anuais de 52 mil euros.

Os números sustentam os argumentos daqueles que se manifestam contra as decisões do governo, baseadas na proteção dos obrigacionistas, e, por esta via, na proteção das famílias e dos pensionistas. Nicolas Veron é um dos críticos da perspetiva das autoridades transalpinas. “Em Itália, há uma tendência para usar o argumento emocional do pensionista, da viúva e do órfão para proteger pessoas que, na verdade, não merecem ser protegidas”, afirmou o economista do think tank Bruegel. “Os especialistas em concorrência da Comissão Europeia estão muito a par disto, mas em Itália o assunto é tabu”, acrescentou Veron.

O Monte dei Paschi já foi alvo, em ocasiões anteriores, de apoios financeiros do Estado italiano. Há quem defenda que a torneira, neste caso concreto, devia ser fechada. “Um banco que já provou, em múltiplos momentos, que não tem qualquer razão para existir, devia sair do mercado e permitir a sobrevivência dos concorrentes mais fortes”, disse Lutz Roehmeyer, gestor de fundos no Landesbank Berlin Investment. Citado pela Bloomberg, Roehmeyer acrescentou: “Os resgates permanentes tornam impossível limpar o mercado e alcançar preços adequados ao risco”.

Com a situação do Monte dei Paschi ainda por resolver, o sistema bancário italiano tem o próximo grande desafio agendado para janeiro. O UniCredit, maior banco do país, vai colocar no mercado 13 mil milhões de euros em ações. O capital que a instituição pretende recolher servirá, em parte, para a cobertura de perdas com créditos de risco que representam 15% dos ativos, um peso, ainda assim, menor do que os cerca de 35% que os créditos de má qualidade têm sobre os ativos do Monte dei Paschi.