Garantiu estar “completamente inocente” e ser vítima de uma “estratégia friamente montada”, assente em “mentiras, contradições e falsificações”. Utilizou adjetivos duros para descrever uma Bárbara Guimarães “desregulada”, “obcecada”, “cobarde”, “histérica” e “hipócrita”. O ex-ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, quebrou o silêncio, esta segunda-feira, no âmbito do processo em que é acusado, pela ex-mulher, de violência doméstica durante o casamento. Na audiência que decorreu, esta segunda-feira, no Campus da Justiça, em Lisboa, Carrilho negou alguma vez ter batido na ex-mulher e relatou, ao longo de mais de duas horas, vários episódios que atestam aquele que afirmou ser um problema de dependência ao álcool. Bárbara Guimarães pediu para sair da sala assim que percebeu que Carrilho ia falar.

Uma acusação de violência doméstica não é um ataque, não é uma graça, não é um insulto. É uma bomba atómica. Sobretudo quando uma figura pública a lança sobre outra figura pública”, declarou o ex-ministro, logo no início da audiência, ainda de manhã, acusando Bárbara Guimarães de ter montado uma “estratégia friamente calculada, mas com muitos buracos”.

Em tribunal, e quebrando o silêncio que já durava há um ano, Carrilho leu o e-mail que diz ter enviado a Bárbara Guimarães, no dia 24 de outubro de 2013, depois de regressar de Paris, em resposta ao que ela lhe enviou no dia 23 e onde o acusava de violência doméstica e de ter ameaçado matar, inclusive, o próprio filho. Sublinhou que sempre preferiu manter o “problema” de Bárbara com o álcool na sombra, mas que, perante a capa da revista “Flash”, do dia 25 de outubro de 2013, onde ela o acusava de violência doméstica, tudo mudou.

Nessa altura, diz, “percebo que isto dá um salto. Bárbara tinha decidido abrir guerra comigo. Não há uma palavra minha sobre o caso, antes da Bárbara falar”. Mas depois desse dia vem a público aquilo que Carrilho diz ter posto por escrito na missiva que lhe endereçou. E o foco foi sobretudo a dependência alcoólica de Bárbara Guimarães.

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Perante a juíza de instrução criminal, Carrilho diz tê-la lembrado, naquela carta, “de todos os problemas dos últimos seis meses”, desde o “desatino decorrente da dependência alcoólica”, às “tantas vezes que circulava ébria na estrada”, ponto em causa a vida dos filhos, à obsessão com a idade “com os seus cinco implantes de silicone”, a toma de “dezenas de comprimidos por dia sem qualquer controlo”.

“Desde que conheço a Bárbara que lhe conheço nódoas negras”

Sobre os episódios de violência doméstica de que Bárbara Guimarães o acusa, Carrilho negou ter violentado a ex-mulher e lembrou que “não foram apresentadas nunca provas”. Quanto às nódoas negras que Bárbara fotografou e anexou à acusação, o ex-ministro referiu que “desde que conheço a Bárbara que lhe conheço nódoas negras”.

E aproveitou ainda para relatar mais episódios de “noites inteiras” em que ela saía de casa e chegava alcoolizada, “copos partidos”, “quedas em buracos”, “choques com portas fechadas”, assim como contou sobre as vezes em que “deixava a filha de dois anos e meio à porta da cozinha a pedir comida, enquanto beberricava com as amigas”. Vinho branco “fresquinho”, o mesmo vinho que ele diz que acabava por beber também “por amor a Bárbara e para diminuir a dose dela”.

Tudo piorou no último ano de casamento, garante. E não é ao acaso, sublinha, que “numa casa de 400 metros quadrados só foram faladas duas divisões: o sótão e a cozinha”.

O que fazia Bárbara Guimarães todo o tempo na cozinha? A casa tinha cinco salas! Porque era lá que estava vinho branco fresquinho que gostava ela e as amigas de beber.”

“Fiz tudo o que era humanamente possível fazer para salvar a Bárbara daquilo que estava a acontecer.” “Eu tenho 65 anos e tenho direito a defender-me de uma estratégia criminosa, de um tiro pelas costas.” Para o pedido do divórcio, Carrilho encontra três motivos para isso: o “alcoolismo crescente”, o “afastamento da política” — uma vida que Bárbara sempre apreciou e que lamentou quando ele deixou — e “o mais sórdido talvez: deitar mão a tudo”. E foi por este último ponto que, insiste, Bárbara Guimarães terá preferido a “lei da selva” aos tribunais.

Lei da selva essa que, disse, revela o modo de estar na vida da apresentadora. “Ela nunca pagava multas. Comecei a perceber o que era viver com uma vedeta, alguém que acha sempre que tem um estatuto diferente.”

Para Carrilho, o divórcio de 2013 “é a repetição do de 2001”: “foi a meio de maio a Punta Cana, rasgou a folha em duplicado e não a original”. O ex-ministro contou que em 2001, a três dias do casamento com Bárbara Guimarães, lhe ligaram de um jornal a dizer que ela era casada com o também apresentador Pedro Miguel Ramos, um casamento que ocorrera em Punta Cana. Confrontada com a notícia, Bárbara Guimarães disse-lhe que era algo sem importância e a forma como “resolveu” o problema seria a mais ortodoxa. O casamento acabou por ser adiado (viria a acontecer em 2003) e apenas fizeram uma festa.

“Eu fiquei sem casa, sem filhos, sem mulher”

Perante a juíza, Manuel Maria Carrilho descreveu a forma como decorreu a separação em 2013 e de como “precipitadamente” assinou o acordo. “Ela conseguiu levar tudo. Esse acordo foi feito com tanta precipitação e desnorte que nem sequer há um inventário dos bens. Parece ter sido escrito numa taberna. E eu aceitei tudo.”. “Eu fiquei sem casa, sem filhos, sem a minha mulher.”

Se alguém se quiser divorciar vai a tribunal. Agora se quiser deitar mão aos bens, se quiser deitar mão aos filhos e obter pensões milionárias, obviamente que usa outro processo que foi o que aconteceu neste caso. A Bárbara inventou uma acusação inteiramente falsa de violência doméstica para deitar mão a tudo aquilo que não era dela. Aos filhos que eram de ambos e aos bens que eram meus.”

O ex-ministro voltou a emocionar-se ao falar daquilo que diz ter perdido em todo este processo. “Este divórcio foi conduzido segundo a lei da selva e eu fui espoliado de bens importantes. Eu não tenho nenhuma fotografia dos meus filhos antes de outubro de 2013 [altura do divórcio], não tenho a correspondência da minha mãe e do meu pai”, garantiu, falando também da biblioteca de 12 anos “organizada horizontalmente”, cujos mais de 10 mil livros foram “colocados em 107 caixotes” e enviados para Viseu, juntamente com “uma caixa de cachecóis e outra de peúgas”. “Os meus livros são como os meus filhos”, lamuriou.

A todos estes bens juntam-se o relógio de ouro do avô, a estante onde estudava, do tamanho da mala do carro, centenas de livros dedicados por escritores, quadros, móveis, cadeiras. “A lei da selva vingou.”

Questionado pelos jornalistas, no final do dia de interrogatório, sobre o porquê de ter assinado aquele acordo, que materializou a tal lei da selva, Carrilho justificou que “foi um acordo entre pessoas de bem” e que “havia uma cláusula de restituição de bens que da minha parte foi cumprida, da parte dela não”. “Ela decidiu ficar com tudo. Já vendeu a casa, tudo desapareceu.”

Problema com o álcool terá começado no final do verão de 2012

Ainda sobre o problema do álcool, que foi sendo aludido ao longo de todo o discurso de Manuel Maria Carrilho, o ex-ministro, questionado sobre o momento no qual se apercebeu haver ali um problema de dependência por parte da ex-mulher, respondeu que o situa no final do verão de 2012, quando de “um copo de vinho, passou a dois, de dois a três e daí a garrafas inteiras”, sempre que saíam.

Carrilho sublinhou o impacto que o trabalho tinha na vida de Bárbara e recordou que entre 2000 e 2016 ela “só fez oito programas: um por biénio”. “A Bárbara tinha um problema real e chegámos a pensar em mudar de vida: abrir uma creche…”

Questionado pela procuradora do Ministério Público, já depois de almoço, sobre se falava com a então mulher sobre o problema e como lidava com a questão da segurança dos filhos na presença da mãe alcoolizada, Carrilho respondeu que o “quotidiano não era falar com a Bárbara sobre o álcool, até porque ela sabia perfeitamente o que eu pensava sobre isso”.

Só lhe pedia que não bebesse quando andava com ia conduzir e com as crianças no carro, afirmou. Carrilho acrescentou que é uma pessoa “otimista” e “ia fazendo a minha vida na esperança que tudo isso passasse”. Sendo que essa esperança “morreu no dia 18 de outubro de 2013”, quando foi recebido no aeroporto por um indivíduo que lhe entregou as chaves do carro e disse para não voltar a casa. Nesse dia, conta, a casa já estava rodeada de seguranças, que acusa de o chegarem a agredir.

A procuradora questionou-o ainda sobre se tinha ideia de quando terá começado a ser engendrado aquele que ele acredita ter sido um plano bem montado. Carrilho respondeu que tudo o leva a crer que a apresentadora “começou a montar a estratégia em agosto de 2013”, depois de regressar de umas férias com as amigas e os dois filhos no Brasil.

Todas as pessoas simpáticas são manipuladoras. Alguém convenceu a Bárbara que isto era uma coisa engraçada de se fazer.”

Uma estratégia que, para Carrilho, “não foi bem conseguida, infelizmente com grandes penalizações para os meus filhos”.

Em relação aos filhos, Manuel Maria Carrilho — que ficou com a guarda do filho Dinis em março do ano passado — diz que era sempre ele a deitá-los e, normalmente, quem os arranjava de manhã.

E lamentou que os filhos estejam a sofrer com todo este processo, ao ponto de o filho, Dinis, ter chegado a fugir de casa da mãe. E aproveita o tema dos filhos para apontar outra contradição à ex-mulher: “Qual o sentido de a mãe estar em tribunal de família e menores a pedir que me seja proibido de ver os meus filhos e depois vai lá pô-los a casa nos fins de semana dela?”, como aconteceu, garante, ainda este fim de semana.

Nova audiência marcada para dia 13 de fevereiro

O dia de audiência já ia longo e a procuradora do Ministério Público a quem coube, da parte da tarde, fazer uma série de questões ao ex-ministro, acabou por sugerir que se marcasse nova audiência, uma vez que ainda não tinha terminado o rol de questões e que teria de sair para uma consulta.

Consultados os advogados de Carrilho e o advogado de Bárbara, a juíza acabou por concordar em marcar nova sessão para a próxima segunda-feira, dia 13 de fevereiro, adiando a audiência com testemunhas do processo marcada para esse dia.

Este processo, em que Maria Carrilho é acusado de um crime de violência doméstica e 21 crimes de difamação e calúnia, começou a ser julgado no Campus de Justiça, em Lisboa, em fevereiro de 2016 e estão arroladas 70 testemunhas, algumas das quais já foram entretanto ouvidas.

A apresentadora acusa Carrilho de a ter agredido fisicamente, após discussões, sobretudo depois de a filha mais nova ter nascido e ele ter regressado de Paris — final de 2012. No despacho de acusação do Ministério Público, que o Observador consultou em maio do ano passado, é referido que Carrilho começou a isolar-se cada vez mais e a criticar o trabalho de Bárbara Guimarães, insultando-a, controlando os seus passos, o telemóvel e os e-mails.

Esta segunda-feira, em tribunal, Carrilho disse e reiterou que não é “pessoa de andar a controlar ninguém” e que “a Bárbara fazia a vida que queria, como queria e com quem queria”. “Nós não vivíamos num ambiente de suspeita.”

A apresentadora conta que nunca foi ao médico por “vergonha” e que nunca ninguém assistiu às agressões físicas. À acusação anexou fotografias que mostram nódoas negras nos braços e pernas. Nódoas essas que Carrilho justifica com as quedas que a própria terá sofrido devido ao estado de embriagues a que chegou em algumas alturas.