Uma hora antes do desfile ainda há dúvidas sobre a velocidade a que devem entrar os modelos ou a forma certa de colocar um lenço ao pescoço, e todas as respostas passam por Miguel Vieira. Em quase três décadas de carreira houve muitas coisas que mudaram na moda mas outras continuam exatamente na mesma. “Há 29 anos que vejo tudo dos bastidores, a dar os retoques finais manequim a manequim, e para mim parece que o desfile passa sempre em 10 segundos, começa e acaba muito rápido”, diz o designer de moda. Do lado da sala os seus 10 segundos são na verdade 10 minutos, o tempo que demorou a mostrar as suas propostas para o próximo outono-inverno em Nova Iorque, esta terça-feira (madrugada de quarta em Portugal).

Depois da estreia em setembro do ano passado, o criador de São João da Madeira voltou à New York Fashion Week à boleia do projeto de internacionalização do Portugal Fashion, e voltou a pisar a mesma sala do Pier 59 Studios, em Chelsea. Os termómetros marcam menos 20 graus do que em setembro, na audiência alguém lembra que é Dia dos Namorados com um casaco vermelho em forma de coração que não pára de ser fotografado, e Miguel Vieira traz na manga uma série de novidades que esteve a experimentar em Portugal — a parte da moda que não podia estar mais diferente em 29 anos de carreira.

“Esta é maioritariamente uma coleção muito trabalhada em termos de novas técnicas”, diz ao Observador no final do ensaio geral, enquanto fuma um cigarro no terraço com vista para o Hudson. Está sobretudo entusiasmado com uma máquina que permite criar um efeito amarrotado, e que usou em camisolas e vestidos de neoprene. “Imaginemos que temos um tecido com quatro metros de largura”, explica. “O que esta máquina faz é enrodilhá-lo através de um molde e de uma prensa, criando assim um amarrotado que nunca mais vai sair. Em termos de produção é possível fazer o mesmo efeito amachucado absolutamente igual em todas as peças, é extraordinário.”

Uma das camisolas feitas com o efeito amarrotado, num dos looks que também espelha o contraste entre o mini e o maxi explorado na coleção. (Foto: Gregoire AVENEL)

Miguel Vieira testou o processo em vários tecidos e para a estreia acabou por escolher o desportivo neoprene, não só porque “resultava maravilhosamente bem” mas porque “era o que conseguia ficar com mais volume.” Na sua coleção para o próximo outono/inverno a mulher elegante e sofisticada que tem sempre em mente quando desenha — quase sempre colorida a preto e branco, tons com que voltou a invadir a passerelle — está mais urbana, com silhuetas mais volumosas e, nas palavras do designer, “cortes mais contemporâneos”.

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“A mulher continua sofisticada mas ganha um ar mais casual, não é propriamente aquela mulher muito clean”, diz Miguel Vieira. “Com essa técnica do amarrotado tivemos de criar uma modelação completamente diferente daquela a que estamos habituados. Nesta coleção existe uma modelação mais oversized e, sobretudo, uma modelação que tem de se adaptar ao próprio tecido, e não o contrário.”

Para contrastar com o neoprene e os mini-vestidos que lembram quase sweatshirts (ou vice-versa), o designer de moda fez também desfilar saias plissadas em diferentes comprimentos, vestidos de pele com laçadas, em renda ou em veludo preto, e botas acima do joelho com tachas e atilhos a garantirem uma dose sexy.

As saias plissadas são, aliás, outro exemplo das experiências com novas máquinas que moram no atelier do designer por estes dias. “É uma outra técnica nova feita em Portugal que se chama ‘aglutinato’. Pomos um tecido sobre outro e há uma máquina que consegue puxar o pelo do tecido que está por baixo, unindo os dois tecidos na mesma superfície.” A técnica foi usada, por exemplo, nas camisolas de malha que Miguel Vieira levou a Milão em janeiro deste ano, na sua estreia na Milano Moda Uomo, e agora nas saias que aglutinam polipele, lamê e foile (uma capa brilhante, a fazer lembrar vinil), ou que são cortadas a laser, fazendo microdesenhos antes de serem plissadas.

As saias plissadas também serviram de tela para a experimentação e em certos momentos fizeram lembrar uma versão futurista dos testes Rorschach. (Foto: Gregoire AVENEL)

Numa coleção batizada “Reflexos” e que tenta fazer referência à forma como nos mostramos aos outros através do que vestimos, seguindo o mesmo tema que já tinha sido abordado na coleção de homem, Miguel Vieira voltou a introduzir coordenados masculinos entre as propostas femininas, fazendo desfilar também em Nova Iorque alguns “fatos slim estruturados” adornados com pastas de pele e porta-chaves pendurados nas presilhas das calças. “Nestas fashion weeks tenho-me apercebido que quem tem homem e mulher mistura as duas coisas nos desfiles, apesar de haver semanas de moda masculinas e femininas”, conclui o designer. “Acho que acaba por ser importante para mostrar a marca e na verdade os desfiles acabam por ficar mais glamourosos.”

Miguel Vieira no final do desfile, a agradecer os aplausos. (Foto: Gregoire AVENEL)

A comitiva internacional do Portugal Fashion segue agora para Londres com Alexandra Moura, prossegue para Milão com Pedro Pedro e Carlos Gil e termina a 1 de março, com o desfile de Luís Buchinho em Paris.

O Observador viajou para Nova Iorque a convite do Portugal Fashion.