Quando já todos os modelos tinham desfilado, a música foi interrompida e as luzes apagadas. Durante alguns segundos imperou o silêncio e a escuridão no Banking Hall, em pleno coração londrino. Só depois o som de uma guitarra portuguesa ecoou pelo salão: foi o sinal para que os manequins percorressem a passerelle uma última vez, agora em simultâneo, e para lembrar a audiência de que Alexandra Moura tem muito orgulho nas suas raízes.

Mais do que cíclica, a moda é também uma máquina do tempo que nos consegue fazer recuar a passados longínquos através de silhuetas, tecidos e detalhes estratégicos. Alexandra Moura fez precisamente isso esta segunda-feira na Semana da Moda de Londres: foram as suas criações alusivas à época dos descobrimentos portugueses que lhe valeram uma valente salva de palmas.

Tal como a City of London tem direito a uma força policial própria, a Alexandra Moura calhou-lhe o privilégio de apresentar o seu trabalho no Banking Hall, edifício Art Déco mesmo no centro do coração financeiro inglês. O que nos dizem ter sido um antigo banco é hoje uma sala de eventos que impressiona ao primeiro olhar: chão e tetos trabalhados juntam-se às colunas de mármore que parecem suportar a estrutura histórica. Histórica foi também a coleção de outono-inverno 2017-2018 que a designer apresentou.

A coleção outono-inverno de Alexandra Moura apostou numa fusão de culturas e recuou no tempo três séculos. (Foto: Gregoire AVENEL)

Ao contrário do que fez na última edição da Semana da Moda de Londres, quando optou por uma performance disruptiva no bar underground do hotel The London Edition, desta vez a designer colou-se ao desfile na sua verdadeira aceção da palavra: à passerelle chegaram roupas que fizeram o público recuar três séculos, até às colónias portuguesas em Timor-Leste, no século XVIII, passando ainda pela vizinha Indonésia. A ideia foi juntar detalhes subtis do traje étnico ao romantismo europeu da época. Como? Através de têxteis e padrões timorenses e indonésios impressos em malhas ou de uma palete de cores fixada entre os tons ocre, pretos e azuis. Nos materiais predominaram o veludo, o algodão, a fazenda de lã, a felpa, o brocado em tear e a gabardine, que se juntaram a silhuetas híbridas e andrógenas.

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“A minha receita é pegar nesse lado conceptual dos detalhes, do que são cada povo, eles e nós, e trazer isso para as ruas de hoje com detalhes que são apetecíveis”, contou Alexandra Moura ao Observador no final do desfile, entre contínuas interrupções de tantos que eram os cumprimentos e os abraços. A designer, que se confessa uma romântica por natureza, quis trazer para os dias de hoje uma mistura de culturas, a estética de um povo tão diferente do nosso. Essa visão é sobretudo evidente nos “folhos que se estão a desfazer com o tempo”, mas também no “motivo redesenhado a partir de um pano tai timorense”. A coleção — que é em si um jogo de opostos — evoca ainda o romantismo e a nostalgia que ainda hoje distinguem Portugal no mundo.

No desfile evidenciaram-se os trajes étnicos aliados ao romantismo do século XVIII. (Foto: Gregoire AVENEL)

O regresso de Alexandra Moura à London Fashion Week não vem ao acaso, uma vez que a marca tem vindo a fazer uma aposta forte na internacionalização. “Estar aqui é estarmos onde queríamos para daqui difundirmos [o projeto] para o resto do mundo”, diz, fazendo lembrar os muitos portugueses que em tempos idos lançaram-se aos mares em busca do desconhecido. Se à época a designer fosse de linhagem real, talvez levasse o cognome de “Alexandra, a romântica”. Hoje basta-lhe a alcunha “Alexandra, a criadora”.

O Observador viajou para Londres a convite do Portugal Fashion.