Este ano está a ser tremendo para quem gosta de videojogos. Ainda nem terminámos fevereiro e já uma série de lançamentos vieram agitar as águas, sendo que os exclusivos da PlayStation 4 Nioh, Yakuza 0 e Gravity Rush 2 vêm demonstrar um dos maiores arranques de ano da gigante japonesa, lado a lado com outra surpresa multi-plataforma, Resident Evil 7. Tudo isto nomes pesados e importantes da indústria a chegarem em menos de 60 dias, antevendo aquele que poderá ser um dos anos mais fortes da indústria.
Há algumas semanas tivemos a oportunidade de ir conhecer a Madrid outro desses grandes títulos reservados para 2017: Horizon Zero Dawn. Mais de uma semana depois de termos o jogo na nossa consola e uma semana antes de ser lançado, corremos já o risco de anunciar que Horizon Zero Dawn é um dos grandes candidatos a jogo do ano. Isto apesar de já estar à espreita outro grande candidato ao título, The Legend of Zelda: Breath of the Wild, a ser lançado dia 3 de março com a novíssima consola Nintendo Switch – falaremos sobre ele na próxima semana.
Descrito pelos seus criadores como um pós-pós-apocalipse, Horizon Zero Dawn mostrou logo no primeiro teaser uma paisagem selvagem com humanos com hábitos primitivos a caçar (e a serem caçados) por animais e criaturas robóticas gigantescas. É na suspensão da descrença que recaiu a nossa preocupação durante o último Lisboa Games Week, na conversa que tivemos com David Ford, um dos criadores do jogo, e de que forma é que o resultado final conseguiria justificar e tornar coeso um mundo habitado por tribos humanas primitivas em simultâneo com criaturas mecânicas, com uma tecnologia muitos séculos à frente da que os humanos possuem, que pouco passa de arcos e flechas feitos de pedras, metal e madeira.
Passadas mais de vinte e cinco horas neste mundo, ainda com o enredo principal a menos de meio, tenho de dizer que, apesar de ainda não conhecer a conclusão da história (e mesmo que o soubéssemos não iríamos fazer spoiler), há uma grande coesão narrativa neste mundo feito de tantas e tão distintas partes, que acabam por fazer todo o sentido no grande esquema de Horizon.
A nossa protagonista é Aloy, uma órfã pária que se prepara para o Ritual de Passagem de entrada numa das diversas tribos de humanos que sobrevivem num ambiente hostil dominado por máquinas. A aversão das tribos à tecnologia é justificada pelas suas crenças religiosas, e qualquer contacto com os vestígios da anterior civilização são razões para a excomunhão.
Aloy vem rebater este temor que a sua sociedade tem para com a tecnologia desde o incidente que a levou, ainda em criança, a cair dentro de um bunker abandonado. O contacto que teve com a civilização de outrem, para além de um pequeno dispositivo que encontrou e que lhe permite ter acesso a uma série de informações digitais – como uma espécie de Google Glasses glorificados, redimensionados e futuristas – colocam-na em vantagem na difícil tarefa de sobrevivência neste mundo.
Há vários jogos que demonstram a qualidade gráfica que a tecnologia atual permite, e que demonstraram a capacidade quasi-realista de construir mundos (quase) palpáveis dentro do universo dos videojogos. Mas depois do contacto com Horizon Zero Dawn, tenho de admitir: este é, no momento atual, o jogo que conseguiu empurrar todas as barreiras visuais tecnológicas no mercado de videojogos da sala de estar, onde o detalhe e a iluminação perfeitamente soberbas tornam a imersão neste mundo algo quase instantâneo, tornando cada segundo do jogo numa experiência artística surpreendente.
São os detalhes das ervas e das vegetações que parecem tangíveis, os efeitos luminosos e climatéricos do ciclo de dia e noite que criam oportunidades fotográficas e que nos obrigam, muitas vezes, a parar no topo de uma montanha para ver a vista. E quase nos esquecemos de que a paisagem é virtual, constituída digitalmente num software, mas que nos parece tão verosímil que torna a experiência de habitar este mundo apenas mais um pormenor da coesão que o compõe.
Aloy, a destemida (mas emocional) protagonista, é uma pessoa que existe realmente, ainda que apenas dentro deste jogo. As suas expressões, as suas texturas, o realismo dos seus movimentos e das suas interações dão-lhe existência “real”, em muito alicerçadas pelo voice acting de Ashly Burch, que lhe confere grande parte da vida da personagem.
Horizon Zero Dawn soube aprender com muitos outros jogos de mundo aberto ou que tenham abordagens conceptuais semelhantes. Se dos gigantescos sucessos de Skyrim e Witcher 3 conseguiu retirar a capacidade de nos submergir no seu mundo, criando desde o primeiro passo na erva digital uma enorme vontade de percorrer todos os seus cantos, apresentando objetivos e desafios opcionais que enriquecem a nossa experiência, de Monster Hunter retirou o “furor” da caçada, em que cada embate com as criaturas robóticas é, por si só, um desafio.
Ao contrário de outros jogos, Aloy não tem capacidades sobre-humanas ou poderes especiais, e isso é percetível na forma como encaramos as lutas com os seres mecânicos. Como caçadores-recoletores, temos de fazer uso de todo o conhecimento de cada criatura, das suas vulnerabilidades e pontos fracos, e jogar com todas as armas (literais) que temos à nossa disposição, entre armadilhas e subterfúgios que temos de usar para sobreviver a cada luta. Horizon é mais cerebral do que muitos dos jogos do género, e este realismo e fragilidade orgânica de Aloy contra as máquinas é notória. É um jogo em que temos de pensar cada movimento, de preparar cada luta e o terreno onde vamos tentar derrotar as máquinas, e onde a furtividade e a argúcia tomam o papel que em muitos jogos é ocupado pela ação despreocupada e pela impulsividade.
Isto não quer dizer que o jogo seja pouco dinâmico, muito pelo contrário. Horizon tem o condão de transformar a tática e a ação envolvida em cada “caçada” num épico incontornável, em que os momentos de câmara-lenta vêm conceder uma cinematografia épica a um dos melhores jogos de ação da atualidade.
O ambiente deste mundo é o da sobrevivência. O de utilizar os recursos obtidos de plantas, de animais orgânicos e das criaturas mecânicas para conceber arcos, flechas, roupas, sacolas, poções, armadilhas, entre um sem número de artefactos que existem todos com um mesmo propósito: sobrevivermos ao ambiente hostil em que as máquinas tentam exterminar, inexplicavelmente (pelo menos pelo que sabemos até agora) os humanos.
E como qualquer história humana, o conflito da espécie existe entre as diversas facões/religiões tribais e os salteadores, que tentam sobreviver atacando outros humanos e despojando-os dos poucos valores que possuem num mundo pós-pós-apocalíptico, em que a civilização humana aparentemente está a tentar começar do zero.
A mudança quase total de abordagem criativa entre os seus jogos habituais de guerra futurística (na série Killzone) e este Horizon Zero Dawn demonstram o tremendo risco incorrido pelos criativos da Guerrilla Games. Mas a coragem, a paixão e a visão que toda a equipa demonstrou a construir o mundo de Horizon comprovou que este risco e este arrojo criativo foram amplamente recompensadores.
Horizon Zero Dawn não é apenas um jogo obrigatório da PlayStation 4. É, ainda em fevereiro, o grande candidato a melhor jogo de 2017 e um dos essenciais desta geração.
Ricardo Correia, Rubber Chicken