O PS quer saber se há responsabilidades políticas pela eventual falta de fiscalização ou controlo por parte da Autoridade Tributária (AT) dos 10 mil milhões de euros que saíram do país para offshores entre 2011 e 2014. Eurico Brilhante Dias, deputado do PS, disse ao Observador que estes movimentos de dinheiros são considerados “fluxos especiais”, pelo que, “se houve problemas de escrutínio, estavam na dependência política do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”. O conhecimento sobre o controlo do dinheiro enviado para offshores ou falta dele será uma das questões que o PS deverá suscitar na quarta-feira de manhã na audição de Paulo Núncio (CDS), ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, na comissão parlamentar de Finanças.

“Apagão fiscal” nas transferências para offshores. O que se sabe e o que há para esclarecer

Segundo Eurico Brilhante Dias, colocam-se três questões de base nas audições aos responsáveis políticos e da máquina fiscal que vão falar aos deputados esta semana. Primeiro: “Saber porque é que não foi feita a publicação estatística desses valores é importante”, sobretudo apurar porque é que o despacho do secretário de Estado “ficou na gaveta, com um visto, ao longo de 19 meses”. Segundo: “Saber se foi feito o escrutínio, uma vez que há notícias nos jornais a dizer que uma parte da informação se perdeu no caminho. Pode não ter sido feito o escrutínio adequado”, aponta. O Público noticiou que parte da informação enviada pelos bancos sobre esta matéria terá desaparecido já dentro do fisco. Em terceiro lugar, o deputado do PS quer saber “se foram cobrados os impostos devidos” sobre esses montantes.

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Paulo Núncio, o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais durante o Governo PSD/CDS, assumiu no sábado a sua “responsabilidade política” pela não publicação de dados relativos às transferências de dinheiro para offshores enquanto esteve em funções, pedindo o abandono dos órgãos em que participava no CDS-PP. No texto que enviou à Lusa, o antigo governante usou a argumentação que deverá repetir na audição parlamentar e que tem sido repetida por responsáveis do CDS ao Observador. Núncio escreveu no comunicado que a AT “tem, desde 2012, a possibilidade de liquidar todos os impostos devidos nestas situações no prazo alargado de 12 anos (anteriormente este prazo era de 4 anos)”.

Offshores. Paulo Núncio assume “responsabilidade política” e abandona funções no CDS

No que se refere aos dados alegadamente desaparecidos, o ex-secretário de Estado reafirmou “total desconhecimento” sobre a “noticiada discrepância entre os dados entregues pelas instituições financeiras e os dados processados pela AT”. O antigo responsável político pelo Fisco, segundo fontes do CDS, deverá argumentar no sentido da separação entre as responsabilidades políticas e as competências da AT. “Tenho confiança, no entanto, que a inspeção não deixará de realizar todos os cruzamentos e procedimentos inspetivos necessários para o apuramento da verdade”, escreveu Núncio no texto divulgado pela Lusa, alegado que a publicação estatística de dados no portal das Finanças “não interfere com a ação efetiva da inspeção tributária no tratamento, análise e fiscalização das referidas transferências”.

Bloco quer Maria Luís. PSD diz que nada tem contra

Depois de Luís Marques Mendes ter dito no seu programa dominical de comentário na SIC que Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças, também devia também ser ouvida sobre o caso da não publicação das estatísticas dos offshore (assim como Vítor Gaspar), a líder do Bloco de Esquerda fez uma exigência no mesmo sentido: “Está tudo por explicar e há pelo menos um silêncio ensurdecedor de Maria Luís Albuquerque, que eu acho que ninguém percebe neste país”, disse Catarina Martins esta segunda-feira.

O PSD, que desde o primeiro dia, pelo voz de Pedro Passos Coelho, defendeu que se devia investigar tudo o que houvesse para investigar, já veio dizer que não será contra uma eventual audição de Maria Luís Albuquerque. Em declarações à Renascença, Duarte Pacheco, coordenador social-democrata na comissão de Orçamento e Finanças, disse que o PSD não será um obstáculo para que Maria Luís seja ouvida: “Não seremos nós que nos vamos opor a que todas as explicações por todas as pessoas possam ser dadas no parlamento”, disse o deputado. Entretanto, o Expresso noticiou que Passos Coelho falou com Paulo Núncio assim que a polémica foi desencadeada pela investigação do Público.

António Leitão Amaro, do PSD, diz ao Observador que Paulo Núncio “assumiu a responsabilidade em relação às estatísticas”. Mas é preciso saber o que dizem os outros responsáveis: “Queremos ouvir o entendimento da Autoridade Tributária”. O deputado do PSD faz uma leitura diferente do PS em relação a eventuais responsabilidades políticas acerca da cobrança ou não de impostos: “Ainda não se percebeu se houve não pagamento de impostos devidos” — no que se refere a estes 10 mil milhões de euros colocados em offshores — “mas em princípio uma coisa não está ligada a outra. No entanto, queremos esclarecimentos sobre isto”, afirma o social-democrata.

O PCP, através do líder parlamentar João Oliveira, disse no domingo que a posição de Paulo Núncio “confirma a responsabilidade política de PSD e CDS e da sua política de dois pesos e duas medidas”. Os partidos de esquerda, incluindo António Costa, atacaram a direita por ter sido dura com os pequenos contribuintes e complacente com os grandes. Segundo João Oliveira, a responsabilização política de Núncio “não dispensa o esclarecimento cabal de toda a extensão dessa responsabilidade política neste escândalo em que 10 mil milhões voaram do país”, sem controlo do fisco.

Atitude de Núncio não chega, diz a esquerda

O PCP reafirma que “não prescinde de nenhum instrumento parlamentar” para o esclarecimento do caso. Ou seja, por agora o Parlamento vai fazer audições a alguns responsáveis (incluindo Núncio e o atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade), mas não fica posta de parte a possibilidade de vir a existir uma comissão parlamentar de inquérito.