Quando o preço da energia elétrica disparou 80% no mercado ibérico da eletricidade (o Mibel) em janeiro, as campaínhas soaram dos dois lados da fronteira. Os governos de Madrid e Lisboa pediram explicações aos respetivos reguladores. No caso português, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) deu as primeiras respostas logo no final do mês.
O secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, não ficou totalmente esclarecido e pediu mais explicações, desta vez sobre o elevado nível do preço do gás natural que é usado para produzir eletricidade nas centrais de ciclo combinado da Península Ibérica. Foram estas unidades as principais responsáveis pelo forte agravamento dos preços no mercado grossista (entre as elétricas) no arranque do ano.
Na resposta dada ao Governo, e a que o Observador teve acesso, é apontada uma conjugação de fatores, alguns bastante atípicos, que levaram a um sobressalto nos preços. A ERSE desvaloriza o impacto deste pico no consumidor, assinalando que existem mecanismos para evitar variações rápidas do preço final, além de que as ofertas comerciais com preços indexados são uma prática residual e pouco abrangente no mercado retalhista. Mas assinala que a conjugação de fatores que levou à subida súbita dos preços no mercado traz à evidência uma situação de segurança de abastecimento que se pode considerar “periclitante”, a nível da Europa:
Se por um lado, existe capacidade de produção de eletricidade a partir do gás natural na Península Ibérica, por outro lado, as centrais não acedem ao recurso em condições eficientes (em termos de preço). Ao mesmo tempo, no Norte da Europa o preço do gás natural é mais barato, sem que exista uma capacidade de produção disponível para a sua utilização. Mas, afinal, o que aconteceu?
Uma paragem em França e uma seca em Portugal
A explicação do regulador começa com um janeiro anormalmente seco. O primeiro mês de 2017 foi marcado por uma baixa disponibilidade de recursos hídricos para produzir eletricidade. A energia hídrica armazenada nas barragens foi a mais baixa dos últimos dez anos. Com a produção hidroelétrica em baixa, entram em operação as centrais a gás natural que foram responsáveis por 22% da produção total, contra um valor médio de 14,8% verificado em anos anteriores.
A maior procura de gás natural pelas centrais levou a uma utilização quase plena da capacidade do terminal de gás natural de Sines e de uma parte do gás armazenado nas cavernas, onde estão as reservas estratégicas. Esta maior procura no Sul da Europa coincidiu com uma subida dos preços do gás natural da região” o que explica a escassez desta energia primária no perímetro da Península Ibérica e Sul de França”. Os preços nesta região dispararam mais de 50%, elevando o custo marginal das centrais adquirirem gás natural para os 85 euros por megawatt/hora (MWh e, empurrando os preços da eletricidade em mercado para os 92 euros por MWh).
Em simultâneo, verificou-se uma situação de congestionamento “significativo” nas interligações entre o Norte (onde o gás é mais barato) e o Sul do território francês.
Para a ERSE, a pressão colocada pelos sistemas elétricos no centro da Europa nos sistemas ibéricos é a principal culpada pela evolução dos preços em janeiro e que resulta de um aumento da procura dirigida aos sistemas elétricos de Portugal e Espanha. A tal ponto, que Portugal, que é importador de energia elétrica quando a produção hidroelétrica cai, se tornou excecionalmente exportador, tendo aliás contribuído para o forte crescimento do valor das exportações, e das importações, da eletricidade no primeiro mês de 2017. Dados do INE (Instituto Nacional de Estatísticas) revelam que o valor das exportações elétricas em janeiro, de 41,7 milhões de euros, é o mais alto desde pelo menos 2005.
É uma situação que “não tem paralelo no conjunto de meses homólogos desde 2008 e pode justificar-se com as condições de escassez de produção no mercado centro-europeu e a exportação dos sistemas ibéricos para este mercado”.
Na origem desta maior procura vinda do centro da Europa, estão os problemas no parque produtor francês e que resultaram sobretudo da restrição na utilização da energia nuclear, tecnologia que faz da França um grande exportador de eletricidade. Estas restrições resultaram da paragem de 20 reatores (um terço do total) por questões de segurança. Esta paragem aconteceu a par de condições do lado da procura “particularmente elevadas em face da vaga de baixas temperaturas registadas no centro da Europa”. Circunstâncias que levaram a uma inversão do fluxo, transformando a França em importador de. eletricidade.
Na resposta ao Governo, a ERSE defendeu medidas de política energética que reforcem a integração dos mercados do gás, a nível ibérico com o Mibgás, mas também a nível europeu, reconhecendo que o mercado do gás é ainda marcado por alguma. “opacidade”. Estas medidas de política energética também são defendidas pelo Governo português, mas a sua concretização não depende apenas de Portugal.
O preço da eletricidade já baixou. E o do gás?
A situação foi entretanto ultrapassada no mercado grossista de eletricidade. Em resposta ao Observador, fonte oficial da ERSE diz ao Observador que os preços diários registados no mercado grossista regressaram já aos valores médios do inicio de janeiro, sendo inclusivamente mais baixos hoje que no início do ano, sublinhando ainda que a repercussão deste pico de preços “será muito pouco expressiva”.
No entanto, o Governo ainda espera mais respostas do regulador, que estão em fase de finalização. Depois da primeira avaliação preliminar recebida da ERSE, o secretário de Estado da Energia colocou mais uma pergunta. Porque são os preços do gás natural para produção de eletricidade mais caros em Portugal e Espanha? Para Jorge Seguro Sanches, importa esclarecer os fundamentos para os elevados preços praticados na Península Ibérica e o diferencial de preços entre os mercados grossistas do norte e do sul da Europa.
Sendo o gás natural a tecnologia de reserva num sistema elétrico com uma grande exposição às renováveis, como o português, está será uma questão central até porque o problema verificado em janeiro pode repetir-se. Respostas que podem passar pelos contratos de fornecimento de gás natural entre a Galp e a Nigéria e a Argélia que só no ano passado foram enviados ao regulador depois de vários meses de espera. Estes contratos de longo prazo são a principal fonte de abastecimento de gás ao mercado nacional.