A proposta do Governo para regulamentar os veículos descaracterizados (TVDE), onde se inclui a Uber e a Cabify, não merece a concordância de nenhum partido com assento parlamentar, à exceção do PS. À esquerda, PCP e Bloco de Esquerda defendem a contingentação do mercado (limite do número de carros que podem circular nas estradas), tal como já acontece nos táxis, mas para o ministro do Ambiente João Matos Fernandes, a questão nem se coloca. “A contingentação e o alvará são linguagem do Estado Novo“, acusou o governante hoje de manhã, no Parlamento.

Se, na “geringonça”, o consenso entre o PS e os parceiros de coligação sobre a regulamentação da Uber nunca existiu, na oposição ninguém parece estar disposto a facilitar o trabalho que se avizinha, visto que a proposta baixou à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas sem votação no Parlamento, para um entendimento conjunto entre os vários grupos parlamentares.

O social-democrata Paulo Neves deixou claro que o PSD “não é muleta de ninguém” e que a proposta do Governo “não satisfaz” o seu partido, assegurando que os sociais-democratas vão apresentar uma proposta de regulamentação própria, tal como o Observador já avançara.

Consideramos que [a proposta do Governo] fica aquém de uma iniciativa legislativa que defenda a dignidade de todos os que trabalham no setor”, afirmou.

Regulamentação da Uber e Cabify adiada. Caça às multas vai continuar

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Acentuando que “o que vem do Governo deve ser apoiado, naturalmente, pelos partidos que apoiam esta solução de Governo”, o deputado ressalva que, nesta matéria, “o cenário político é claro”. “É natural que seja essa coligação a funcionar quando o Governo apresenta as suas próprias propostas. Afinal, a tal situação coesa e duradoura, estou a citar, não funciona em matérias decisivas a nível nacional”, frisou o deputado social-democrata.

Hélder Amaral, do CDS, também mostrou que o seu partido não vai facilitar a vida a Matos Fernandes e que “sobre esta matéria, vamos ter muito trabalho, mas mais trabalho vai ter o Governo”, frisou. Lembrou ao Executivo que a escolha dos parceiros de coligação tinha sido da responsabilidade da esquerda, portanto, a “geringonça” que se entendesse.

fraturas fortes e profundas nessa coligação e isso vai ser visto quando votarmos. Parece que há aí uns partidos que dizem que apoiam o Governo, mas que depois gostam mais de falar para a bancada”, disse o deputado do CDS.

“Temos exigências mais duras para os TVDE, o que não gostaríamos era que houvesse exigências para uns e não houvesse para outros”, frisou, sublinhando que “gostariam de trabalhar para encontrar regras claras”, e para evitar “abusos de posição dominante ou práticas restritivas da concorrência”. Uma coisa ficou clara: o BE e o PCP também não contam com o apoio do CDS no limite de carros que pode circular na estrada. “Não somos favoráveis à contingentação“, disse.

O que divide então o PS, o BE e o PCP?

Depois da proposta do Governo, o deputado Heitor Sousa apresentou a proposta de regulamentação autónoma do Bloco de Esquerda, destacando aquilo que também já tinha dito ao Observador — que havia um “enviesamento” do Governo sobre aquilo que é o serviço destes veículos descaracterizados.

Nós achamos que o Governo inverte os termos da questão. Esta plataforma eletrónica é apenas um meio de angariação de serviços, como a central telefónica funciona nos táxis. Mas atrás da dita plataforma aparece uma empresa que permite às multinacionais do setor organizar uma gigantesca mudança dos impostos para fora do país. Como? Remetendo essas obrigações para uma minoria de prestadores de serviços, a que chamam parceiros, que são completamente esmagados por uma empresa monopolista”, afirmou Heitor Sousa.

O BE defende que o mercado dos táxis e dos veículos descaracterizados seja o mesmo, mas seja segmentado. Desta forma, os bloquistas defendem que as condições e requisitos de acesso à atividade sejam iguais nos dois segmentos, que haja contingentação definida pelos municípios (limite de um carro Uber ou Cabify por 4 táxis) e que não haja transmissibilidade das licenças para operar.

A esta possibilidade, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, responde que impor um contingente seria abrir a porta a um mercado paralelo de venda de licenças, como já acontece no setor do táxi. “O BE ao propôr um contingente para o TVDE, propõe também um mercado paralelo para o TVDE e com isso não podemos concordar“, afirmou Matos Fernandes.

O deputado do PCP Bruno Dias reforçou que “não é aceitável que haja leis aprovadas à medida dos interesses do poder económico” e que apesar de não apresentar nenhum projeto de lei autónomo, apresenta “propostas concretas em matérias fundamentais que urge redefinir, para problemas que foram deixados em aberto”, defendendo igualmente a contingentação do mercado, as mesmas horas de formação para motoristas, a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e a imposição de um tarifário.

Não é aceitável a regra das tarifas dinâmicas”, afirmou.

No final, João Matos Fernandes disse acreditar que existe uma possibilidade de os diferentes grupos parlamentares trabalharem em conjunto para a aprovação de um documento único. “Não posso acreditar que o combate partidário se vai sobrepor à vontade dos cidadãos”, concluiu.