Habituados que estamos a ver escritores e poetas desfilarem em eventos mediáticos, a fazerem capas de revista, estrelarem programas de televisão cultivando um estatuto de pop star, tendemos a esquecer que antes de qualquer livro pousar nas montras das livrarias há (ou devia haver) um editor, um projeto, um pensamento, uma ideia de cultura e, tantas vezes, uma feroz luta contra um ambiente político, cultural, intelectual. E se hoje a identidade editorial muitas vezes se dissolve em projetos meramente comerciais onde não se encontra uma linha de pensamento sobre ao que é a literatura, tempos houve em que cada livro que aparecia impresso tinha marcado a ferro e fogo, que é como quem diz a lápis azul, apreensões e julgamentos, o nome de um editor. A PIDE conhecia melhor os editores que os escritores e os leitores, aqueles que se atreviam nos mercados clandestinos, também o sabiam. E foram muitos os que nessas décadas de ditadura editaram corajosamente e perigosamente contra. Contra o regime, a polícia política, o provincianismo cultural do país, a moral vigente, as tendências literárias glorificadas pela plebe, os falsos génios, os rebeldes mas intocáveis pela crítica.

A Biblioteca Nacional recorda agora dois deles, Fernando Ribeiro de Mello, da editora Afrodite e Vítor Silva Tavares, da &etc. Sem direito a exposição em nome próprio mas pairando fantasmático e desdenhoso está Luiz Pacheco, figura tutelar, inspirador e instigador de subversões várias desde que se puxasse o tapete à mitologia cultural vigente e servisse para alimentar a guerra com as várias ditaduras de que padecia a literatura e a sociedade portuguesa. Foi o próprio que declarou que a Afrodite era a herdeira natural da sua extinta Contraponto e que, por sua vez, a &etc recebia o testemunho de Ribeiro de Mello. Eis a genealogia (certamente incompleta) dos editores malditos que mais do que comungar a busca de uma indomesticável liberdade souberam trazer à luz livros de qualidade, que passado o crivo das décadas continuam a ser marcos culturais.

Fernando Ribeiro de Mello, o “Dali de Lisboa”, na célebre performance em que lançou quatro livros dentro de uma banheira de espuma rodeado de meninas/travestis em biquíni, em 1971

E se Vítor Silva Tavares, que morreu em 2015, ou Luíz Pacheco, falecido em 2008, são ainda reconhecidos por várias gerações de leitores, já Ribeiro de Mello, editor nos anos 60 e 70 e desaparecido em 1992, estaria ainda mergulhado na total escuridão se não fosse o trabalho de arqueólogo feito pelo editor e designer Pedro Piedade Marques, que desenterrou a vida deste “Dali de Lisboa”, o único editor a ser efetivamente condenado pelo regime de Salazar, o irreverente e libertino fundador das edições Afrodite e timoneiro da “Revolução Sexual” em Portugal. Desse trabalho resultou o livro Editor Contra (Montag, 2015), e agora a exposição “Insólita Ofensiva de Corrupção“(frase usada para descrever a atividade da Afrodite retirada de um relatório da Censura) que inaugurou na quarta-feira, dia 15, e se prolonga até 20 de Maio, na Biblioteca Nacional.

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Numa coincidência feliz, as luxuosas e iconoclastas edições Afrodite mostram-se em simultâneo com a exposição “&etc — Prolegomenos a Uma Editora”, onde se mostra a génese da editora de Vítor Silva Tavares, que antes de fazer livros teve uma primeira vida como suplemento cultural do jornal do Fundão (entre 1967 e 1971) e depois como revista autónoma (entre 1973 e 74). Esta mostra, que começou a ser preparada ainda durante a vida de VST, é comissariada pelo poeta e editor da também mítica Frenesi, Paulo da Costa Domingos.

Vítor Silva Tavares, circa 1965, quando foi editor da Ulisseia

A mostra que partiu de uma vontade de a Biblioteca Nacional finalmente dar a conhecer as figuras menos institucionais do da vida cultural do país, visa mostrar que um editor não nasce de geração espontânea e que há todo um conjunto de circunstâncias, acasos, ligações, afinidades eletivas, experiências de vida que explicam as condições de possibilidade de uma editora (sobre)viver 40 anos num subterrâneo, à margem de todas as linhas de força culturais e económicas, das modas e das pressões feitas dentro de um regime democrático, onde, aparentemente, há liberdade de expressão mas há um problema com as distribuidoras de livros e eles acabam por chegar apenas a uns poucos.

Logo a abrir o catálogo da exposição, um texto de Eduardo Lourenço, de 1994, mostra a importância do suplemento cultural &etc:

“… a sua relativa pouca audiência não podem deixar supor o impacto cultural revolucionário de que foram veículo (…) a geração que aí se revelou é, objetivamente, o fator mais agressivamente subversor do atual status sociocultural e é natural que continue a sê-lo se a indomesticável liberdade de que deram provas não se petrificar (…) Abolida a nostalgia de todas as infâncias, abolida a miragem de um futuro onde nunca entraremos. O presente come-se quente como os ovos estrelados. É para o banquete de um presente em perpétua destruição-construção que a nova mitologia que o &Etc promoveu, sem a erguer a mito, nos convida” (O Canto do Signo, 1994)

Apesar de serem duas personalidades diferentes e com idades e projetos literários distintos, desde logo porque o primeiro frequentava os salões da Natália Correia e o outro era discípulo de Almada Negreiros, Fernando Ribeiro de Mello e Vitor Silva Tavares cruzaram-se nessa Lisboa do início dos anos 60; Vítor regressado de Angola, indocumentado, e Fernando vindo do Porto em fuga da casa paterna, ambos apostados “em gastar de vez o pouco oxigénio disponível nos interstícios da sufocação”, o que quer dizer expor-se cada vez mais ao perigo, tourear a ditadura ou, como diz Pedro Piedade Marques descrevendo Ribeiro de Melo, “fazer como o Valete na história da Alice que roubava as tartes debaixo do queixo da rainha”.

A primeira edição em português de Filosofia de Alcova, do Marquês de Sade, fez de Ribeiro de Mello o único editor a ser condenado a uma pena de prisão durante a ditadura. A tradução (não assinada) foi de Herberto Helder, prefácio de Luiz Pacheco e ilustrações de João Rodrigues

Ambos nadavam em águas anarco-surrealizantes e não é por acaso que vão ter muitos amigos e colaboradores em comum: desde Pacheco aos jovens poetas e pintores indigentes do café Gelo, como Herberto Helder, António José Forte, Virgílio Martinho, Ernesto Sampaio, João Vieira, João Rodrigues, poetas como Luiza Neto Jorge ou Ana Hatherly, tradutores incontornáveis como Aníbal Fernandes, além de uma galeria de jovens designers, ilustradores que faziam de cada livro e de cada revista um acontecimento que mobilizava múltiplas linguagens artísticas, trazia referências do estrangeiro, aliando o gosto pelos autores clássicos, por uma ideia renascentista de artista total, aliada a uma enorme vontade de experimentação e provocação.

Portanto, quando se diz que 1961 foi o annus horribils de Salazar devido às insurreições dos movimentos de libertação das colónias, a tomada de Goa, Damão e Diu pela União Indiana, a captura do paquete Santa Maria por Henrique Galvão, os protestos estudantis, há que acrescentar a chegada a Lisboa de um jovem de 22 anos, filho de um advogado do Porto mas com apenas o 5º ano de escolaridade, disposto a tornar-se famoso como… declamador de poesia. Um dandy elegante de olhar matador e bigodes revirados, excêntrico, temerário, de uma coragem exemplar num país onde a covardia tende a imperar, que logo começou a frequentar o circuito de cafés que ia do Monte Carlo à Brasileira do Chiado, onde recebeu o apelido de “Dali de Lisboa” até cair na sala da diva Natália Correia.

Fernando Ribeiro de Mello um editor contra tudo e contra todos

Ontem como hoje, Lisboa fervilhava de capelinhas literárias que se odiavam mutuamente, presencistas, neo-realistas, escritores que faziam horas extra como controleiros do PCP, surrealistas, dissidentes do surrealismo, intelectuais católicos, intelectuais chiques como Natália Correia ou Sophia, intocáveis como José Blanc de Portugal ou David Mourão-Ferreira. Em comum tinham apenas o facto de todos odiarem a ditadura. O resto do tempo odiavam-se uns aos outros, havia denuncias, cadeias, torturas, livros apreendidos, editoras totalmente destruídas como a Minotauro, livros vendidos em sofisticadas redes de distribuição clandestina, má língua. Ora tanto Ribeiro de Mello como Vítor Silva Tavares, sob os auspícios de Pacheco, não tinham as armas apontadas apenas ao regime mas também ao meio literário em especial aos Neorealistas. Uma deliciosa descrição do ecossistema literário lisboeta dos anos 60 é-nos dada por Aníbal Fernandes no livro Editor Contra — aliás todo ele um documento cheio de histórias deleitosas sobre a vida e as atribulações do editor da Afrodite, a Censura e os escritores e poetas que povoavam o país cultural dos anos 60 e 70.

A poeta Natália Correia, famosa pela beleza, pelos seus serões literários, que determinavam quem estava in ou out nas modas literárias, foi madrinha, mentora e musa das edições Afrodite

Quando chega a Lisboa, ainda com o sonho de ser declamador de poesia Ribeiro de Melo (só mais tarde virá a acrescentar o outro ‘l’ ao nome) já traz apurado o seu instinto para explorar as feridas, as mágoas, para cutucar vaidades e desmascarar génios de circunstância no meio literário. Não será por acaso que a cada nova sessão de poesia que organiza arregimenta mais inimigos — e um deles poderoso: Mário Cesariny. Diz quem sabe que foi animosidade à primeira vista na sessão dedicada à Novíssima Poesia Portuguesa onde se juntavam poetas do grupo poesia 61 e outros desconhecidos a poetas consagrados como Cesariny, Sophia, Natália, Manuel da Fonseca, etc. Os poemas eram declamados por Ribeiro de Mello, o jornalista João Paulo Guerra e Madalena Vieira (mãe do cantor Manuel João Vieira). Sobre este recital, Cesariny há-de escrever um texto demolidor no jornal de Letras, Artes e Ideias. Estava explorada a fratura emergentes/consagrados. Sobre este gesto de Cesariny, Ribeiro de Mello há-de publicar como vingança o texto satírico As Avelãs de Cesariny…

Mas o golpe que o tornaria mais odiado que conhecido seria um inusitado recital de poesia chamado O Teste. Como conta Piedade Marques, Lisboa ansiava por “escandaleira” que a tirasse da modorra dos cafés & cigarros. Sabia-se que com Ribeiro de Mello a coisa estava garantida e a polémica tinha rosto. A ideia era simples: emparelhava poetas com obras radicalmente opostas, ou de gerações diferentes, ou consensuais e desconhecidos os poemas eram lidos por ele e depois cronometrava-se quantos segundos duravam os aplausos a cada poema. Foi nessa noite gloriosa de provocação e humor que conheceu Vítor Silva Tavares. Este não só tinha arrastado para lá Almada Negreiros, saudoso dos seus tempos de Orfeu iconoclasta, como ainda se ofereceu para ser ele a cronometrar os aplausos. Quem conhece o ego dos poetas sabe que isto tinha tudo para dar polémica.

A verdade é que vários poetas consagrados no meio literário foram vencidos por novatos, os surrealistas foram mais aplaudidos que os neorealistas mas o pior de tudo é que a intocável Sophia de Mello Breyner foi batida por uma quase desconhecida Natércia Freire (17,5 segundos contra 44 segundos). Francisco Sousa Tavares, marido de Sophia, estava presente e insurgiu-se não contra a sessão em si mas contra os resultados, insultou Ribeiro de Mello em altos brados, saiu da sala furioso logo seguido da “fação Sophia” e a polémica haveria de continuar nos jornais com o jovem dizeur a responder a cada nova invetiva de Sousa Tavares até os jornais desistirem de publicar as farpas.

Ribeiro de Mello não era apenas um polemista e viciado na adrenalina do risco, era também um sedutor e dizia querer fazer a revolução sexual em Portugal através dos livros que editava.

A sessão O Teste torna-o lendário mas alvo de muitos ódios, até porque o casal Sousa Tavares era poderoso. Mello, já com muitas dificuldades financeiras, decide tentar um bolsa da Gulbenkian em Paris. Mas o projeto falha e terá sido com a ajuda de Natália Correia que se dá a sua metamorfose em editor. Tinha como fonte de inspiração o editor francês Jean-Jacques Pauvert, que enfrentou os tribunais e conseguiu publicar toda a obra de Sade, nos anos 50; tinha Natália e os seus amigos influentes a usarem a sua coragem para fazerem sair livros proibidíssimos; e tinha a sua ambição e mesmo a sua juvenil inconsciência do perigo.

Timoneiro da Revolução Sexual

Começou em grande estilo editando o clássico erótico indiano Kama Sutra, prossegue com a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica: dos cancioneiros medievais à atualidade, organizada por Natália Correia. A edição mereceu buscas da Pide, foram apreendidos muitos livros mas a estratégia da editora estava montada: seria uma editora “larvar”, não se inscreveu no Grémio dos Editores, portanto legalmente não tinha morada, os livros eram objetos luxuosos e caros com uma edição pirata mais barata pronta a ser vendida no “mercado negro” com a ajuda de livreiros “amigos” não só em Portugal como nas Colónias. O que é certo é que os livros se vendiam aos milhares, não obstante as apreensões.

O julgamento de Ribeiro de Mello e seus colaboradores no livro do Marquês de Sade só ocorrerá já em 1971

Ainda o país não estava refeito da poesia erótica quando explode Filosofia de Alcova de Sade. Ribeiro de Mello terá chamado Cesariny para traduzir mas este furtou-se e entregou a tarefa a Herberto que fez uma parte e entregou a outra parte a alguém; João Rodrigues, um virtuoso do desenho mas demasiado frágil emocionalmente, que acabará por se suicidar durante o processo judicial ao livro; Luiz Pacheco e David Mourão Ferreira para prefaciadores. Nesses anos a censura tinha apertado sob a direção de Joaquim Raymond Palhais, chefe do serviço de leitura de livros da Direção dos Serviços de Censura. É ele que vai classificar o primeiro ano de atividade das Afrodite como “uma insólita ofensiva de corrupção”. Nos jornais, à exceção do Diário de Lisboa onde Fernando Assis Pacheco ia deixando escapar alguma coisa e dos insultos nas colunas de bisbilhotice de Vera Lagoa, ninguém mencionava o nome de Ribeiro de Mello.

Contudo ele estava imparável: seguem-se nada menos que a Vénus de Kazabaika de Sacher-Masoch, Marx, Engels, Guy Debord, mas os mais famosos foram as antologias de Textos de Vanguarda, as Antologias do Humor, do Conto Abominável, do Conto Fantástico, o Livro de S. Cipriano em edição de luxo, Alice no País das Maravilhas em versão para adultos com interpretações psico-sexuais da obra de Lewis Carrol, mas também livros infantis com o olho posto nas compras feitas pela Gulbenkian para o Serviço de Bibliotecas Itinerantes. Como explica o autor de Editor Contra e comissário desta exposição, Pedro Piedade Marques, o zénite das edições Afrodite aconteceu durante o Marcelismo porque o editor percebeu exatamente como podia tirar partido do regime. É verdade que, ao contrário de Silva Tavares, Ribeiro de Mello enriqueceu com as suas aventuras editoriais suicidárias, aliadas a novas e arrojadas formas de publicitar os livros através de performances provocadoras que culminaram com o famoso lançamento dentro da banheira sobre o qual declarou:

“estou aqui para publicitar os meus livros, coisa a que tenho todo o direito dada a importância cultural(…) Em determinados contexto, para não se ser cilindrado, para se poder intervir, ou se é entidade, ou se é firma, ou se é louco. Como eu não sou entidade nem firma…”

As edições Afrodite não eram excêntricas apenas no seu conteúdo ou nos seus autores eram também no objeto livro. Ribeiro de Mello fazia de cada livro uma pequena obra de arte, desde a escolha tipográfica às ilustrações interiores, chegando à capa. Entre os muitos que trabalharam nestes livros contam-se Artur Cruzeiro Seixas, Eduardo Batarda, Julião Sarmento ou João Vieira.

Depois do 25 de de Abril, Ribeiro de Mello sempre necessitado de novos adversários, torna-se editor de livros que afrontam a esquerda no poder

Com a revolução, os novos poderes, as novas ditaduras democráticas, Ribeiro de Mello voltou a reposicionar-se e passou a editar livros que provocavam a esquerda no poder: Memórias do Chico da Cuf, de um dissidente do PCP, ou A Nova Direita de Alain Benoist, Mein Kampf de Hitler, fizeram muitos levarem mãos à cabeça, inclusive o vivido Pacheco que, por essa altura, certo que o “Pauvert português descambou”, sugere a tal passagem de testemunho a Vitor Silva Tavares:

“Vitor Silva Tavares quererá retomar uma experiência tipo Pauvert, com edições refinadas, com obras de clássicos desprezados, de contemporâneos injustamente não divulgadas?”

Aparentemente, Silva Tavares, que em 1974 tinha também terminado a aventura a revista, “folheca Cultura &Etc”, terá aceite o repto. E até 2015, num registo mais erudito e menos espalhafatoso, mais irónico e mais severo, é ele que vai alimentar os banquetes de alguns espíritos que sob sóis revolucionários de qualquer espécie não esqueceram “a noite intacta de si mesmos”, como escreveu Eduardo Lourenço.

Ainda há editores malditos?

Fizemos esta pergunta a Paulo da Costa Domingos, ele próprio que foi braço direito de Vitor Silva Tavares e depois editor da Frenesi. “Hoje as editoras nascem como cogumelos mas não correm riscos a sério. Vivem num clima pacífico, num tempo que prefere o consenso ao confronto. Editam o muito bom e o muito mau. Um editor faz-se também pela cultura e o Vitor era da alta cultura, aberto a novas linguagens, a novas e inesperadas ligações entre as artes, apaixonado por cinema e por jazz. Ele, como Almada, seu mestre, aspirava a essa totalidade.

Vítor Silva Tavares aqui fora da sua cave na Rua da Emenda, a comer um Calipo com o seu sorriso matreiro que, como descreve Alberto Pimenta, “nunca se sabia se era um sim ou um não”

A morte de Vitor Silva Tavares não está fazer dele um mito, que como se sabe, é a melhor forma de enterrar um dissidente? Tudo o que ele fez, tudo aquilo que ele contou em público nos seus últimos anos, em que deu dezenas de entrevistas, participou em documentários, mais não foi do que construir ele mesmo o seu mito.

Várias coisas fascinantes podem ver-se nesta exposição sobre os primórdios da &etc: uma são as capas da revista, que apetece levar para casa para todos os dias, contemplar aquela mistura explosiva de pop, classissismo, atrevimento e alegria. Outra é a quantidade de autores, ilustradores que ali, num refundido suplemento do jornal do Fundão, davam os primeiros passos e que o tempo confirmou como os melhores: Herberto, Ruy Belo, João Miguel Fernandes Jorge, Jorge Lima Barreto, Vasco Granja, Cardoso Pires, Almeida Faria, Guimarães Rosa, Nuno Júdice, Ruben A. Depois as táticas inventadas por VST para dizer aos leitores que a censura tinha cortado aqui e ali, deixando livre o bocado de texto cortado e colocando lá um desenho satírico ou tão singelamente uma mão com uma tesoura…

Suplemento cultural do Jornal do Fundão chamado &etc, aqui com um texto de Luiz Pacheco logo a abrir as hostilidades

Em qualquer dos casos, a vida dos editores cruza-se com a sua obra. Antes de editarem livros subversivos, de descobrirem poetas singulares, ilustradores virtuosos, é nos homens que está a coragem, a vontade de liberdade avessa à vontade de poder ou à “vaidade a quem chamamos fama”. Um editor subversivo é sempre um homem subversivo. Afinal a melhor resposta à pergunta do Observador encontramo-la num editorial de VST da revista &etc de 31 de Julho de 1973:

“Enfim: cá estamos, na polémica do tempo — sujeitos, já se sabe, ao juízo histórico, mas também nele intervenientes. Isto é: não passivos, acomodados, satisfeitinhos, impunes –antes afirmativos, na especifica marginalidade em que nos situamos, até onde a afirmação é possível”

“&etc:Prolegomenos a uma Editora” está patente na Biblioteca Nacional até 31 de Maio. Comissário: Paulo da Costa Domingos. O catálogo está à venda na Letra Livre e conta com depoimentos de Vitor Silva Tavares, Alberto Pimenta, Almeida Faria, Jorge Silva Melo, entre outros.

Catálogo da exposição patente da BPN. Preço: 15 euros

“Insólita Ofensiva de Corrupção” está patente na BNP até 25 de Maio Comissário: Pedro Piedade Marques. O livro “Editor Contra: Fernando Ribeiro de Mello e a Afrodite” está à venda no site: montag.com.pt e na livraria Pó dos Livros.

“Editor Contra” (Montag). Preço: 19,31 euros