As grandes empresas estão a aproveitar o PERES (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado) para regularizar pagamentos de impostos que estão em falta, sobretudo por causa da existência de litígios com a Autoridade Tributária (AT). E a poupar na fatura com os juros relativos às dívidas que estão em contencioso com o fisco. A adesão ao PERES permite travar a contagem desses juros e as empresas mantêm o direito de contestar a cobrança desses impostos.
Empresas como a EDP, a Jerónimo Martins, a Corticeira Amorim e a Cimpor realizaram pagamentos avultados ao fisco, ao abrigo do PERES, no ano passado, contribuindo para a receita extraordinária que este programa ajudou a obter, com vantagens para o défice do Estado. E não serão as únicas grandes empresas a aderir ao regime. Só a EDP e a Jerónimo Martins terão liquidado mais de 100 milhões de euros em impostos que estão em situação de litígio.
A adesão da EDP ao PERES foi revelada pelo administrador financeiro da EDP, durante a apresentação dos resultados de 2016. Nuno Alves disse que a elétrica tinha contribuído para o financiamento do Estado em 2016, com benefícios fiscais para o futuro. Os pagamentos superiores a 100 milhões de euros resultaram da adesão ao programa de regularização extraordinária de impostos, o PERES, mas também da opção pelo regime de reavaliação extraordinária de impostos.
PERES e reavaliação de ativos. EDP “financiou” Estado em mais de 100 milhões no ano passado
No caso do PERES, a EDP pagou 57,3 milhões de euros, o que permitiu uma redução das contingências fiscais classificadas como possíveis em 76,7 milhões de euros, que incluíam contas ao juros compensatórios e juros de mora. Ou seja, houve um impacto positivo da ordem dos 19,4 milhões de euros, como destaca a edição de segunda-feira do Diário e do Jornal de Notícias.
De fora do programa PERES ficou a contribuição extraordinária sobre o setor energético, a CESE. A Galp, a REN e agora também a EDP contestam o pagamento da CESE, um diferendo com o Estado que ascende a várias centenas de milhões de euros.
No relatório e contas de 2016, a elétrica explica porque aderiu ao programa:
“A adesão a este regime mediante o pagamento integral das dívidas permite, entre outros benefícios, a dispensa do pagamento dos juros compensatórios e dos juros de mora. Por outro lado, encontra-se salvaguardado que a adesão a este regime não implica, juridicamente, a aceitação da legalidade da dívida fiscal pelo sujeito passivo, nem prejudica a manutenção do contencioso que assegurará o seu curso normal.”
Ou seja, do ponto de vista da empresa é uma situação sempre positiva. Se ganhar o processo contra o fisco, terá direito ao reembolso do valor pago pela dívida em litígio com juros que andam na casa dos 4%. E entretanto reduz as contingências fiscais com benefícios nas contas. De acordo com fiscalistas ouvidos pelo Observador, a adesão a estes programas é uma decisão de gestão que faz todo o sentido do ponto de vista das empresas, sobretudo quando há margem de tesouraria, como acontece nas maiores sociedades. Para o Estado, o impacto positivo na receita é imediato, já o eventual efeito negativo resultante da perda de alguns destes processos só será sentido mais tarde.
Jerónimo Martins, Cimpor e Corticeira Amorim
Outra grande empresa, a Jerónimo Martins, tem vários conflitos pendentes com a administração fiscal que ultrapassam os 200 milhões de euros. De acordo com o relatório e contas da empresa, com o lançamento do PERES, o “grupo decidiu substituir parte das garantias bancárias emitidas a favor da Autoridade Tributária com a adesão ao referido programa, na medida em que, desta forma, limita, em definitivo, o valor das contingências associadas aos processos em causa, assim como vê reduzido o montante de juros e coimas, caso as disputas em tribunal não tenham um desfecho que lhe seja favorável”. A empresa de distribuição acrescenta que foram utilizadas as provisões para as contingências fiscais abrangidas por este pagamento, e que resultaram no cancelamento das garantias bancárias correspondentes, e que ascendem a 85,2 milhões de euros.
Segundo fonte oficial da empresa contactada pelo Observador, “o grupo utilizou provisões no montante de 67 milhões de euros” com a adesão ao PERES. A mesma fonte afirma que “não foram reconhecidas nas contas do grupo quaisquer ganhos relativos a eventuais reduções de coimas e juros, na medida em que os mesmos seriam devidos apenas caso os processos em litigância tivessem um desfecho desfavorável”.
A administração da Jerónimo Martins mantém no relatório e contas a “convicção nos seus argumentos pelo que os processos seguem o seu rumo em tribunal”. A possibilidade de combinar a adesão ao pagamento voluntário com a manutenção da contestação ao fisco também existiu em outros programas de regularização extraordinária.
A Cimpor e a Corticeira Amorim foram outras grandes empresas que aderiram ao PERES. A cimenteira aproveitou o regime para a sua atividade portuguesa, tendo deduzido às suas provisões para riscos fiscais os pagamentos e o plano de pagamentos assumido com o fisco. As provisões para riscos fiscais foram reduzidas em cerca de 13 milhões de euros no ano passado, dos quais 5,6 milhões de euros correspondem a reversões.
A Corticeira Amorim revela ter feito um pagamento de 7,4 milhões de euros ao fisco que, uma vez mais, não implica o abandono por parte da empresa da defesa dos respetivos processos. A empresa reverteu as provisões que tinham sido constituídas para os impostos pagos no quadro do PERES. E explica que os processos em aberto, referentes aos anos de 1997, 1998, 2003 e 2012, resultam de questões relacionadas com a prestação de garantias não remuneradas entre empresas do grupo e a deduções de juros de sociedades gestoras de participações sociais e com a não aceitação de gastos como gastos fiscais.
E estas são apenas as primeiras empresas cotadas na bolsa a divulgar os relatórios e contas onde estas operações estão descritas.
Receitas de 511 milhões
O Governo sempre recusou que o PERES fosse um perdão fiscal com a finalidade de angariar receitas extraordinárias que ajudassem o défice do ano passado. Destacando as diferenças para com outros programas de regularização extraordinária, como o pagamento em prestações em vários anos, justificou o PERES como um instrumento para reduzir o endividamento de famílias e empresas. O regime fixa um pagamento à cabeça mínimo de 8% do valor em dívida e prevê que a dívida total seja regularizada até 150 prestações.
O programa gerou receitas de 511 milhões de euros no ano passado, mas o ministro das Finanças, Mário Centeno, defende que só 300 milhões de euros podem ser considerados “extraordinários, uma vez que 100 milhões de euros se vão repetir no tempo, por via do pagamento de prestações, e outros 100 milhões foram pagamentos desviados das cobranças coercivas.
Uma parte muito importante destas receitas terá vindo de grandes empresas. O regime de pagamento extraordinário de dívidas ao Estado aplica-se a dívidas ao fisco e à segurança social, mas, pela informação recolhida pelo Observador, estará a ser usado pelas grandes empresas sobretudo para resolver litígios fiscais.
O PERES não é a única medida fiscal que está a ter adesão nas empresas com ganhos para o futuro. A adesão à reavaliação extraordinária de ativos, lançada também no ano passado, permite às empresas valorizar o seu ativo, pagando uma taxa sobre esse acréscimo dividida por três anos. A partir de 2018, a empresa tem direito a utilizar a reserva de reavaliação do ativo para baixar a base de incidência futura do IRC, o imposto sobre os lucros.
Também na banca, os efeitos fiscais estão a ajudar os resultados das principais instituições. O BCP apresentou resultados líquidos de 97,6 milhões de euros em 2016 porque contabilizou um ganho fiscal futuro da ordem dos 100 milhões de euros, que resulta da dedução fiscal das imparidades de crédito constituídas. O mesmo efeito travou prejuízos mais avultados na Caixa Geral de Depósitos, que registou ganhos fiscais de mais de 800 milhões de euros pela possibilidade legal de deduzir fiscalmente os custos com imparidades.
Para tirar partido destes ativos por impostos diferidos, os banco precisam de ter lucros nos próximo anos, de forma a reduzir a fatura com IRC sobre os resultados.