Quando o Pedro Passos Coelho está a cerca de um ano de ter eleições internas no PSD — caso o calendário seja cumprido — o seu antigo braço direito defende que o partido deve seguir o exemplo dos socialistas e aprovar eleições primárias semelhantes às que opuseram António Costa e António José Seguro. Foi no Brasil que Miguel Relvas defendeu este modelo, como participante no Seminário Internacional sobre Sistemas Eleitorais que decorreu esta segunda e na terça-feira em Brasília, no Tribunal Superior Eleitoral e na Câmara dos Deputados, com a participação de políticos e cientistas políticos de vários países. O ex-ministro adjunto também defendeu maior capacidade de diálogo por parte dos partidos que ganham as eleições sem maioria, numa crítica implícita a Passos Coelho.
No discurso que fez na segunda-feira no Tribunal Superior Eleitoral, e a que o Observador teve acesso, Miguel Relvas invocou António José Seguro e o PS como bons exemplos no que se refere às eleições internas:
Para ser justo, tenho de deixar aqui uma palavra sobre o Partido Socialista português. Por iniciativa do seu anterior dirigente, António José Seguro, mas, diga-se, pressionado pelo atual Secretário-Geral e Primeiro-Ministro de Portugal, António Costa, os cidadãos não-filiados foram envolvidos nas eleições para a escolha do líder. As eleições primárias foram um passo para a modernidade partidária que merece um elogio.”
Num debate, que se debruçava sobre o afastamento entre eleitos e eleitores, o antigo dirigente do PSD argumentava que o secretário-geral do PS passou a ter o apoio “não apenas dos militantes do seu Partido, mas também dos cidadãos comuns. O que alarga claramente a sua base de apoio além das dinâmicas partidárias”. A seguir, Miguel Relvas, que foi uma peça fundamental na ascensão de Pedro Passos Coelho à liderança, e que conhece bem o funcionamento interno dos partidos até porque foi responsável pela organização do PSD como secretário-geral, defendeu que o próprios sociais-democratas deviam aproveitar a experiência dos socialistas:
Esta reforma interna do Partido Socialista terá necessariamente impacto em todo o sistema partidário, e eu acredito pessoalmente que muitos outros Partidos serão futuramente pressionados para também mudarem, incluindo meu, o Partido Social-Democrata.”
Noutro painel realizado esta terça-feira na Câmara dos Deputados, Miguel Relvas falou do sistema português, por obrigar a um equilíbrio de poderes entre o Presidente, o Parlamento e os Governos, mas também abordou atual solução governativa. “É verdade que os sistemas semi-presidenciais podem potenciar uma direção política bicéfala, fruto da disputa entre os diferentes órgãos de soberania, mas veja-se o caso atual de Portugal: um Presidente assumidamente da Direita em funções e um Governo minoritário de Esquerda, apoiado no Parlamento por dois partidos de Extrema-Esquerda.” O antigo político profissional — que passou a dedicar-se aos negócios depois de deixar o Governo na sequência do caso da licenciatura –, classificou a fórmula da “geringonça” como “bizarra”, não só por “unir socialistas, comunistas e trotskistas na mesma base parlamentar”, mas sobretudo por “o partido mais votado nas últimas eleições não estar a governar.”
É aqui que surge mais uma crítica implícita a Pedro Passos Coelho e também o reconhecimento de que mais do que vencer eleições, a partir de agora, em Portugal, é preciso ter capacidade de entendimento com outras forças políticas: “Ora isto significa, a partir de agora e de forma concreta, que vencer as eleições para governar não é apenas ter mais votos; vencer as eleições para governar passou a exigir ter mais deputados, ter uma maioria parlamentar, sem a qual o governo poderá ser tomado por partidos que não tenham vencido”. Daí que, no discurso aos brasileiros, possa ler-se uma crítica a Pedro Passos Coelho e um recado ao próprio PSD numa fase em que nas sondagens não se vislumbra qualquer possibilidade de maioria absoluta nem sequer em coligação com o CDS:
É esta a minha reflexão: não basta vencer aritmeticamente eleições, é preciso também saber construir consensos de governo depois das eleições. É uma exigência do aperfeiçoamento do próprio sistema democrático.”
Miguel Relvas ainda apontaria que, no modelo eleitoral português, a maior crítica a fazer “prende-se com a reduzida liberdade de escolha ao dispor dos eleitores, um tema que tem sido discutido nos últimos anos”. O ex-governante citaria o cientista político Pedro Magalhães, para dizer que “o sistema português, na sua combinação sistema de partidos/sistema eleitoral, é porventura o sistema nas democracias consolidadas que menos liberdade de escolha dá aos eleitores”. E argumentou que a inclusão de candidatos predefinidos nas listas, pela ordem estabelecida pelos partidos, reforça a importância das oligarquias partidárias.
A consequência destes fatores, para Relvas, conduz ao “afastamento dos cidadãos da política nacional leva a uma de duas decisões por parte do cidadão”: a abstenção e o voto de protesto.