Numa altura em que a electrificação do automóvel segue de vento em popa, embora com os fabricantes a depararem-se com limitações, nomeadamente ao nível da capacidade das actuais baterias de iões de lítio, uma investigadora portuguesa da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Maria Helena Braga, poderá ter descoberto as baterias do futuro. São mais seguras, mais ecológicas, mais baratas e, principalmente, possuem uma densidade energética consideravelmente maior. Tudo graças a uma inovadora tecnologia de electrólitos, que a professora universitária tem vindo a desenvolver em conjunto com o principal mentor da tecnologia de iões de lítio, o americano John Goodenough, e cujo alcance faz do futuro algo que pode ser alcançado já – queira a indústria avançar para o desenvolvimento e aplicação desta nova tecnologia.
A descoberta do vidro eletrólito aconteceu em Portugal, quando o Jorge Ferreira e eu trabalhávamos no Laboratório Nacional de Energia e Geologia”, explica ao Observador Maria Helena Braga. Isso motivou a publicação de um artigo sobre o tema, em 2014, que desencadeou várias reacções por parte da comunidade científica. “Recebi vários telefonemas, entre os quais o de Andrew Murchinson, que conhecia o professor Goodenough e fez a ligação entre nós”, recorda a investigadora portuguesa.
O “pai” das baterias de iões de lítio, hoje com 94 anos, ficou de tal forma interessado no potencial da descoberta portuguesa que Maria Helena Braga fez as malas e rumou aos Estados Unidos da América, logo em Fevereiro de 2015, para “demonstrar ao professor Goodenough que o nosso eletrólito vítreo podia conduzir iões com a mesma rapidez que um eletrólito líquido”.
Impulso americano
Durante um ano, a investigadora portuguesa fez essa viagem várias vezes, sempre para trabalhar lado a lado com Goodenough e demonstrar-lhe o potencial da sua descoberta. Até que, em Fevereiro de 2016, mudou-se mesmo para os EUA para, em conjunto com o inventor das baterias de iões de lítio, começar a fazer as revolucionárias baterias de electrólitos.
Ao Observador, Maria Helena Braga justifica esta opção, explicando que a investigação acabou por beneficiar das facilidades proporcionadas pela Universidade do Texas, em Austin: “A aplicação desta tecnologia aconteceu depois de começarmos a trabalhar com baterias com lítio metálico, como eléctrodo negativo, aqui na universidade.” Algo só possível, esclarece a investigadora lusa, porque aí dispõe dos recursos necessários para dar continuidade a uma investigação desta natureza. “Temos aqui uma caixa de luvas que nos permite fazer experiências com materiais que reagem violentamente, especialmente em presença de humidade.”
Embora entusiasmada com o facto de estar a trabalhar com uma sumidade no que às baterias diz respeito, Maria Helena Braga tem nos seus planos o regresso a Portugal. O voo para os EUA foi de ida e volta, até porque, acredita a portuguesa, “vai ser possível continuar a investigação” no nosso país. “Vamos adquirir uma caixa de luvas com um projecto que, entretanto, obteve financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia”, revela.
Neste momento, precisa a cientista, a investigação “está ao nível das coin cells (ou button cells)”, as pequenas pilhas do tamanho de uma moeda utilizadas, por exemplo, em alguns relógios. “Mas já fizemos baterias de outros tamanhos, no laboratório, sem qualquer automação”, observa Maria Helena Braga, sublinhando que, a partir daqui, para que as novas baterias possam passar à produção, “depende da indústria”.
Não depende de nós, porque nós não fazemos o desenvolvimento. Nós provámos a validade do conceito. A ideia é que a tecnologia possa ser aplicada a automóveis eléctricos, com a vantagem de poder armazenar muito mais energia em menos espaço. Mas tudo vai depender agora do desenvolvimento feito na indústria”, desafia a portuguesa.
Portuguesa abre portas a revolução mundial
Certezas, para já e no entender da investigadora de 45 anos, é que a nova solução para baterias apresenta como principais vantagens o facto de ser “mais segura, mais ecológica, mais barata e com uma densidade de energia consideravelmente maior”. Não apresentando sequer “grandes limitações” em termos de aplicações. “A montagem de baterias com Li-metálico exige um ambiente seco e, de preferência, livre de oxigénio. Mas já há baterias no mercado com Li-metálico, nomeadamente, coin cells”, aponta.
Igualmente vantajoso é o facto de as baterias de eletrólito em vidro serem mais amigas do ambiente que as de iões de lítio, não exigindo grandes cuidados em termos de reciclagem. “Especialmente se forem de sódio”, avança a investigadora, acrescentando que é possível, inclusivamente, “fazer baterias apenas com elementos que existem na água do mar”.
Quando o investigador norte-americano John Goodenough anunciou publicamente que vinham aí baterias revolucionárias, esta descoberta foi notícia em vários pontos do globo. Tanto mais que o cientista destacou a capacidade de as novas baterias de eletrólitos vítreos armazenarem, na mesma massa ou volume de uma bateria de iões de lítio, o triplo da capacidade ou autonomia. Além de poderem alimentar motores até três vezes mais potentes. Ou seja, isso mudaria por completo a mobilidade eléctrica. Com uma série de vantagens adicionais, adianta Maria Helena Braga, a começar pelo facto de estas baterias serem capazes de funcionar a temperaturas extremamente baixas, até -60ºC; registarem uma vida mais longa de até 1.200 ciclos e puderem ser submetidas a carregamentos significativamente mais rápidos, sem o perigo de danificar a sua composição. Em síntese: a investigadora portuguesa abriu a porta para um futuro eléctrico, praticamente sem limitações. Agora, é esperar para ver quem entra.