Ao contrário do que aconteceu na semana passada, em que o PSD escolheu uma deputada quase desconhecida do grande público para aplaudir a notícia de que Portugal tinha crescido uns robustos 2,8% num ano, desta vez foi Pedro Passos Coelho quem deu a cara pela reação à notícia da saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos. Do alto da sua experiência de primeiro-ministro, o líder do PSD chamou os jornalistas à sede e leu um longo discurso de seis páginas. Tudo para dizer: o PSD está “satisfeito”, sim, o Governo está de parabéns, mas “as coisas não aconteceram de um dia para o outro”. Passos não concorda com a forma como o Governo “fez as suas escolhas orçamentais”, porque havia outra forma de chegar a este défice sem “sacrificar o investimento público”, e pede que desta vez seja diferente do que foi com o governo anterior de José Sócrates.

“Apesar de não subscrever a forma como o Governo lidou a estratégia orçamental e de discordar dos riscos acrescidos que nos trouxe, fico satisfeito por Portugal ter conseguido atingir a meta orçamental a que o país se tinha comprometido”, começou por dizer, sublinhando depois que “as coisas não aconteceram de um dia para o outro”. Ou seja, o mérito vem de trás, desde 2011, altura em que o Governo era liderado por Pedro Passos Coelho. “Hoje tivemos esta notícia porque houve um caminho realizado que se iniciou em 2011. Mas o que interessa é o esforço extraordinário que os portugueses fizeram, que foi a eles que coube a parte de leão no esforço realizado para chegar até aqui”, disse. Por isso não, Passos não está à procura do “auto-elogio”.

Mas, há sempre um “mas”. Recuando até 2009 para lembrar que, num ano em que tudo parecia bem (o país tinha inclusivé saído do défice excessivo no ano anterior), o governo de José Sócrates culminou com “um pedido de ajuda externa e uma situação de bancarrota”, Passos Coelho afirma que “não podemos ser complacentes” e “não podemos esquecer que das vezes em que saímos do Procedimento por Défices Excessivos voltamos a entrar no ano seguinte”.

Através de uma cronologia simples, Passos notou que foi sempre com governos socialistas que se deu essa violação das metas do défice. Logo, é preciso cautela. “E é preciso que desta vez seja diferente”, disse.

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“Portugal entrou em défice excessivo em 2002, depois de ter violado a meta do défice desde 2001. Saímos em 2004, depois de esforços significativos e sacrifícios assinaláveis. Porém, voltámos ao Défice Excessivo em 2005, e só em 2008 voltámos a sair. Mas logo no ano seguinte, em 2009, voltámos ao Procedimento por Défice Excessivos, onde temos estado até hoje”, disse, ostentando o fantasma das governações socialistas e particularmente da governação de José Sócrates.

Resultados não devem servir para leilão eleitoral

Para desta vez ser diferente, Passos Coelho pede ao Governo e aos parceiros parlamentares que “tenham a consciência clara de que os resultados que estamos a atingir não devem servir para esboroar uma espécie de leilão eleitoral para ver quem dá mais para o orçamento do próximo ano”. “Até já se fala das folgas no orçamento! Se começamos assim perdemos a oportunidade de fazer diferente”, disse.

É preciso “humildade”, é preciso que o crescimento seja “sustentado para futuro” e não apenas impulsionado pela conjuntura favorável, e é preciso reformas, pediu. Reformas que, disse, começaram desde logo a ser feitas ainda no tempo do seu governo, nos primeiros passos do pós-troika.

“Desde que encerrámos o período do resgate, temos visto a nossa economia a crescer e o desemprego a baixar, desde 2014 até agora. Também desde 2014, no caso dos pensionistas, e desde 2015 para a generalidade dos cidadãos, conseguimos iniciar um processo de recuperação de rendimentos e de remoção paulatina de austeridade, trazida em 2010 [governo socialista de José Sócrates] e aprofundada no resgate”, disse, continuando a enumerar os “sucessos” alcançados pelo Governo PSD/CDS na reta final do mandato para fazer face à “austeridade” iniciada pelo governo socialista e aprofundada pela troika.

Tudo para dizer que o mérito é coletivo — e que o PSD não está arrependido de nada, está antes orgulhoso. “É importante sublinhar o orgulho que sentimos neste momento e afirmar sem vacilar que valeu bem a pena termo-nos esforçado por não falhar as metas importantes que nos podem ajudar a encarar o futuro ainda com mais confiança”, disse, notando que a saída de Portugal do procedimento por défices excessivos “não dispensa o trabalho que ainda há pela frente”.

Receando que Portugal volte a cair “nos mesmos erros” e que “repita o passado”, Passos tem algumas sugestões para aquilo que deve ser feito daqui para a frente: 1) conseguir uma maior consolidação estrutural orçamental para evitar que a descida do défice fique “dependente dos efeitos cíclicos da economia”, e isso só se consegue, disse, com “um processo de reforma do Estado que garanta a qualidade das políticas públicas”; 2) conseguir um crescimento mais sustentado e acima dos 3%, e para isso é, mais uma vez, preciso “reformas importantes ao nível da economia e da segurança social”; 3) conseguir melhorar o rating de Portugal; e, 4) conseguir que tudo isto funcione em prol do combate às desigualdades.

Ou seja, é preciso mais. E por isso, Passos não vai “cair na falácia da auto-satisfação”. Um último recado à maioria de esquerda: “menos calculismo eleitoral e mais arrojo e abertura à mudança e ao reformismo”.