Quem marca as áreas onde se move, partilha invariavelmente de uma característica específica: a não-acomodação. Essa é a tónica da Nintendo, que pelo meio de momentos e decisões menos fortuitas e outras tantas de se limitar a acompanhar a maré, costuma ter o hábito de tentar repensar os géneros por onde se aventura e criar algo verdadeiramente novo.

É possível imaginar o desafio que é fazer parte das equipas de desenvolvimento da Nintendo com, ou sob a alçada de Miyamoto e outros tantos game designers que fizeram e fazem a história da companhia e do mercado dos videojogos. A necessidade (salutar) que a empresa tem em adaptar a forma como aborda alguns géneros de videojogos nos quais não é experiente acaba quase sempre por levar a um caminho mais familiar do que o resto do mercado.

Foi o que aconteceu na forma como “reinventaram” os driving games com Mario Kart ou mesmo os jogos de luta com Super Smash Bros. onde criaram um subgénero, finalizando no recente Splatoon, que foi a forma da Nintendo responder a uma pergunta interna: “como é que se faz um jogo “de tiros” que seja familiar e único?”.

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Foi esse o desafio criativo em ARMS, um dos grandes títulos da novíssima Nintendo Switch que chegará ao público no dia 16 de junho. Como é que a Nintendo consegue mais uma vez reinterpretar os jogos de luta, tornando-os familiares e aproveitando as potencialidades únicas da Switch? Fazendo um cruzamento com mecânicas já utilizadas, por exemplo no magnânimo Punch-Out!! da Wii, onde os nossos gestos eram traduzidos em socos desferidos pelo protagonista e continuando a roupagem estética divertida da Grande-N.

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Os dez personagens disponíveis são todos únicos e memoráveis. Do ninja com braços de corrente, à múmia musculada, passando pela jovem inventora que não tendo braços extensíveis criou um robot conduzível, ou a estrela de cinema que usa as suas longas tranças como braços. Isto tudo é a Nintendo: desde o elenco original ao tom do jogo de combate onde a violência é fantasiada e nada agressiva, onde o mundo é colorido e vibrante e, acima de tudo, divertido.

ARMS tem esta mesma tónica do clássico da Wii: com os Joy-Cons nas mãos, e a vermos o nosso personagem pelas costas no ecrã, temos de utilizar os nossos movimentos para atacarmos ou defendermos, recriando uma das jogabilidades de fighting games mais intuitivas que alguma vez pisou o mercado das consolas.

É esta intuitividade o cerne de ARMS e que transparecia desde a revelação das primeiras imagens, em janeiro deste ano. Uma franquia nova com personagens divertidos e que se evidenciam por si só, demonstravam a vontade da Nintendo em apostar numa Propriedade Intelectual completamente nova, num mundo onde um desporto semelhante ao boxe é competido por atletas cujos braços se estendem de forma sobrenatural.

ARMS é um jogo simples pela sua intuitividade e pela forma como é uma espécie de “porta de entrada” aos fighting games. Facilmente qualquer pessoa pega nos Joy- Cons (não esquecendo de prender as correias aos pulsos para evitar acidentes) e começa imediatamente a projetar os braços para a frente para dar um cross, assim como percebe que se golpear o ar em arco vai desferir um gancho.

Inclinar os dois Joy- Cons um para o outro é a forma de defender dos ataques dos adversários e estendermos os braços em simultâneo permite-nos agarrar o nosso inimigo. Tudo isto é gestual, é físico e compreende-se de forma natural. É nesta simplicidade que ARMS brilha, sem grandes explicações e complicações desnecessárias para o grande público.

E é por falar em complexidade que percebemos que existe mais em ARMS do que os seus algo limitados comandos gestuais. Cada lutador não só tem habilidades próprias, como pode ser equipado em cada uma das mãos com um de três tipos de braços específicos, com características distintas. Alguns permitem socar rápido mas com menos intensidade e outros fazem o inverso, havendo até outros que permitem serpentear o braço de forma inesperada pelo ar. Esta customização permite melhorar o desafio, tornando-o ligeiramente mais complexo do que parece à primeira vista.

No que toca aos modos de jogo, ARMS é o típico jogo da Nintendo, e ainda bem. Para além do modo a solo, um modo de torneio contra o computador e uns modos que adaptam o volleyball e o basketball de forma muito própria, existem também os combates multi-jogador local e online, opondo 1 para 1 ou 2 para 2. É nestes modos que passamos grande parte dos muitos momentos divertidos em ARMS.

A semana passada falámos de outro jogo de luta, Injustice 2, e referimos que dificilmente algum jogo tirar-lhe-ia o título de melhor do género em 2017. ARMS é um ótimo jogo que sabe qual o seu público e qual o tom que deve adotar, e é simultaneamente uma boa abordagem aos fighting games e um jogo familiar. Mas não chega perto da complexidade e da solidez do jogo da Warner Bros, e sinceramente percebemos que não é essa a intenção.

ARMS quer ser mais do que um jogo de luta, resvalando para a área dos party games, sendo simples o suficiente na sua abordagem familiar para que possa trazer uma experiência divertida para todos. Peca apenas por não cumprir a potencialidade de ter um modo de campanha com uma história interessante para os seus dez personagens tão distintos, e por me parecer que tem menos longevidade e interesse a médio prazo para fãs de fighting games.

No artigo de Mario Kart tínhamos dito que a Switch estava a “fazer o pleno”, com dois grandes títulos em dois meses de vida a tornarem-se duas peças obrigatórias para a plataforma. ARMS vem continuar este ritmo, e ainda que não seja um jogo exímio, é decerto o terceiro título obrigatório para a nova consola da Nintendo.

E prova mais uma vez a não-acomodação da Nintendo, que parece estar constantemente a responder a uma pergunta que não é proferida. Para quê fazer igual, se o progresso e a criatividade são feitas no fio da balança entre o risco e a imaginação?

Ricardo Correia, Rubber Chicken