Não sabe cantar e ri quando se fala do assunto, mas a voz é conhecida por milhares de pessoas. Bela Gil é filha de Gilberto Gil mas é também uma celebridade por conta própria, autora do programa de culinária mais visto do Brasil, o “Bela Cozinha”, onde já recebeu o chef Jamie Oliver, e de um canal de YouTube onde abre as portas de casa, entrevista produtores locais e mostra o que põe na lancheira da filha para mais de 158 mil subscritores.

Especializada em alimentação saudável e nutrição holística, mas também com umas quantas palavras a dizer no que toca a uma vida mais natural e próxima da natureza, a chef brasileira de 29 anos acaba de publicar o primeiro livro de receitas em Portugal, onde partilha petiscos, saladas, sumos, pratos principais e aperitivos, mas também lanches e sobremesas saudáveis.

Em Lisboa para apresentar Bela Cozinha, de sorriso fácil e tão grande como a legião de seguidores no Instagram (um milhão), Bela Gil diz-se adepta da comida natural, o mais fresca e local possível, e desafia os portugueses a transformarem-se em artistas na cozinha.

O livro foi publicado pela Casa das Letras e custa 18,90€.

Formou-se em cozinha saudável em 2006, há 11 anos, muito antes desta moda a que temos assistido. Porque foi para essa área?
Começou quando eu tinha 15 anos e mudei a minha alimentação completamente. Mas foi de uma maneira muito natural. Comecei a praticar ioga e o meu corpo foi naturalmente rejeitando e excluindo alguns alimentos como a carne vermelha, o açúcar refinado, os produtos junk, processados… Quando fui morar fora, já estava com 18 anos, quis manter essa alimentação e sabia que para me alimentar bem, a melhor maneira seria cozinhando, fazendo a minha própria comida.

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Isto quando foi para Nova Iorque?
Sim, foi aí que comecei a cozinhar. Eu sempre falo que não nasci com o dom da cozinha, aprendi a cozinhar por necessidade. Mas me apaixonei pela cozinha naquele momento e decidi fazer um curso. Mas não queria fazer um curso de culinária tradicional, queria fazer um curso focado numa culinária mais natural. Foi muito bom porque nesse momento eu já estava também muito interessada em nutrição e resolvi que ia seguir essas duas linhas, e estudei as duas coisas. Ou seja, o meu interesse veio de uma mudança pessoal.

Inicialmente tinha ido para Nova Iorque para estudar o quê?
Inglês. Não tinha nada a ver! Eu fui para ficar seis meses e acabei ficando 10 anos.

Sempre a investir nesta área?
Sim, fiz vários cursos: fiz faculdade de nutrição, fiz o curso de culinária natural, de nutrição ayurvédica… E Nova Iorque é um lugar cheio de restaurantes, muitos mercados, produtos novos, pessoas interessantes, diferentes culturas, workshops e palestras. Tudo acontece lá.

Recomendações de Bela Gil para uma alimentação saudável

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  1. Coma devagar e mastigue muito bem os alimentos.
  2. Troque o supermercado pelo mercado.
  3. Consuma carnes e ovos com moderação.
  4. Analise como se sente depois de comer determinados alimentos.
  5. Como quando estiver com fome.
  6. Compre alimentos biológicos a produtores locais sempre que possível.
  7. Não cozinhe os alimentos em excesso.

Livro "Bela Cozinha"

Esta é uma área que muda muito, no sentido em que é preciso estar sempre a estudar?
Eu acho que não muda quando você se conhece e segue o seu próprio caminho. Mas há sempre modas que vão e vêm em relação à alimentação, dietas que aparecem ou que não fazem mais sentido, e a indústria alimentícia, seja a da soja ou do açúcar, impõe muitos conceitos, muitas vezes erróneos e só focados no seu próprio lucro, que não fazem sentido para a nossa vida. Existem vários debates em relação à manteiga e à margarina, óleo de coco e óleo de soja, se a carne faz bem ou não, se a gordura é o vilão ou se é o açúcar… O que eu prezo e acho mais importante é uma comida de verdade, a comida natural, mais fresca. Não importa se é uma dieta vegana, vegetariana, sem glúten, macrobiótica ou ayurvédica. O mais importante e o que todas têm em comum é fazer com que as pessoas comam mais comida de verdade.

Comida da época, por exemplo?
Sim, comida da época, fresca, local, sem muitos disfarces. O que eu chamo de comida de verdade, aqui em Portugal, por exemplo, é azeite, peixe, batatas. Isso é comida tradicional portuguesa, boa. As pessoas estão ficando obesas, doentes e alérgicas porque estão comendo uma comida muito processada, rica em gordura, açúcar e sódio. Voltar à tradição é muito importante para voltar a entender o que é comida de verdade.

Bela Gil com um dos sumos que ensina a fazer no livro, o “Vitaminas arco-íris”. © Divulgação

Quando saiu de Nova Iorque começou a fazer um programa de televisão no Brasil. Como é que isso aconteceu?
Quando terminei a faculdade comecei a dar aulas de culinária e nutrição em casa, e um dia uma amiga resolveu filmar e disse: “Eu acho que isso daria um bom programa de tv”. Mais ou menos ao mesmo tempo, o GNT, que é o canal que passa o meu programa no Brasil, estava tirando um programa da grade e essa minha amiga mandou o vídeo para lá e eles disseram que o programa cairia muito bem. Foi uma coincidência muito grande mas começou com as aulas em casa. O programa nada mais é do que uma extensão de como eu comecei a trabalhar com a comida.

Hoje em dia tem dois programas na Globo e um canal de YouTube. Qual a diferença entre os dois formatos e porquê manter ambos?
O programa do GNT é muito focado na culinária, na receita passo a passo, mas eu uso as receitas como algo que vai para além da comida, no sentido de mostrar como a comida impacta a nossa vida para além de nos alimentar. É importante falar das nossas escolhas alimentares no mundo. Para aprofundar esse assunto criei o canal de YouTube, onde faço entrevistas com pessoas que acho interessantes e também apresento ideias e alternativas para uma vida mais em harmonia com a natureza, como por exemplo alternativas à pasta de dentes, ao desodorizante… Tem o meu parto lá, que foi um parto em casa. No fundo mostro alternativas ao que as pessoas tomam como convencional e único. Não obrigo ninguém a fazer nada mas mostro que é possível.

Mas também tem um segundo programa na televisão mais focado nessa vida doméstica.
Sim. Há cerca de um ano começámos com o “Vida + Bela” que mostra um pouco da minha vida e tudo isso que eu acho importante para além da comida.

No “Bela Cozinha” costuma receber celebridades. Imagino que lhe perguntem muito isto, mas como foi receber Jamie Oliver?
Foi muito bom e bem especial porque eu sempre admirei muito o trabalho dele, foi com o Jamie Oliver que eu comecei a assistir a programas de culinária. Então foi interessante tê-lo ao meu lado como um conhecedor, mas um aprendiz e curioso também. Trocámos muita bagagem e informação interessante sobre a questão da saúde e do projeto que ele tem para combater a obesidade infantil, e eu fui mostrando alguns produtos que ele não conhecia, como o azeite de dendê, que aqui vocês chamam de óleo de palma. Foi muito bom.

Sendo filha do Gilberto Gil, a música deve ter estado sempre muito presente na sua vida. Mas mesmo assim escolheu os tachos.
A música é muito importante como arte e forma de alimentar a alma, mas jamais como forma de me expressar. Não canto, não sou mesmo boa cantora (risos). Vários dos meus irmãos seguiram a carreira do meu pai, mas eu puxei um outro lado artístico que foi a cozinha. Acho que não deixa de ser um outro tipo de arte.

De que forma?
De muitas maneiras. A arte é uma forma de representar a cultura de um povo, e eu acho que nada representa melhor a cultura de um povo do que a comida. Por outro lado, assim como um pintor tem as cores e uma tela, os nossos instrumentos são os ingredientes e a panela. Cada cozinheiro pode seguir a mesma receita mas nunca vai sair igual. Cada um tem o seu toque, o seu afeto, o seu tempero especial. É uma forma de arte também pelo lado individual de quem está fazendo. Cada pessoa é diferente, logo cada prato vai sair de forma diferente.

Então acredita que as pessoas que vão comprar este seu livro e fazer as receitas em casa…
Vão virar artistas! (risos)

Vão fazer a mesma coisa mas diferente.
Sim, à maneira delas. E acho que isso é muito interessante, até para tirar da cabeça das pessoas a ideia de que precisam de fazer a receita exatamente igual, com os mesmos ingredientes, e se não tiverem tudo ali, não conseguem fazer o prato. Nada disso, temos de usar a nossa criatividade. Achou que está muito doce, muito insonso? Muda! Eu sempre falo que os livros são para usar como uma base para cada um poder criar as suas próprias receitas, reinventar. Isso é muito importante para que o livro seja universal, para que as pessoas possam cozinhar no mundo inteiro. No Brasil esse livro tem várias receitas assim. Há ingredientes que são mais fáceis de encontrar no nordeste do que no sul e em Portugal também deve variar de região para região. Como é importante consumir produtos locais, essa criatividade é necessária. Pode pegar qualquer receita e adaptar para o que está perto de você.

Falando em criatividade, como é que nascem novas receitas?
Com muita pesquisa de ingredientes. Eu amo descobrir ingredientes novos e para conhecer um ingrediente nada como experimentando receitas novas. A minha maior inspiração é cozinhar em casa, para a minha filha e o meu marido. Praticamente todas as receitas que estão no livro surgiram assim, no dia-a-dia, da necessidade de fazer um jantar rápido ou de algum ingrediente novo. Todas foram feitas em casa.