Chama-se Frederico Morais, mas começou a ser Kikas porque uma prima não conseguia dizer o nome. Experimentou o surf pela primeira vez aos cinco anos mas é um daqueles miúdos com jeito para qualquer desporto. Está habituado, desde novo, a viajar para locais como o Havai ou a Austrália, onde passava temporadas no Natal e na Páscoa. Hoje, ou a partir de hoje, tornou-se no novo herói nacional.

Para quem pratica, para quem gosta de ver ou mesmo para quem não percebe nada de surf, a melhor prestação de sempre de um português numa etapa do Circuito Mundial não passou ao lado de ninguém. Ainda menos quando, em pleno pódio, de bandeira nacional à cintura, soltou um “Obrigado Portugal!”. Aos 25 anos, Frederico Morais chegou ao topo mas em breve irá surfar um novo pico máximo porque no sangue está também essa vontade de querer sempre mais. Por trás daquelas ondas, incluindo o inédito 10 que conseguiu nos quartos-de-final com John John Florence, há muito trabalho. Tanto de ginásio como de privações para ser tão grande como os maiores ou mesmo o maior dos maiores, Kelly Slater.

Kikas é dedicado à família, onde o encontra o seu equilíbrio. Mas, ao mesmo tempo, também gosta de isolar-se. Mas há muito mais para saber sobre ele.

Eis dez coisas que tem de saber sobre Frederico (com dez imagens do seu Instagram) sobre “a versão do atleta de sucesso pelo lado do positivismo”, como um dia o descreveu o tio, Tomaz Morais.

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Como colocar-se de pé numa prancha de bodyboard

Ainda se lembra de Dora Gomes, a nossa campeã de bodyboard? Pois bem, pode ter sido a partir da oferta de uma prancha dessa modalidade ao pai de Frederico, Nuno Morais, que começou a nascer o gosto pelo surf de Kikas, quando tinha apenas cinco anos. Primeiro capítulo desta história: uma praia em Vilamoura.

Apesar de ter uma prancha de bodyboard nas mãos, o que ele queria mesmo era colocar-se de pé naquelas ondas pequenas da espuma. Ainda usava boias nos braços por ser demasiado novo, mas era isso que queria sempre estar a fazer. No ano seguinte, com seis anos, o pai, que entretanto se começou a interessar mais pelo surf, comprou-lhe uma prancha. Começou aí este caminho que atinge agora o ponto mais alto, com o segundo lugar numa etapa do Circuito Mundial em ano de estreia. Tomaz Morais, o tio, ex-selecionador nacional de râguebi, teve um dia uma frase curiosa para descrever o segredo do trajeto: “Acho que o Frederico é a versão do atleta de sucesso pelo lado do positivismo, que teve no seu pai e na sua mãe os principais motivadores da sua prática desportiva”.

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A carta que escreveu aos sete anos e foi mesmo um prenúncio

Há algumas coisas que se fazem na infância e que só ganham dimensão quando se chega a um determinado patamar em termos profissionais. Quantos de nós, com uma grande e pura dose de ingenuidade, não escreveram uma carta para um jornal ou para uma revista de desporto? Provavelmente, muitos. E Frederico Morais também se junta a esse lote, com um texto que enviou para a revista SURFPortugal quando tinha apenas sete anos.

“Olá. O meu nome é Frederico Morais, tenho sete anos e ainda vão ouvir falar de mim”, escreveu na altura. Anos mais tarde, recordou à mesma publicação o que lhe passou pela cabeça. “A minha mãe ajudou-me a escrever, mas a iniciativa partiu de mim. Cada um tem o seu sonho e, naquela altura, o meu sonho era ser surfista profissional. Quando uma pessoa começa a praticar um desporto e acha que é mesmo daquilo que gosta, tem sempre a ambição de chegar ao nível dos seus ídolos“, explicou. E acertou no prenúncio.

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Foi parar ao surf, mas podia ter sido outro desporto qualquer

Foi exatamente há dez anos que um outro desporto com menor notoriedade até aí em Portugal, o râguebi, conseguiu prender o país à televisão. É certo que a seleção era uma mera outsider no Campeonato do Mundo de França, mas a forma como os jogadores entoavam o hino de lágrimas nos olhos teve o condão de nos tocar. Tomaz Morais, tio de Kikas que também marcou presença nesta etapa em Jeffreys Bay para apoiar o sobrinho, era o treinador dessa célebre equipa dos Lobos que marcou toda uma geração.

O desporto corre nas veias da família. Como Frederico costuma dizer, “o pai é a razão de tudo isto”. Nuno Morais sempre teve uma enorme paixão pela natação, foi internacional de râguebi nos anos 80 e 90 e começou a gostar também de surf, até para poder acompanhar o grande amor do filho. Já Kikas ainda andou pela ginástica e pelo taekwondo antes de abraçar a aventura dentro de água que o levou ao topo da carreira aos 25 anos. Mas não fica por aqui: gosta de jogar futebol com os amigos, safa-se bem no ténis e não perde uma oportunidade para agarrar na bicicleta e passear.

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O Guincho, a praia dos Coxos, Austrália e o Havai

Desde miúdo que Frederico Morais está habituado a andar de avião e com viagens longas: aos 11 anos já costumava ir para o Havai um mês na altura do Natal e outro para a Austrália, na Páscoa. “Ganhei um à vontade em viajar e estar nesses sítios. Tem ondas incríveis, são locais paradisíacos, as pessoas são simpáticas. Tenho um carinho especial pela Austrália e tenho bons amigos lá, adoro a cultura. Isso faz a diferença porque me faz sair da minha zona de conforto”, contou numa entrevista ao Expresso.

Por cá, a sua praia de infância foi o Guincho, mas gosta mesmo é da onda da praia dos Coxos, na Ericeira. Agora passará a ter outro local predileto. “Adoro Jeffreys Bay, apaixonei-me logo. As pessoas são muito simpáticas, as ondas são fantásticas, o clima é muito parecido com o que tenho no meu país, o vibe que se sente aqui é espetacular. É um local inesquecível e só posso agradecer a todos os fãs por terem vindo hoje a mais um dia e por nos terem apoiado durante toda a semana. Sinto que estou em casa e esse é o melhor sentimento possível”, disse na entrevista no pódio após receber o prémio do segundo lugar no Open J-Bay.

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O maior prize money de sempre em J-Bay: 50 mil dólares

Frederico Morais sempre “fugiu” a uma pergunta nas várias entrevistas que foi dando: o surf é um desporto “rentável” em termos financeiros? Não que o surfista de Cascais, que com 18 anos fez questão de pagar uma viagem à avó com dinheiro que tinha ganho em prémios, tenha algum problema com isso; apenas colocou a questão sempre nas mãos dos pais, a nível de prize moneys e patrocínios. “A preocupação é estudar e surfar”, explicou.

Até entrar no Circuito Mundial de surf, e falando um pouco de cor, dizia que o maior prémio que já tinha recebido numa competição no Havai, quando terminou também no segundo lugar: 20 mil dólares; agora, a melhor prestação de sempre vai valer um cheque de 50 mil dólares, que poderia ser o dobro caso tivesse ganho a Filipe Toledo. No total, e olhando apenas para as seis etapas do World Tour, recebeu um total de 111 mil dólares (mais de 96 mil euros): 11.500 dólares no Quiksilver Pro Gold Coast (13.º lugar); 10 mil no Drug Aware Margaret River Pro (25.º lugar); 16.500 no Rip Curl Pro Bells Beach (5.º lugar); 11.500 no Oi Rio Pro (13.º lugar); 11.500 no Outerknown Fiji Pro (13.º lugar); e agora 50 mil em Jeffreys Bay, que promover também a subida ao 12.º lugar da classificação geral liderada por Matt Wilkinson.

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14 + 14 aos 14 anos: o maior susto da vida (e não meteu tubarões, que odeia)

A etapa de Jeffreys Bay ficou marcada pelas interrupções em dois dias consecutivos por causa da presença de tubarões na zona de prova. E se calhar o que mais espantou foi a forma tranquila como Mick Fanning, que em 2015 tinha sido ali atacado no decorrer da final contra Julian Wilson, reagiu a toda a situação, sendo o primeiro a dizer que queria retomar a prova quando as condições de segurança já estavam salvaguardadas.

Frederico Morais acabou por estar envolvido de forma indireta na paragem de quarta-feira, porque estava na água a caminho do seu heat com John John Florence nos quartos-de-final quando o tubarão foi detetado. “Sou sincero, odeio tubarões e não temos de lidar com isso em Portugal. O Dog [n.d.r. Richard Marsh, o treinador australiano] ainda agora me estava a dizer que achava que não ia sair do barco mas todos disseram que estava bem, fomos surfar e concentrei-me na prova”, comentou no fim. Mas Kikas já apanhou um susto grande no Havai, quando tinha apenas 14 anos: após bater nas rochas em pipeline, no fundo do mar, levou 14 pontos na cabeça e 14 nas costas, depois de ser levado pelo pai para o hospital.

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Kelly Slater, o grande ídolo mundial no surf

Em 2013, quando conseguiu vencer Kelly Slater em Peniche, Frederico Morais assumiu que estava no céu: “As melhores ondas que fazemos na vida são aquelas que acabamos e não nos lembramos do que fizemos. Acho que este heat foi um bocado assim. Estou no céu, tenho de aproveitar e concentrar-me nas próximas baterias”.

Kikas tem três grandes nomes no World Tour: Mick Fanning, tricampeão mundial que bateu agora na quarta ronda, é dos seus preferidos; John John Florence, campeão mundial em 2016 que venceu na quarta ronda e nos quartos-de-final, que considera ser o melhor da atualidade; e Kelly Slater, 11 vezes campeão e “o melhor de todos os tempos”, como o descreve (e que agora vai estar fora do Circuito Mundial devido a uma fratura no pé quatro a seis meses, não podendo defender a vitória de 2016 no Taiti).

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Richard ‘Dog’ Marsh, o homem que fareja o sucesso

No final de quase todas as baterias em Jeffreys Bay, além dos abraços aos familiares, Frederico Morais falava no ‘Dog’, alcunha pela qual é conhecido o seu treinador, Richard Marsh, depois de um início onde foi orientado pelo pai. “Ser treinado pelo Dog Marsh [Richard Marsh] tem sido uma excelente ajuda, é o melhor treinador do mundo”, referiu no pódio. Antes, durante a final, o técnico australiano tinha dado uma pequena entrevista ao canal da World Surf League onde comentou tudo… menos uns papéis que tinha na mão, com orientações para o português.

Antigo surfista profissional, que teve como melhor resultado o oitavo lugar no Circuito Mundial de 1992, Marsh retirou-se com apenas 28 anos, em 1994, abrindo uma loja de surf em Cronulla, na Austrália, antes de se mudar com a família para França em 2005. Há seis anos, foi contratado pela Billabong como Treinador de Desenvolvimento de Jovens Internacionais, tendo começado aí a trabalhar com Kikas. “Na altura reconheci o seu potencial, mas também vi que havia muito trabalho por fazer. Porém, com o Fred houve uma ligação imediata no olhar e uma intensidade que acabou por tornar tudo mais fácil. Ainda hoje é assim”, disse .

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O novo projeto: “The Blue Room”, mais do que uma escola de surf

Antes de partir para a África do Sul, Frederico Morais inaugurou um dos seus grandes projetos de vida: “The Blue Room”, uma escola de surf que pretende ser muito mais do que isso. Assim, Kikas juntou-se com dois amigos (José Celestino da Costa, ligado à gestão, e João Murjal, ligado à área da remodelação e da construção civil) e abriu um espaço no Estoril que acompanhasse o crescimento do surf sem perder as raízes.

O projeto não pretende apenas ficar nas manobras do surf, procurando explicar o verdadeiro conceito do que é ser um surfista. “O compromisso é muito maior, é ‘trabalhar’ o indivíduos, o ser humano, mostrando toda a espiritualidade deste desporto, fomentando hábitos saudáveis, o ‘feeling’ da partilha e as ferramentas necessárias para que casa um dos seus alunos possa usufruir ao máximo das ondas. Não se trata de uma escola de campeões mas sim uma escola onde cada campeão, com mais ou menos talento, com mais ou menos idade, vem absorver a essência daquilo que é ser surfista“, explicou no final de junho.

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Usa a camisola número 25. E não é por acaso

A primeira grande novidade da versão Frederico Morais no World Tour, além da estreia em si, foi a escolha do número da camisola que usa no Circuito Mundial. Alguns exemplos: Filipe Toledo escolheu o número 77 porque é adepto fanático do Corinthians e foi nesse ano que o Timão quebrou um longo jejum de títulos com a conquista do Campeonato Paulista; Kelly Slater usa o 11, número de títulos de campeão que já ganhou. Kikas é o 25.

“Representa a soma dos números da minha data de nascimento, 3/1/1992, a idade com que me estreio no WCT e o dia de aniversário do meu pai”, explicou após o anúncio da escolha.

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