A indicação é invariavelmente a mesma: “Tem de tomar o antibiótico, sem interrupções, durante o período prescrito”, dizem os médicos aos seus doentes. Problema: segundo um novo estudo publicado no British Medical Journal, o “período prescrito” vai muito para lá daquilo que seria necessário e isso acaba por ter um efeito perverso, ao potenciar a resistência do corpo humano ao efeito do antibiótico sobre as bactérias — precisamente a justificação apresentada para que o antibiótico seja tomado até ao fim.
“Historicamente, as terapêuticas de antibióticos eram guiadas pelo receio de um subtratamento, havendo menos preocupações com o consumo excessivo”, diz Martin Llewelyn, professor de doenças infecciosas da Brighton and Sussex Medical School, no sul de Inglaterra. Num discurso que desafia as práticas médicas tradicionais e generalizadas, o principal autor do estudo considera que “a ideia de que parar os tratamentos de antibiótico mais cedo encoraja a resistência aos antibióticos não é suportada por factos, ao passo que tomar antibióticos por períodos mais longos que o necessário aumenta esse risco de resistência”, diz Llewelyn, citado pelo Telegraph. “Nós encorajamos os responsáveis políticos, educadores e médicos a deixar de advogar a ‘toma completa’ quando comunicam com o público”, pede o especialista.
No estudo que desenvolveram, os especialistas concluíram que a toma prolongada de antibióticos potencia a formação de bactérias perigosas que crescem na pele e no estômago e que podem vir a causar problemas mais tarde. A ideia é simples, ainda que esteja na antítese da convenção: quanto mais prolongada for a toma, mais se fortalece essa resistência ao efeito dos antibióticos.
Outra questão relevante neste debate: a importância de mudar comportamentos, avaliando de forma mais rigorosa a efetiva necessidade de tomar antibiótico. “A mensagem da ‘toma completa’ entra em conflito direto com a mensagem social relativa à necessidade de alterar comportamentos e atitudes, de forma a minimizar a exposição desnecessária a antibióticos”, refere Alison Holmes, professora de doenças infecciosas do Imperial College London.
A conceção de que a toma mais curta de antibióticos enfraquece a resistência a bactérias tem mais de 70 anos. Foi Alexander Fleming, prémio Nobel da Medicina, lembra o Telegraph, quem sublinhou, no próprio discurso da cerimónia em que recebeu a distinção, a importância de se fazerem tomas completas: “Se tomarem penicilina, tomem o suficiente”.
O diário espanhol El Mundo avança com alguns exemplos de tomas excessivas — à luz do estudo liderado por Martin Llewelyn — e que em alguns casos pode ser até quatro vezes superior ao necessário. É o caso das infeções intra-abdominais: a regra diz que o antibiótico deve ser tomado entre sete a 14 dias. Mas, segundo o estudo, quatro dias de toma de antibióticos é suficiente para resolver a infeção.
Noutros casos, a diferença é menos significativa. Por exemplo, para uma otite, os dez dias habitualmente recomendados para a toma deviam ser substituídos por apenas cinco. E, para as amigdalites o antibiótico não deveria ser tomado além dos seis dias (com um mínimo de três), quando as prescrições atuais são de 10 dias.
[Foi clarificada a formulação sobre a resistência a bactérias e ao combate às mesmas e acrescentada informação sobre a necessidade de alterar comportamentos na toma de medicamentos]