A ex-ministra dos negócios estrangeiros venezuelana Delcy Rodríguez tomou posse como presidente da Assembleia Constituinte do país na sexta-feira. Um dia depois, na primeira sessão, a nova Constituinte decidiu demitir a procuradora-geral Luísa Ortega Díaz. Ortega Díaz tinha anunciado, esta semana, a abertura de uma investigação à alegada fraude nas eleições da Constituinte. Numa publicação na conta oficial do Twitter, Ortega Díaz denunciou o cerco à entrada do Ministério Público, em Caracas, este sábado.

A Constituinte, que decidiu manter-se em funções por um período máximo de dois anos, anunciou que Ortega, que estava no cargo desde 2007, será provisoriamente substituída pelo “defensor do povo” [provedor] Tarek William Saab. Tinha sido designada pelo falecido presidente Hugo Chávez.

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Já esta manhã, a procuradora tinha anunciado que unidades da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) tinham feito um cerco ao edifício da Procuradoria-geral no centro de Caracas, impedindo-a de ter acesso ao seu gabinete e prometeu continuar a “lutar pela liberdade e democracia na Venezuela”.

Na sexta-feira, a procuradora-geral tinha pedido à justiça a anulação da sessão inaugural deste novo órgão legislativo, com base na “presumível existência de delitos durante o processo eleitoral” de 30 de julho. O pedido chegou depois de a procuradoria-geral ter aberto um inquérito na quarta-feira, após as revelações da empresa britânica SmartMatic, responsável pelas operações de voto, que considerou “manipulados” os números oficias sobre a participação.

Segundo esta empresa, a diferença entre a participação real e a anunciada pelas autoridades é “pelo menos de um milhão de votos”. Um dia após o escrutínio, Maduro ameaçou “tomar o mandato” da procuradora-geral, que tinha denunciado “uma ambição ditatorial”.

Para onde vai a Venezuela? Perguntas, respostas e muitas dúvidas em tempos de crise

A Assembleia Constituinte foi eleita a 30 de julho e é composta por 545 membros, não tendo nenhum partido — 173 representantes sectoriais, 364 territoriais e oito indígenas, segundo Nicolas Maduro. Poderá tomar decisões por maioria e tem praticamente poder ilimitado, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça já tinha declarado nulas as atividades da assembleia nacional.

Luísa Ortega Díaz era um dos principais rostos da oposição ao regime de Nicolás Maduro. Foi ela quem pediu ao Supremo Tribunal de Justiça que levantasse a imunidade e afastasse oito magistrados pelo alegado envolvimento “no delito de conspiração contra a forma republicana da nação”.

Segundo a procuradora, os magistrados teriam emitido duas sentenças que a levaram a denunciar uma rutura da ordem constitucional. Estas sentenças concediam poderes especiais ao Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, para assumir funções do Poder Judicial, limitavam a imunidade parlamentar e permitiam ao STJ assumir as funções do parlamento. O pedido foi depois anulado pelo tribunal.

Mercosul suspende Caracas por “rutura da ordem democrática”

Esta notícia chega no mesmo dia em que os ministros dos Negócios Estrangeiros do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai decidiram suspender politicamente a Venezuela do Mercosul “por rutura da ordem democrática”, indicou em comunicado o mercado comum sul-americano.

“A suspensão é aplicada devido aos atos do Governo de Nicolás Maduro, e constitui um apelo a um início imediato de um processo de transição política e de restauração da ordem democrática”, explica o comunicado enviado pelos países fundadores do Mercosul após uma reunião em São Paulo, Brasil.

A Venezuela já tinha sido colocada à margem do mercado comum sul-americano desde dezembro, por motivos comerciais. Mas a invocação da cláusula democrática destina-se a obter uma maior repercussão política.

Esta cláusula, intitulada “protocolo de Ushuaïa”, apenas foi aplicada uma vez, em 2012, para sancionar o Paraguai pela destituição do presidente Fernando Lugo. Na prática, esta suspensão não implica uma suspensão do Mercosul, mas o seu impacto é superior às sanções previamente adotadas.

“A suspensão apenas será levantada (…) quando os restantes membros do grupo considerarem que a ordem democrática foi plenamente restabelecida”, explica o comunicado.

Os países fundadores condicionaram o levantamento à “libertação dos presos políticos, restauração das competências do poder legislativo, retoma do calendário eleitoral e anulação da Assembleia Constituinte”.

A Venezuela atravessa uma grave crise política, com manifestações quase diárias contra o Presidente Maduro e que em quatro meses provocaram 120 mortos.

No domingo passado, a eleição de uma Assembleia Constituinte considerada ilegítima pela oposição ficou assinalada por violências que provocaram dez mortos.