Este era suposto ser um texto sobre um jogo de basquetebol de 48 minutos. Especial, claro, porque era o primeiro da nova temporada da NBA. Ainda mais especial, claro, porque colocava Kyrie Irving de regresso a Cleveland a liderar os Boston Celtics. Mas este é um texto que ficou marcado com menos de seis minutos de jogo: Gordon Hayward caiu mal quando tentava fazer um alley-oop e sofreu uma gravíssima fratura no tornozelo, num lance tão arrepiante que a transmissão só repetiu uma vez e cortando no momento em que se começava a perceber a fratura.

Desde que chegou ao pavilhão, todas as câmaras estavam em cima de Irving, que tentava libertar-se da ansiedade ouvindo música com uns monstruosos phones. Depois, no aquecimento, houve um caloroso abraço com J.R. Smith, um dos bad boys dos Cavaliers. Seguiu-se uma enorme vaia quando foi apresentado como jogador dos Celtics, os cumprimentos secos de alguns dos ex-companheiros (como LeBron James), o início do jogo e os dois primeiros pontos marcados num lance muito típico do seu período em Cleveland. Ia ser uma grande noite. Não foi.

Os visitantes estavam a fazer um início de jogo interessante, sobretudo no plano defensivo, mas ruíram por completo depois do infortúnio de Hayward, que somava dois pontos e um ressalto (provavelmente, os únicos que irá fazer na presente temporada). Dwayne Wade, que regressou este ano a Cleveland, colocou-se de joelhos a rezar, LeBron James sentou-se no banco de mão na cabeça a olhar para baixo, todos os jogadores dos Celtics juntaram-se numa roda a pedir pelo companheiro. Foram imagens dramáticas, incluindo as lágrimas de Irving agarrado a um companheiro. Podia-se esperar um pouco de tudo, mas esta era a última coisa que se podia mesmo esperar (se tiver coragem, o lance da lesão está aqui mas é mesmo arrepiante e pode ferir os mais sensíveis).

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Os Celtics, como estavam, acabaram nesse momento. E foi com naturalidade que os Cleveland Cavaliers foram avolumando o resultado, passando largos minutos com uma vantagem na casa das dezenas. Chegaram mesmo a ter 18 pontos de avanço, que se tinham esfumado por completo no derradeiro minuto do terceiro período (71-69). Irving agarrou na equipa (conseguiu um duplo-duplo, com 22 pontos e dez assistências, além de quatro ressaltos), soltou a chama dos miúdos, apelou com a sua liderança ao coração da equipa e manteve o jogo em aberto até ao último segundo, apesar da derrota por 102-99.

Ainda assim, o que pode mudar a partir de agora para o conjunto de Boston e para a Conferência Este? Muito. Porque Hayward foi, além de Kyrie Irving, o grande investimento da temporada dos Celtics (terá assinado um contrato de 128 milhões de dólares por quatro temporadas) e do próprio treinador Brad Stevens, que o tinha orientado quando a modesta Butler University chegou à final universitária contra Duke em 2010.

Os Celtics tinham uma equipa muito jovem e com grande qualidade, que a médio prazo estaria a lutar por finais. E juntaram ainda a Jaylen Brown, por exemplo, Jayson Tatum, número três do draft. Ao contratar Hayward (que escreveu uma emocionada carta de despedida no The Players Tribune para toda a equipa, staff e fãs dos Utah Jazz, onde jogou durante sete anos), Stevens tinha uma extensão das suas ideias em campo. Com Irving (mesmo cedendo Isiah Thomas, a grande figura da última época, como troca), estava confirmada a estrela que faltava.

Este foi o primeiro dia do resto da vida de Kyrie Irving, depois de ter passado seis anos em Cleveland. Quis sair da sombra de LeBron James, rumou mesmo a Boston e, na primeira entrevista após a troca, quando lhe perguntaram se tinha dito alguma coisa antes à estrela dos Cavaliers, respondeu com um seco: “Respeito-o muito, mas tinha de dizer alguma coisa antes? Acho que posso tomar as decisões por mim”. Esta noite (madrugada em Portugal), o base mostrou que também pode ser o número 1. E a forma como liderou os companheiros depois da adversidade mostrou que existe uma grande diferença entre ter um conjunto de estrelas e uma equipa.

No final do encontro, depois de falhar o triplo que poderia levar o jogo para prolongamento (embora tivesse tentado já sem grandes condições), Irving foi saudado por LeBron James. Abraçaram-se. E aquele cumprimento mostrou bem o respeito que existe entre ambos depois do Verão que tudo mudou.