Rui Rio fugiu do Porto e apresentou-se em Aveiro, Santana Lopes fugiu de Lisboa e apresentou-se em Santarém. Mas as semelhanças acabam aí. Como Santana se esforçou por mostrar, os dois são muito diferentes. A acreditar nele, de um lado está o guardião da memória do partido, que esteve sempre presente; e, do outro, o oportunista que “virou a cara” ao partido e foi “dar o braço aos seus adversários políticos”. Nos seus ataques Santana, que quer “um PSD mais PPD”, acabou por cair em fantasias sobre o seu próprio percurso. E lembrou os seus confrontos com José Sócrates.
O discurso de Pedro Santana Lopes está a itálico e a interpretação e o comentário estão a amarelo:
“Senhor presidente da Câmara Municipal de Santarém (…)”
“Nós mudámos a data desta apresentação por razões que foram tornadas públicas. (…) Todos sabemos como estamos ainda devastados, e estaremos, porque é uma tragédia difícil de recompor, pela cicatriz profunda que deixa na alma nacional”.
“Falemos do PPD/PSD. Eu disse num congresso em 2005, quando cessei funções, que iria andar por aí. Nunca pensei que essa frase fosse tantas vezes citada, mas hoje quero dizer que estou aqui e vim para clarificar. Quero unir, como diz o lema de campanha, mas quero unir depois de clarificar. O PPD/PSD precisa disso e Portugal também. Aprendi em 2004 e 2005 que a legitimidade do voto não se herda, conquista-se. E por isso também estou aqui.
“Quanto a 2004 e 2005, vou propor um pacto: eu não falo no passado, não vou falar, não vou comparar as causas da dissolução do Parlamento nessa altura com os factos e os acontecimentos que se seguiram, uns conhecidos na época outros conhecidos mais tarde, outros admitidos posteriormente e à espera de julgamento”.
“Não vou comparar as circunstâncias dos governos que se seguiram, o que aconteceu, quer os governos imediatamente seguintes, quer os governos mais próximos ou o atual. Faço uma breve sugestão: assumam para todos aquilo que muitas vezes vejo escrito e vejo dito ao longo destes anos: ‘Ai, se isto fosse com o Governo de Santana Lopes’. Sigam esse mandamento. E por isso queria encerrar aqui essa referência ao passado, peço que todos tenhamos decoro e contenção. Eu por mim assim o irei fazer.
“Somos um partido decente, um partido que honra a sua História, o seu património, os seus feitos, os seus momentos melhores e menos bons, mas que se honra, nomeadamente, do trabalho de salvação nacional feito por Pedro Passos Coelho e pelo seu governo. Por isso mesmo é preciso fazer esta clarificação. (…) O que digo agora e vou dizer nos próximos meses é o que sempre disse. Não o digo por ter entrado em campanha para a presidência do PPD/PSD. Não venho negar o que disse antes, não venho negar o que sempre tivessem dito de mim e eu nunca tivesse desmentido. Venho assumir quem sou e o que fui até hoje. Defendi ao longo destes anos o trabalho de Pedro Passos Coelho. Mesmo quando mais ninguém no espaço público dos chamados analistas ou comentadores o fazia. Fi-lo com honra e com sentido de responsabilidade perante o país”.
“Nunca fui para a Aula Magna fazer sessões com o Bloco de Esquerda ou com Mário Soares”.
“Nunca fui para a Associação 25 de Abril ouvir elogios de Vasco Lourenço na altura em que o partido salvava Portugal da bancarrota. Nunca fui para a Fundação João Soares, com audiências de outros partidos, com nenhum companheiro de partido (só com um ex-companheiro de partido que agora disse que admitia regressar numa determinada situação), quando o PPD/PSD estava a chegar ao momento de conseguir a saída limpa, no termo da ajuda externa, dizer, cito, que ‘a democracia está mais difícil, estamos a caminho de uma ditadura corporativa’ e fazer coro com os grandes adversários do meu partido. Nunca o fiz”.
“É aqui que importa fazer a clarificação. (…) Nunca vim para clarificar como desta vez. (…) Acreditando que o meu partido não se entrega nas mãos daqueles que, quando mais precisou dos seus militantes, lhe viraram a cara ou foram dar o braço aos seus adversários políticos”.
“Quando apregoamos a transparência, temos que a praticar, nas palavras, nos sentimentos, nas emoções, nas propostas, nas ideias. É isso que procuro fazer. As águas turvas, as águas estagnadas, os equívocos, sempre serviram mal as pessoas, os seres humanos, os cidadãos, os povos. Por isso mesmo, é bom lembrar que procurei ao longo da história do partido aceitar os desafios que me foram feitos. (…) Desde Francisco Sá Carneiro para seu assessor jurídico e para depois deputado em 1980; de Francisco Pinto Balsemão para membro do Governo, um que entendi não aceitar, entendi que não era bom para o partido, e para a comissão política nacional, que aceitei; ou no tempo do governo Mário Soares/Mota Pinto, em que eu suspendi o meu mandato de deputado porque era contra o Governo do Bloco Central — não hoje, porque sou candidato, já naquela altura e ao longo da minha vida política; depois com Cavaco Silva, convidou-me para secretário de Estado da Presidência do Conselho, cumpri o mandato também, como tinha cumprido os anteriores; depois Cavaco Silva convidou-me para cabeça de lista ao Parlamento Europeu, aceitei, cumpri o mandato; em 1990, Cavaco Silva convidou-me para voltar ao Governo como secretário de Estado da Cultura. E a propósito de cumprir mandatos, ainda hoje sou o governante que mais tempo esteve à frente da área da cultura. Depois de 1995, Fernando Nogueira convidou-me para ser deputado por Lisboa, não pude, estava a dirigir uma instituição desportiva. E em 1997 Marcelo Rebelo de Sousa fez-me o desafio de ser candidato a uma câmara municipal. E fui, à Figueira da Foz, o PPD/PSD nunca tinha ganho, ganhámos e cumpri o mandato exactamente até 2001, altura em que Durão me desafiou a ser candidato à Câmara de Lisboa. Aceitei e, quando muitos não acreditavam, ganhámos. (…) Cumpri o mandato até ao fim interrompido pelas circunstâncias que conhecem, ter assumido responsabilidades no Governo. Em 2005, saí. Em 2007, Luís Filipe Menezes convidou-me para me candidatar à liderança do grupo parlamentar. Cumpri esse mandato. Em 2009, Manuela Ferreira Leite convidou-me para ser candidato à Câmara de Lisboa (…). Fiquei como vereador da oposição, cumpri o mandato, durante dois anos acumulando como provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para as quais em 2011 Pedro Passos Coelho me convidou. E exerci as minhas funções durante dois mandatos e estava no terceiro.
“Hoje, há até algum terrorismo aí nas redes de comunicação nova, onde dizem ‘Há 17 anos que ele não ganha uma eleição’. Pois, mas agora a poucas me tenho candidatado. Em 2005, quem ganharia a eleição com um golpe de Estado pela frente? E em 2009 enfrentei o presidente da Câmara de Lisboa só com dois anos de mandato”.
“Quando o partido precisa de mim, regra geral estou presente, não estou presente só quando eu preciso do partido”.
“Mesmo que algum mandato não tivesse sido cumprido, há uma coisa que eu nunca fiz: andar a patrocinar movimentos para derrotar os candidatos do meu partido, ou para os substituir por independentes ou por adversários de outras forças políticas.”
“Eu não gosto de chamar a atual maioria de esquerda de ‘geringonça’. Não sei se repararam que eles adoptaram o termo, tenho o ligeiro pressentimento que acham que envolve algum carinho. (…) Para mim, eles são uma frente de esquerda com comunistas e com a extrema-esquerda, de que o PS se aproveita para governar com um programa que não é o seu. Chamá-los de geringonça é o que eles querem, acham que já permite disfarçar a realidade política. Francisco Sá Carneiro falou muitas vezes na bipolarização e António Costa quis fazê-la. Ele assumiu que queria governar à esquerda e tem que assumir as consequências inerentes. Nós temos é que preparar a alternativa.”
“Esta maioria parlamentar é anacrónica. Quase todos os dias, ao mínimo problema, diverge, critica, alguns dos seus membros demarcam-se, afastam-se. Se fosse connosco, era provavelmente razão para se julgar que o Governo podia ter perdido a sua base parlamentar.”
“Um PSD cada vez mais PPD. O que é que isto significa? O respeito pelas nossas origens, pela nossa identidade, mas ao mesmo tempo a preocupação de sermos um partido cada vez mais popular, próximo das pessoas, que compreenda os seus anseios e os seus problemas. Popular porque rejeita o predomínio de castas ou de iluminados, ou de professores de ética ou de moral. Popular porque quer ser sempre o partido das bases.”
“Um partido que aposte na criação de riqueza, rejeitando o modelo de crescimento em que vivemos, o modelo dos 600 ou 700 euros para quadros licenciados, em que muitos têm que deixar o nosso país para procurarem remunerações condignas fora das nossas fronteiras.”
“O partido de que me orgulho quer afirmar a sua alternativa em relação ao PS deixando claro, e bem claro, que não sacrificaremos a importância da recuperação e do progresso de Portugal às migalhas a dar para contentamento dos parceiros de coligação. Não cederemos nas questões essenciais que respeitam ao ser humano, à sua formação, à sua maturação, à sua dignidade. Qualquer dia, só para o PS continuar no poder e fazer acordos à esquerda, já não será aos 16 anos, mas quem sabe talvez aos 15, aos 14, que as crianças e os jovens poderão tomar decisões fundamentais, gravíssimas sobre as suas vidas, sobre a integridade dos seus seres, prejudicando todos os princípios e valores em que acreditamos. Nós gostamos da sociedade em que nascemos e em que vivemos, somos insatisfeitos, queremos transformá-la, melhorando-a, mas não a queremos destruir.”
“O meu nome é Pedro Santana Lopes, assumo tudo o que fiz até hoje, as horas melhores e as horas menos boas, as vitórias e as não vitorias ou as derrotas. Mal daqueles que dizem ou pensam que uma vez que se seja derrotado na vida, mais nenhuma oportunidade se deve ter. (…) Sá Carneiro perdeu e ganhou; Mário Soares ganhou, governou, perdeu, voltou a ganhar, voltou a perder. O mesmo com outros dirigentes europeus, Mitterrand, Chirac, a vida é feita de vitória e de derrota e de vitória outra vez.”
“Em Portugal ouvem-se os mais variados argumentos. Hoje em dia, até o da idade, ouvi o meu adversário no outro dia na televisão dizer ‘Pedro Santana Lopes é um pouco mais velho do que eu’. Tenho a diferença de um ano, julgo, ou nem isso, mas pronto, um pouco mais velho. Eu compreendo e não levo a mal porque o argumento tem sido usado à saciedade. A generalidade dos líderes europeus de hoje tem mais ou menos a mesma idade ou são mais velhos do que eu. A Áustria elegeu agora um líder com 31 anos, é um caminho também possível e bom. O Canadá tem um jovem primeiro-ministro. Theresa May tem 62 anos, Rajoy tem 63, a senhora Merkel 63. Macron é um caso à parte, tem 38, mas tem quem com uma idade mais avançada também esteja sempre ao seu lado.”
“Sou favorável à forte presença do Estado na Saúde, Educação, Segurança Social, mas espero muito dos privados e do sector social nesses três domínios. Sou intransigente na responsabilidade do Estado nas chamadas funções de soberania, prestigiando, valorizando e reforçando as nossas Forças Armadas, forças de segurança, os nossos diplomatas e os nossos serviços de informações.”
“O que está mal não é o povo, não são os portugueses, que muitas vezes trabalham mais horas do que outros, é o modelo de crescimento, e são algumas elites, políticas e económicas, que ao longo de anos, como hoje em dia se vê e eu denunciei em 2004 e 2005, trataram deles próprios e não trataram de Portugal e dos portugueses.”
“Não dirigi só um tipo de entidade, dirigi vários. Julgo que tenho algum mundo, não gosto de estar fechado entre portas, gosto de ir ter com pessoas. Sei falar e já falei, no tempo anterior de governo, com Gerhard Schroeder na sua língua natal ou com Vladimir Putin na mesma língua, porque viveu em Dresden muitos anos. Como falei com Tony Blair e falarei com Theresa May na sua língua natal, já que eles não sabem falar a nossa. E falarei, como falei na altura com Zapatero, com Rajoy ou com quem seja na sua língua natal.”
“Quero ir ter e sei estar com todas essas entidades mas gosto muito de estar com as bases do meu partido. Não faço desafios a ninguém, normalmente diz-se que aqueles que vão à frente não fazem desafios, estou convencido de que temos conseguido importantíssimas parcelas de apoio, mas gostava de sugerir que as distritais e os órgãos regionais organizassem, cada um, um debate, para os militantes poderem ouvir.”
“O PPD/PSD deve sentir orgulho de Portugal ter o Presidente da República que tem. Ninguém pode compreender sempre todas as atitudes de qualquer responsável político. Às vezes podíamos gostar de ouvir o Presidente mais distante do governo em funções. (…) Os Presidentes da República não podem nunca ser oposições aos governos. (…) Mas, podem e devem, ser a voz da consciência nacional quando os governos não a ouvem, como foi agora com a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa depois destas tragédias.”
“O PPD/PSD orgulha-se da sua história (…) Somos um partido que nasceu para ganhar, não nasceu para ser segundo de ninguém, ou para ser muleta de ninguém (…) Defendo pactos de regime, como o outro candidato à liderança. Mas pacto é pacto: é um ponto intermédio entre as posições de um lado e do outro.”
“Lembrar Francisco Sá Carneiro, lembrar o nosso outro fundador ainda vivo, Francisco Pinto Balsemão, e lembrar o atual presidente do partido, Pedro Passos Coelho. Termino como comecei: a hora é de clarificar para depois podermos unir. Equívocos não, disfarces não, dissimulações não.”