Cate Campbell conseguiu o melhor tempo nas eliminatórias dos 100 metros livres nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. E bateu o recorde olímpico, com 52.78. E repetiu a dose nas meias-finais, quebrando de novo a melhor marca olímpica, com 52.71. Por exclusão de partes, esta era uma das finais mais fáceis para apontar uma favorita mas quem o fez falhou: a australiana terminou na sexta posição, a 54 centésimas do ouro.

Foi a final mais estranha dos últimos Jogos. Porque Penny Oleksiak e Simone Manuel fizeram exatamente o mesmo tempo e repartiram o lugar mais alto do pódio (52.70). Porque a sueca Sarah Sjöstrom também não foi além do terceiro lugar. Porque Bronte Campbell, irmã de Cate, não conseguiu medalhas. Porque Ranomi Kromowidjojo acabou no quinto lugar. Porque Cate Cambell não passou da sexta posição. Depois do Rio de Janeiro, a australiana parou e afastou-se das piscinas. E foi nesse período que explicou esse falhanço.

“Recebi uma mensagem de um amigo próximo que dizia ‘Estou tão ansioso por ver a tua prova, até marquei uma sala de reuniões no meu escritório para irmos todos assistir’. Quando li esse SMS fiquei nervosa. Pensei que tudo aquilo era demasiado grande para mim. Era responsável por outras pessoas, tinha de ganhar por outras pessoas. Não culpo o meu amigo, que queria genuinamente apoiar-me. Nem eles sabem que foi esse SMS que acionou a minha quebra”, contou em março deste ano.

Nesse período, Cate refletiu muito sobre o que se tinha passado. E depois de um SMS que lhe retirou uma medalha olímpica, voltou à competição e deixou agora uma mensagem: bateu o recorde mundial dos 100 metros livres em Piscina Curta nos campeonatos nacionais, 33 centésimos abaixo da marca de Sarah Sjöstrom (50.25).

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Aos 25 anos, este foi o regresso do ano na natação e quiçá o menos esperado de todos – julgava-se que, a partir daquele eclipse nos Jogos de 2016, tinha passado o seu tempo nesta especialidade. Mas a campeã que ganhou as duas primeiras medalhas olímpicas com apenas 16 anos (50 metros livres e 4×100 metros livres) e que tem dois ouros na maior competição do planeta (em 2012 e 2016, ambas nos 4×100 metros livres), além de sete pódios em Mundiais (dois outros, três pratas e dois bronzes), provou que está longe da reforma.

Nascida no Malawi, Cate é a mais velha de cinco irmãos: Bronte – também ela nadadora de alta competição –, Jessica, Hamish e Abigail. Filha de um contabilista e de uma enfermeira, ambos sul-africanos, foi através da mãe, Jenny, antiga especialista em natação sincronizada, que fez das piscinas uma segunda casa. A família vivia numa quinta grande, sem TV e rodeada de inúmeros animais, pelo que a água acabou por tornar-se um habitat natural. Quando Cate tinha nove anos, mudaram-se para a Austrália.

A partir daqui, a história desportiva de Cate Campbell é igual a tantas outras: com um talento natural para a natação, foi somando vitórias atrás de vitórias após ter brilhado no Festival da Juventude da Austrália. Nos Jogos Olímpicos, nos Mundiais, nos Campeonatos Nacionais. Para ela e para Bronte, o irmão Hamish, que sofre de paralisia cerebral, sempre foi a grande preocupação e a maior inspiração. E são raras as provas em que não recordam o exemplo diário que recebem do mano mais novo. Também ele teve a quota-parte de responsabilidade no regresso, depois de umas férias na Nova Zelândia, de ter trocado de casa e de ter andado por eventos corporate.

“Tive um visão rápida de como será a minha vida depois da natação. E foi boa! É um bocado assustador pensar nisso, agora que já tenho 25 anos… Mas, ao mesmo tempo, este período também me mostrou que tenho assuntos por resolver nas piscinas. Quero voltar e quero voltar a 100%, acho que ainda não é tempo de acabar”, referiu antes do Campeonato

Cate Campbell, à direita, com a irmã Bronte, numa ação durante o Open da Austrália de ténis (Vince Caligiuri/Getty Images)

Cate Campbell é das atletas de topo que mais autocrítica faz. Ou porque é preguiçosa, ou porque é desarrumada, ou porque tem uma caligrafia ilegível, ou porque, no limite, não é uma boa pessoa (dito pela própria, que acrescenta ter outras qualidades que não essa). Mas a verdade é que é uma das atletas australianas com mais seguidores e uma das mais respeitadas e elogiadas na natação. Estudante de Comunicação de Massas na Universidade de Queensland, Cate Campbell quer seguir uma carreira que ligue o interesse à indústria dos media com a paixão pelo desporto. Até lá, há mensagens por deixar. Que mais não seja para corrigir o falhanço de 2016.

Sinto que dei muito ao desporto, mas claro que o desporto me deu muito mais a mim. Foi a minha escolha, a minha carreira (…) Não considero que seja justo as pessoas estarem chateadas comigo. Respeito isso, sei que para algumas pessoas o desporto é um desperdício de dinheiro dos contribuintes, mas há muitos outros para quem os atletas são uma fonte de inspiração e o desporto é uma forma de serem melhores”, explicou em conferência.