Foi uma madrugada agitada no Zimbabué. Depois de as forças militares terem ocupado a televisão estatal durante esta quarta-feira, o major-general zimbabuano Sibusiso Moyo anunciou, em direto, que Robert Mugabe e a sua família tinham sido detidos mas que se encontravam bem. Moyo, que leu um comunicado, explicou que que não se tratava de um “golpe de Estado militar”, mas sim de uma “transição” de poder “sem sangue”. O objetivo é “atingir criminosos à volta do Presidente, que estão a cometer crimes que causam sofrimento social e económico” no país, de forma a levá-los “à justiça”, sem dizer, porém, a quem se referia. “Assim que completarmos a nossa missão, esperamos que a situação volte à normalidade”, disse ainda.
A detenção e segurança dos Mugabe foi também confirmada pelo Twitter do partido no poder — o ZANU-PF. Apesar de a conta parecer oficial e garantir que fala em representação da maioria dos membros do partido de Mugabe, e não apenas de uma fação, ninguém sabe ao certo quem é que a gere. Num dos muitos tweets publicados esta quarta-feira, o alegado ZANU-PF esclarece que não pertence a Robert Mugabe nem à sua mulher, Grace, 40 anos mais nova.
“Hoje começa uma nova era e o camarada Mnangagwa ajudar-nos-á a alcançar um Zimbabué melhor”, anunciou o partido no Twitter, afirmando que o antigo vice-presidente assumirá a presidência do partido interinamente. Essa informação que não foi confirmada oficialmente. A conta de Twitter do ZANU-PF frisou ainda que os recentes acontecimentos não se trataram de um golpe de Estado e que tudo foi decidido e levado a cabo porque a constituição foi “minada”.
Last night the first family was detained and are safe, both for the constitution and the sanity of the nation this was necessary. Neither Zimbabwe nor ZANU are owned by Mugabe and his wife. Today begins a fresh new era and comrade Mnangagwa will help us achieve a better Zimbabwe.
— ZANU PF (@zanu_pf) November 15, 2017
Zimbabwe has not had a coup. There has been a decision to intervene because our constitution had been undermined, in the interim Comrade E Mnagngawa will be president of ZANU PF as per the constitution of our revolutionary organisation.
— ZANU PF (@zanu_pf) November 15, 2017
O alegado comunicado do ZANU-PF parece ir de encontro à teoria de que o golpe terá sido coordenado por Emmerson Mnangagwa, antigo vice-presidente do Zimbabué e braço direito de Robert Mugabe que muitos apontavam como seu possível sucessor.
No início de novembro, o governo zimbabuano anunciou o afastamento de Emmerson Mnangagwa, vice-presidente desde 2014, por alegadamente ter conspirado contra Mugabe. Os boatos que circulavam na capital, Harare, referiam uma suposta tentativa de envenenamento do Presidente, mas oficialmente Mnangagwa terá cometido um crime de “deslealdade”. Apesar de ter sido marcado para dezembro um congresso do ZANU-PF para eleger o próximo vice-presidente, Robert Mugabe já deixou claro que quer que a mulher suceda a Mnangagwa. Curiosamente, este assumiu o cargo depois de o antigo vice, Joice Mujuru, ter sido despedido na sequência de uma campanha lançada por Grace Mugabe, que o acusou de conspirar contra o marido. É certo e sabido que Grace tenciona ocupar o lugar do marido, com 93 anos, mas o plano pode sair furado.
O principal partido da oposição acredita que o “golpe” desta quarta-feira foi orquestrado pelo próprio Emmerson Mnangagwa. Eddie Cross, do MDC-T, salientou à BBC que “nada disto poderia ter acontecido sem ele”. Mnangagwa, que liderou o organismo responsável pela segurança do Zimbabué, “é um estratega brilhante”. “Acho que vamos ouvir muito em breve vamos ouvir que o Sr. Mugabe se vai retirar da vida política e que vai nomear Emmerson Mnangagwa como seu sucessor”, afirmou ainda Cross.
Victor Matemadanda, secretário-geral da Associação de Veteranos de Guerra do Zimbabué, disse à Reuters que Mugabe será tirado da presidência e da liderança do ZANU-PF. Além do presidente e da família, foi ainda detido o Ignatius Chombo, ministro das finanças e um dos líderes mais importantes do partido do poder. A informação foi confirmada à mesma agência de notícias por uma fonte governamental. O The Telegraph diz que houve uma troca de tiros à porta de casa de Chombo. O jornal fala ainda na detenção do ministro do governo local, Saviour Kasukuwere.
Gate down at Finance Minister Ignatius Chombo's house in Mt Pleasant…apparently he was one of the first to be detained by the army… pic.twitter.com/3GQqDNMcJN
— keith Tapiwa Makuni (@drmakuni) November 15, 2017
Oposição diz que golpe foi orquestrado por ex-vice-presidente. Ministro da Defesa fala em “mudança de regime forçada”
O principal partido da oposição acredita que o “golpe” desta quarta-feira foi orquestrado pelo próprio Emmerson Mnangagwa, que liderou o organismo máximo responsável pela segurança do Zimbabué. Eddie Cross, do MDC-T, salientou à BBC que “nada disto poderia ter acontecido sem ele”. “Ele é um estratega brilhante. Acho que vamos ouvir muito em breve vamos ouvir que o Sr. Mugabe se vai retirar da vida política e que vai nomear Emmerson Mnangagwa como seu sucessor.”
Robert Mugabe deveria ter feito uma comunicação ao país às 11h (hora de Lisboa), a partir da televisão estatal, a ZBC. Porém, segundo o The Telegraph, até agora nem sinal dele.
Por outro lado, Sydney Sekeramayi, ministro da Defesa do Zimbabué, alertou que há pessoas interessadas em destruir a imagem do Governo para “orquestrar uma mudança de regime forçada”. “Eles divulgam informações para deteriorar a nossa imagem, com o objetivo de orquestrar uma mudança de regime forçada”, disse Sekeramayi, que participou esta quarta-feira na X Sessão da Comissão Conjunta Permanente de Defesa e Segurança, que junta Moçambique e o Zimbabué e que decorreu em Bilene, província de Gaza, a 200 quilómetros a norte de Maputo.
Sydney Sekeramayi, que abandonou os trabalhos mais cedo para regressar ao país, disse ainda há forças que usam as redes sociais para espalhar informações que favorecem a oposição, afrontando o governo “legitimamente eleito”. “Usa-se a Internet na tentativa de destruir os governos eleitos legitimamente, através das redes sociais.”
Mubage detido em casa. Grace Mugabe poderá ter fugido para a Namíbia
Num comunicado divulgado durante a manhã desta quarta-feira, a Presidência sul-africana revelou que Mugabe está detido na casa da família em Harare, a capital do Zimbabué. Jacob Zuma, que falou com o presidente zimbabuano, garante que este está “bem”. A África do Sul garante que irá continuar a monitorizar a situação no Zimbabué e que, “à luz dos recentes eventos”, irá enviar enviados especiais ao país, que se irão encontrar com Robert Mugabe e com o Exército zimbabuano, e também a Angola. Zuma manifestou-se ainda, numa outra nota, contra qualquer mudança “inconstitucional” no Zimbabué, exortando as autoridades e o exército a “resolverem amigavelmente o impasse político” atual”.
De acordo com Eddie Cross, Grace Mugabe terá fugido para a Namíbia. A primeira-dama terá sido autorizada pelos militares a sair do país. Nick Mangwana, representante do partido zimbabuano ZANU-PF no Reino Unido, também afirmou ao canal de televisão que havia boatos de que a mulher do presidente já não está no país, garantindo, porém, que Grace Mugabe não é uma personagem importante na vida política do país — é apenas um “membro júnior do partido” e só tem poder porque é mulher do presidente. Contudo, o representante acredita que Grace “assumiu uma posição mais alta do que devia” e que, graças aos acontecimentos desta quarta-feira, o ZANU-PF poderá realizar um congresso sem interferências. O partido marcou um congresso para dezembro para eleger o novo vice-presidente do Zimbabué.
À BBC, Nick Magwana admitiu que um golpe de Estado levado a cabo pelo exército não é uma coisa normal, mas que não tem havido nada de normal em relação ao Zimbabué. “Temos um presidente com 93 anos e isso não é normal. Nem temos a nossa própria moeda.” Apesar de ter sido detido, Magwana explicou que Mugabe continua a ser presidente porque os militares não suspenderam a constituição.
Polícias desarmados e espancados em Harare
Apesar da agitação registada durante a madrugada na capital do Zimbabué, Harare, o ambiente na cidade é agora descrito como calmo, refere a BBC. Apesar disso, Harare continua a ser patrulhada por soldados e veículos blindados. As ruas que dão acesso aos principais edifícios governamentais, ao Parlamento e aos tribunais, no centro da capital, foram bloqueadas. Alguns carros têm sido mandados parar nos cruzamentos.
This is #Zimbabwe right now. A coup in all but name pic.twitter.com/9xPhpHJtYj
— Derek Momodu (@DelMody) November 15, 2017
A advogada Fadzayi Mahere, que esperava poder vir a ser eleita deputada nas próximas eleições, partilhou uma fotografia no Twitter que mostra uma fila de polícias desarmados. Ao contrário do Exército, a polícia zimbabuana permanece fiel ao governo de Mugabe. Denissa Moyannahas, residente em Harare, contou à BBC que viu polícias a serem espancados pelos militares.
https://twitter.com/advocatemahere/status/930718348689793025
Governo recomenda aos portugueses que evitem zonas de grande concentração
O Governo recomendou aos portugueses que vivem em Harare, a capital do Zimbabué, cuidados redobrados nas deslocações para o centro da cidade e que evitem zonas de grande concentração de pessoas, depois da agitação vivida durante a madrugada.
Em declarações à Agência Lusa, o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, disse que as informações que as autoridades portuguesas dispõem neste momento indicam que se trata de “acontecimentos circunscritos à dimensão política e aos atores políticos do Zimbabué” e que “não está a alastrar à restante comunidade”. “No entanto, todos os cuidados devem ser tomados, nomeadamente nas deslocações ao centro da cidade, evitando zonas de grande concentração de pessoas”, afirmou o responsável.
União Europeia apela à calma no Zimbabué. Boris Johnson pede estabilidade
A União Europeia (UE) está a acompanhar “com preocupação” a situação no Zimbabué, apelando ao diálogo e ao respeito pelos direitos dos cidadãos e à resolução pacífica da crise. “A situação no Zimbabué é uma fonte de preocupação para a UE e estamos a acompanhar de muito perto o que se está a passar no terreno”, disse Catherine Ray, porta-voz para os Negócios Estrangeiros, na conferência de imprensa diária do executivo comunitário.
A UE apelou “a todos os agentes relevantes que passem da confrontação ao diálogo com o objetivo de uma resolução pacífica”. Ray salientou também que, para Bruxelas, “os direitos fundamentais dos cidadãos têm que ser respeitados, bem como a ordem constitucional e a governação democrática”.
Boris Johnson, ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, pediu que a violência fosse evitada a todo o custo. “É difícil dizer como é que isto vai acabar. O mais importante nesta altura é deixar claro que toda a gente quer ver um Zimbabué estável e bem sucedido”, disse, citado pelo The Guardian.