O ministro da Administração Interna foi ouvido pela segunda vez por causa do Orçamento do Estado para 2018, desta vez por causa do dossier do poder local. Deixou claro que não discorda totalmente quando as bancadas dos vários partidos se queixam da insuficiência da verba transferida para as autarquias, sobretudo num ano em que se preparam para ganhar mais competências. Mas nisto, Eduardo Cabrita partilha a responsabilidade com o Parlamento: “Se não aprovarem a lei quadro, nem a Lei de Finanças Locais, continuaremos fundamentalmente no quadro marcado por todas as insuficiências que todas as bancadas caracterizam”. E ainda somou mais encargos aos municípios, em matéria de prevenção de incêndios.
Foram quatro horas de audição dedicada ao poder local neste Orçamento, com Cabrita a insistir na “convergência” parlamentar para que o dossier que já trouxe do cargo de ministro Adjunto (onde esteve até outubro, altura em que foi substituir a ministra da Administração Interna que se demitiu) seja concluído rapidamente: a descentralização de competências para as autarquias locais. Mas a tarefa não se adivinha fácil e, no Parlamento, o PCP foi um dos partidos que mais avisou para as a falta de recursos nas autarquias. A deputada Paula Santos abriu logo a intervenção comunista a “lamentar que a recuperação da autonomia dos municípios não seja acompanhada dos meios necessários para que as autarquias possam exercer as suas competências. Mais um ano que a Lei de Finanças Locais não é cumprida”.
E os comunistas têm contas feitas: “É inaceitável que o Governo não cumpra pelo terceiro ano consecutivo a Lei das Finanças Locais. Com isso, ficam a faltar 314 milhões de euros que seriam fundamentais para que os municípios pudessem desenvolver o seu trabalho”. E mais: “O não cumprimento da Lei já retirou aos municípios da última década 3,6 mil milhões de euros”.
O ministro passa a bola para o lado de lá da bancada onde se senta o Governo, de alguma forma admitindo que o que está previsto transferir no próximo ano (2,7 mil milhões de euros, um aumento aquém do que está definido na lei) é pouco, quando desafia os partidos a aprovarem o pacote legislativo que faz parte da descentralização e assume que, se não o fizerem, “as insuficiências” ficam na mesma. Este foi, aliás, um capítulo de especial tensão na negociação deste Orçamento entre o então ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, e o ministro das Finanças, Mário Centeno. Nessa altura, Cabrita até chegou ao fim da negociação orçamental sublinhando publicamente “um diferencial de cerca de 70 milhões de euros” entre a transferência que consta no Orçamento e os critérios da Lei das Finanças Locais.
Sem mais recurso a queixas indiretas e perante as criticas das várias bancadas sobre as verbas transferidas, o ministro acabou depois por fixar-se no copo meio cheio e sublinhou o “crescimento de 136 milhões de euros nas transferências para os municípios em relação a 2015″, ou seja, compara diretamente com a herança do Governo anterior para se defender.
Além disso, aproveitou ainda para anunciar novas valências para as autarquias, que vão surgir esta sexta-feira, entre as propostas de alteração ao Orçamento que estão a ser ultimadas. Dois exemplos:
- Os municípios terão 65 milhões de euros para “recuperar equipamentos municipais” destruídos nas três fases de incêndios deste verão: no incêndio de Pedrógão Grande, nos incêndios de julho e agosto e nos incêndios de outubro;
- Os municípios passarão a ter a incumbência de apoiar a limpeza de terrenos, “garantindo a proteção das habitações e das zonas envolventes” através de uma linha de crédito no valor de 46 milhões de euros.
Mas o ministro acabou por explicar, depois, que este último apoio para a limpeza de terrenos será, mais tarde, reembolsado pelos municípios, “na medida em que recuperem dos proprietários aquilo que for devido” ou na medida em que consigam “ter receitas, designadamente pela alienação de madeiras que resultem da ação de limpeza”.
Quanto à descentralização, que pretende ter em marcha agora que se iniciam os novos mandatos autárquicos, o ministro aproveitou o momento para apertar os partidos quanto à definição de um “calendário, que possa ser fiscalizado pela Assembleia da República”, para concretizar medidas. “Não podemos dizer que queremos descentralização mas depois não conseguir concretizar aqui, em medidas, competências, meios e recursos. A responsabilidade é de todos“. O ministro diz mesmo que é momento de “encontrar as convergências necessárias para que o debate seja sobre a concretização e não sobre a expectativa mais ou menos exigente sobre o futuro do poder local”, sobretudo agora que já se passou a fase do combate eleitoral autárquico.