Os partidos apresentaram mais de 640 propostas de alteração à proposta de Orçamento do Estado para 2018 entregue pelo Governo à Assembleia da República, mas acabou por ser o descongelamento das progressões dos professores que mais atenção roubou no último dia que para tentar alterar o Orçamento, devido a uma questão que os partidos que suportam o Governo já tinham conhecimento há mais de um mês. Ainda assim, nada ficou decidido.
Conta ou não conta o tempo de serviço dos professores durante o período em que as carreiras estão congeladas? A questão ainda está a ser negociada entre o Governo e os sindicatos, mas PCP, Bloco de Esquerda e até o PS apresentaram propostas sobre o tema. Nenhuma delas, no entanto, resolve o problema.
A questão das progressões está a ser negociada, pelo menos, desde antes da campanha eleitoral para as eleições autárquicas, no final de setembro e início de outubro. Desde essa altura que os partidos à esquerda sabem que o Governo não tinha qualquer intenção de contar este tempo de serviço.
De acordo com fontes com conhecimento das negociações, o Governo transmitiu aos partidos ainda em setembro que reconhecer o tempo de serviço durante o período do congelamento faria com que o custo estimado com as progressões passasse de cerca de 400 milhões de euros para mais de 1000, no total. Só os professores mais que duplicariam o valor previsto.
A questão esteve em cima da mesa e os partidos tentaram que o Governo apresentasse uma solução, ainda que parcial, para este problema, mas isso não chegou a acontecer, com o Governo a argumentar que a lei estava do seu lado.
Mais tarde, ainda antes da entrega da proposta de Orçamento, os partidos conseguiram algumas concessões do lado do Governo, como o descongelamento total das carreiras ainda durante a atual legislatura, ainda que de forma faseada, mas esta questão ficou por resolver.
Seria mais tarde, com os protestos dos professores, que a questão ganharia força. O Governo tem-se mantido irredutível neste capítulo. Pagar os aumentos salariais que resultariam do reconhecimento deste tempo de serviço entre 2010 e 2017 seria incomportável para as contas públicas, no entender do Governo, com António Costa a dizer publicamente que a fatura anual seria de 650 milhões de euros.
O próprio ministro das Finanças defendeu a sua posição, dizendo que não se pode tratar de forma igual o que não é igual, palavras suas durante a audição desta sexta-feira na Comissão Parlamentar de Orçamento.
Mário Centeno lembrou ainda que as progressões dos professores já vão custar ao orçamento 115 milhões de euros no próximo ano: o valor abrange os aumentos salariais devidos a quem perfaz o tempo de serviço necessário para avançar na carreira durante o ano de 2018 — mesmo sem contar com o tempo de serviço entre 2010 e 2018 –, a que se juntam os aumentos para os professores contratados que não foram colocados no escalão devido.
Mas os professores não parecem dispostos a deixar cair o tema e a pressão chegou à Assembleia da República. O PCP e o Bloco de Esquerda deixaram a questão para a negociação coletiva, mas tinham avisado que, sem um acordo, avançariam com uma proposta para que o tempo fosse todo contado. A forma de fazer a reposição salarial que resultaria dessa contagem do tempo de serviço seria deixada em aberto. E assim foi: os dois partidos apresentaram propostas nesse sentido.
O PS tentou manter a sua posição, com uma cedência parcial. O partido do Governo apresentou uma proposta que contempla a possibilidade da contagem desse tempo de serviço, mas que atira a definição do prazo e do modo da reposição para a negociação com os sindicatos. Os socialistas fazem depender tudo da “sustentabilidade e compatibilização com recursos disponíveis”. Nenhuma das propostas garante aumentos durante o próximo ano, nem há proposta de fundos no Orçamento para o fazer.
Fim do corte no subsídio de desemprego: sim. Aumento da derrama: “nim”
Outra das novelas deste orçamento tem sido as promessas que o Governo (ou alguém no Governo) terá feito aos partidos sobre várias medidas a aprovar na especialidade, ainda antes de ser apresentada a proposta de lei.
O Governo não quis incluir na proposta inicial o fim do corte de 10% no subsídio de desemprego e o aumento de 7% para 9% da derrama estadual aplicada sobre os lucros das empresas acima de 35 milhões de euros, mas o Bloco de Esquerda e o PCP têm dito sucessivamente em público que o Governo lhes deu a garantia que essas medidas seriam aprovadas na especialidade.
Vários membros do Governo foram questionados sobre o tema nas últimas semanas, mas nenhum se comprometeu. Esta sexta-feira chegou alguma definição sobre o tema. Carlos César, líder parlamentar do PS, disse que aprovaria uma proposta nesse sentido, caso ela fosse apresentada.
Mas Carlos César não deu a mesma garantia sobre a derrama. Questionada pelos jornalistas sobre o tema, Carlos César disse que só abria uma exceção para falar das propostas dos outros partidos no que dizia respeito ao fim do corte no subsídio de desemprego. E acabou por não responder à questão do aumento da derrama, uma proposta que os ministros das Finanças e da Economia consideram que daria um sinal errado.
Défice sobe para 1,1% devido à resposta aos incêndios
Depois dos incêndios no centro do país era preciso dar uma resposta e essa resposta vai custar dinheiro ao orçamento. Esta sexta-feira ficou a saber-se quanto: mais 387 milhões de euros.
O orçamento já tinha cerca de 301 milhões de euros para a resposta aos incêndios, na sequência do incêndio de Pedrógão Grande, mas os fogos que deflagraram no centro do país no fim-de-semana imediatamente após a apresentação do Orçamento exigiram um esforço maior. Assim, aos 301 milhões previstos, o PS apresentou propostas que aumentam o esforço global para quase 690 milhões de euros. Destes, no total, o Governo está a contar que tenham impacto no défice 222 milhões de euros, o que fará aumentar o défice previsto para 1,1% do PIB.
Isto acontece porque os fundos chegarão através de linhas de crédito e da utilização de fundos europeus. A Comissão já fez saber que pelo menos parte deste esforço não deverá contar para os cálculos do défice (para efeito de apuramento do cumprimento das regras orçamentais), já que se trata de uma resposta a uma situação excecional.
O PCP e o Bloco também apresentaram pacotes de medidas para dar resposta aos incêndios. O PCP quantificou o impacto orçamental das propostas e diz que custariam 785 milhões de euros só no próximo ano (valor que acresce aos 301 milhões já previstos no orçamento) e outros 375 milhões de euros até 2020.
Entre as propostas estão o reforço dos fundos para reconstrução e o apoio às economias locais, mas a lista é vasta.
Regime simplificado será menos complicado
Foi o tema que mais celeuma causou no que a impostos diz respeito. O Governo promoveu alterações ao regime simplificado (recibos verdes), garantindo que não tinham qualquer impacto para a grande maioria dos contribuintes. Depois de feitas as contas, os partidos pediram explicações e o Governo, continuando a defender a sua proposta, acabou por ceder.
Na proposta apresentada pelo PS, os contribuintes deixam de ter de justificar despesas a a partir dos 16.416 euros anuais de rendimento e passam a fazê-lo apenas a partir dos 27 mil euros.
Atualmente, os trabalhadores veem deduzidos automaticamente 25% das despesas, no caso dos profissionais liberais, e 65% para os outros prestadores de serviços. Em ambos os casos, terão de justificar apenas 15% das despesas. Mas só quem tiver rendimentos acima de 27 mil euros anuais terá de justificar as despesas.
Na nova proposta do PS, o âmbito da aplicação será também restringido a profissionais liberais e ao alojamento local, deixando de fora os agricultores e pequenos comerciantes.
O tipo de despesas que poderá ser deduzido também será alargado na nova proposta. Os contribuintes poderão passar a deduzir despesas com imóveis, por exemplo. As rendas dos imóveis arrendados são aceites, tal como a despesa com a amortização do investimento no caso dos imóveis próprios, despesa essa que será calculada automaticamente pelo fisco a partir do Valor Patrimonial Tributário do Imóvel.
As cativações que perduram
Desde julho que os partidos, principalmente o Bloco de Esquerda, têm exigido mais transparência ao Governo nas cativações e exigem limites. Os valores historicamente altos das cativações em 2016 – tanto o cativado inicialmente como o valor final – que foram conhecidos em julho abriram a discussão: está o Governo a executar o Orçamento prometido? Está Mário Centeno a contornar o Parlamento nas decisões orçamentais?
O Bloco não deixou cair a questão e tem conseguido pequenas vitórias, mas Mário Centeno não quer abrir mão daquele que é o seu mais poderoso instrumento de gestão orçamental e que lhe dá uma grande margem de discricionariedade.
Para já, Mário Centeno aceitou cativar um pouco menos na aquisição de bens e serviços — só quando as despesas ultrapassarem um crescimento de 2% face ao ano de referência, antes o congelamento era aplicado a partir do momento em que se verificasse um aumento –, e permitiu isentar de cativações alguns serviços da administração indireta da saúde (casos do INEM e da Direção-Geral de Saúde, mas não só). Também se comprometeu a apresentar dados a cada três meses sobre a evolução das cativações.
No entanto, os partidos querem mais. PCP e Bloco de Esquerda pedem mais programas orçamentais isentos de cativações (PCP) e um reporte mensal da evolução das cativações, além de um limite global ao montante que pode ser cativado dos orçamentos. O Bloco diz que tem confiança que essa medida ainda vá ser aprovada, mas até agora não há sinal público do Governo de que tal vá acontecer.
BE consegue alargar complemento Solidário para Idosos para pensões pedidas durante o resgate
Entre as mais de 100 propostas que tem para alterar a proposta de Orçamento, o Bloco conseguiu também que quem pediu reforma antecipada durante o período do resgate por se encontrar numa situação de desemprego de longa duração vá poder ter acesso ao Complemento Solidário para Idosos.
A medida vai custar cerca de 10 milhões de euros e, para já, o acordo só existe para que esta medida seja aplicada a este grupo, que o partido apelida de “Lesados de Mota Soares (ministro da Segurança Social do anterior Governo)”.
O Bloco pretende alargar esta medida aos restantes pensionistas que pediram reforma pelo mesmo motivo, o que duplicaria o custo da medida para 22 milhões de euros, mas ainda não tem acordo do Governo para que essa medida seja aprovada.
Pais vão poder deduzir mais das rendas dos estudantes
A proposta é do PS e deve ter aprovação garantida pela esquerda. Na proposta de Orçamento, o Governo já propunha que os pais pudessem deduzir até 200 euros das rendas dos filhos a estudar fora em despesas de educação – uma dedução que com maior percentagem de retorno -, desde que os estudantes tenham menos de 25 anos e estejam a estudar a mais de 50 quilómetros da habitação dos pais.
Municípios com programas de ajustamento vão poder baixar IMI
O PS também quer dar a possibilidade aos municípios que estiverem sujeitos a programas de ajustamento municipal de baixar a taxa de IMI que aplicam para valores inferiores ao limite máximo legal de 0,45%, desde que consigam cumprir com os compromissos assumidos no âmbito destes programas de ajustamento.
Vários municípios aplicaram taxas abaixo do máximo legal – algo que a lei permite – sendo que apenas os que estavam obrigados por lei a aplicar a taxa máxima o fizeram. Esta taxa máxima de 0,45% tem de ser aplicada pelos municípios que estão sujeitos a programas de ajustamento municipal. Com esta proposta, estes municípios deixam de estar sujeitos a esta obrigação e podem aplicar taxas mais baixas. No entanto, isto só pode acontecer se os compromissos que os municípios assumiram nestes programas estiverem assegurados.
Valor máximo da propina volta a ser congelado
Pelo terceiro ano consecutivo, o valor máximo das propinas a pagar pelos estudantes do Ensino superior vai ficar congelado. Esta proposta tinha sido inicialmente feita pelo PCP em 2016 e desde então tem figurado sempre nos orçamentos.
Este ano o PS avança com a medida e fica tudo na mesma. A propina máxima deverá assim manter-se nos 1.063 euros no próximo ano lectivo.
Mais dinheiro para apoiar o programa Porta 65 para o arrendamento jovem
O anúncio foi feito por João Paulo Correia, coordenador das matérias orçamentais no Parlamento pelos socialistas, e dá a possibilidade ao Tesouro para transferir até um máximo de 18 milhões para o instituto que gere o Porta 65, mais três milhões do que no ano passado.
Receita do imposto batata frita consignado ao Serviço Nacional de Saúde
PCP, PSD e CDS-PP disseram que não vão deixar passar o imposto sobre os produtos com elevado teor de sal quando na próxima quinta-feira este imposto for votado, mas o PS parece não desistir da sua proposta, que o Governo prevê que renda 30 milhões de euros.
Os socialistas apresentaram uma proposta de alteração ao Orçamento que prevê que a receita deste imposto seja consignada ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), o que poderia contornar algumas das objeções dos comunistas, que entendem que a via fiscal não é a melhor forma de se mudarem hábitos de consumo.
PS quer empresas a pagar Segurança Social pelos jovens que contratarem para trabalhar nas férias
A proposta do Governo já previa que os jovens que trabalhassem nas férias tivessem de pagar IRS – 10% através da retenção na fonte – e agora o PS quer também que as empresas deem o seu contributo, pagando uma taxa de 26,1%, mais do que taxa paga pelas empresas pelos trabalhadores ‘normais’, que é de 23,75%.
Todos os estudantes com direito a desconto no passe social
O Governo já tinha dado a entender que aprovaria esta proposta dos Verdes e agora o PS apresentou mesmo uma proposta nesse sentido. Assim, independentemente do rendimento da família, todos os estudantes com idades entre os 4 e os 18 anos terão direito a um desconto de 25% no preço do passe escolar.
Esta medida deverá entrar em vigor a partir do ano letivo 2018/2019