O fiscalista Luís Leon alertou para que as mudanças propostas pelo PS ao regime simplificado de IRS têm uma “armadilha fiscal” que pode fazer com que a afetação de um imóvel à atividade profissional “custe caro numa venda futura”.
Entre as mais de 100 propostas de alterações ao Orçamento do Estado para 2018, apresentadas pelo PS na sexta-feira, está uma sobre o regime simplificado de IRS, que deixa de fora os agricultores e os pequenos comerciantes e que exige aos profissionais liberais e outros prestadores de serviços, como os do alojamento local, que justifiquem 15% das despesas, onde, entre outras, se incluem as relativas a imóveis.
Em declarações à Lusa, tanto Luís Leon, da Deloite, como Mariana Gouveia de Oliveira, da Miranda Advogados, destacaram que “a médio prazo” a afetação do imóvel à atividade profissional pode ser fiscalmente desvantajosa e implicar um agravamento fiscal para os contribuintes que tomem esta opção.
Luís Leon diz mesmo que a afetação das despesas com imóveis à atividade pode “tornar-se numa verdadeira armadilha fiscal” cujo impacto financeiro se revelará no momento em que o imóvel for vendido.
Um exemplo: “um tradutor, um advogado, um engenheiro, um arquiteto, etc. que trabalhe em casa pode querer afetar uma parte das despesas com o imóvel para preencher os tais 15% de deduções que precisam de justificação”, mas “é preciso ter cuidado porque, no momento em que afeta o imóvel à atividade, pode ser apurado uma mais-valia”.
Neste caso, haverá lugar ao pagamento do imposto sobre a mais-valia, ainda que esta obrigação fique “suspensa até vender o imóvel a um terceiro ou até tirar o imóvel da atividade”.
No mesmo sentido, Mariana Gouveia de Oliveira alerta para “as potenciais consequências adversas da afetação dos imóveis próprios à atividade profissional”, considerando que, “em muitos casos, será a forma aparentemente mais simples de justificar os 15% de despesas”.
O problema é que, “ao contrário do que a maior parte das pessoas julga, (…) a afetação do imóvel particular à esfera profissional é equiparada a uma alienação de imóvel a valores de mercado”, o que, por sua vez, implica o apuramento de mais-valias no momento da alienação.
Além disso, os dois fiscalistas sublinham que a tributação destas mais-valias apuradas é agravada: é que “a mais-valia que venha a existir após a afetação do imóvel à atividade é tributada em 95% e não em 50%, como seria se não fosse afeta à atividade”, apontou Luís Leon.
Além disso, o especialista em IRS disse que, “estando o imóvel afeto à atividade, deixa de se aplicar a possibilidade de reinvestimento das mais-valias com habitação própria e permanente”.
Mariana Gouveia de Oliveira alerta, por isso, para que “a decisão de afetar o imóvel à atividade profissional pode implicar um agravamento muito significativo da tributação”, ainda que admita que possa haver situações em que “esta afetação dos imóveis conduza a uma otimização fiscal”, recomendando, no entanto, que esta opção seja “cuidadosamente analisada”.
Luís Leon adverte que “afetar um imóvel à atividade pode custar caro numa futura venda” e que estas mudanças propostas “estão longe de assegurar que ninguém em Portugal vai pagar mais IRS em 2018 do que em 2017”.
Isto porque – acrescenta – “parece evidente que das alterações propostas resulta um aumento da receita fiscal de IRS sobre os rendimentos dos recibos verdes e de outros rendimentos de prestação de serviços, nomeadamente do alojamento local”, pelo que “a redução de impostos não é para todas as pessoas singulares”.
Atualmente, o regime simplificado de IRS destina-se aos trabalhadores independentes – onde se incluem os profissionais liberais (como advogados, cabeleireiros, explicadores, jornalistas, dentistas, veterinários e lojistas) mas também os agricultores e os empresários por conta própria – e permite que não sejam consideradas as despesas suportadas com a atividade no apuramento do rendimento tributável, sendo aplicado um coeficiente.
Na prática, este mecanismo funciona como uma dedução automática ao rendimento, fazendo com que o imposto incida apenas sobre uma parte do rendimento. Por exemplo, o rendimento ganho pelos profissionais liberais é considerado apenas em 75%, presumindo-se automaticamente despesas de 25% do rendimento.
Na proposta de OE2018, apresentada em 13 de outubro, o Governo tinha já introduzido alterações ao regime para limitar aquelas deduções automáticas, uma medida que foi amplamente criticada e que o executivo disse que ia melhorar.
Com a proposta de alteração agora apresentada pelos socialistas, os agricultores e os pequenos comerciantes não são abrangidos pelas mudanças ao regime e os profissionais liberais e os outros prestadores de serviços, como os do alojamento local, continuarão a ter uma parte das despesas presumida automaticamente, mas outra parte passa a depender das despesas apuradas.
Os coeficientes de tributação previstos no código do IRS vão manter-se, mas, para beneficiarem plenamente deles, os contribuintes terão de justificar uma parte das despesas (15%), sendo que uma parte é preenchida “através da inclusão de uma dedução específica de 4.104 euros, bem como dos montantes das contribuições para regimes de previdência social obrigatória” na parte que atualmente não é dedutível.
Para alcançar estes 15% também serão considerados os encargos com pessoal, as rendas de imóveis afetas à atividade que constem de faturas comunicadas ao Fisco e outras despesas, designadamente as despesas com “materiais de consumo corrente, eletricidade, água, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, rendas de locação financeira, quotizações para ordens e outras organizações representativas de categorias profissionais respeitantes ao sujeito passivo, deslocações, viagens e estadas do sujeito passivo e dos seus empregados”.
Na justificação que acompanha a proposta de alteração, os socialistas referem que “o objetivo da medida é uma maior equidade, aproximando-se do princípio da tributação pelo rendimento líquido”, mas sem implicar “um agravamento de impostos sobre os chamados ‘recibos verdes'”.