“Está escuro aqui para escrever, mas vou tentar pelo tato. Parece que não há possibilidades, 10-20%. Vamos torcer para que pelo menos alguém leia isto. Cumprimentos a todos. Não há necessidade de ficarem desesperados.”
— Capitão-Tenente Dmitri Kolesnikov
Este bilhete foi encontrado no bolso de Dmitri Kolesnikov, o capitão-tenente de 27 anos que fazia parte da equipa de 118 pessoas a bordo do submarino russo Kursk. O bilhete foi escrito às 13h15 do dia 12 de agosto de 2000. Nele, o capitão-tenente informava que as pessoas das secções seis, sete e oito se tinham movido para a secção nove do submarino. “Há 23 pessoas aqui. Tomámos essa decisão porque nenhum de nós pode escapar. Estou a escrever isto às escuras”, escreveu ainda. A carta de Dmitri Kolesnikov, apesar de dirigida à família, é a única prova existente de que houve 23 sobreviventes às duas explosões que destruíram grande parte do submergível.
A carta é muito pessoal e vai ser entregue à família. Ainda assim, fornece informação oficial”, disse o vice-almirante da Frota do Norte da Marinha Russa, Mikhail Motsak, na altura, ao The Telegraph.
O corpo de Dmitri Kolesnikov foi um dos primeiros a ser encontrado. O submarino Kursk afundou no dia 12 de agosto de 2000 com as 118 pessoas a bordo, na sequência das explosões. O submergível com 154 metros de comprimento ficou a uma profundidade de 116 metros, no mar de Barents, a este da Peninsula Rybachi, a 80 quilómetros da costa.
As 118 pessoas por compartimento
O submarino era movido a energia nuclear. Este Oscar II — embarcações com capacidade para lançar mísseis, criados para combater os grupos de ataque de porta-aviões da NATO — tinha deixado a base de Vidiayevo dois dias antes. Era a primeira grande missão a larga-escala da Marinha Russa em dez anos — dela faziam parte 30 navios e três submarinos — e a primeira desde a queda da União Soviética.
Às 7h30 do dia 12 de agosto de 2000, duas explosões foram registadas no mar de Barents, a norte da Noruega e da Rússia, pelo instituto de sismologia norueguês. A primeira explosão — que criou um abalo de 1.5 na escala de Richter — foi tão grande que destruiu de imediato quatro dos nove compartimentos do submarino e matou 95 dos tripulantes. A segunda explosão — de 4.2 na escala de Richter — causou ainda mais destruição e moveu o submarino para 400 metros do local onde estava inicialmente. Os 23 sobreviventes morreram num período de 6 e 32 horas após o acidente, por falta de ar.
O submarino Kursk tinha capacidade para transportar 24 mísseis nucleares ou convencionais pelo que a probabilidade de a explosão estar relacionada com uma arma nuclear era elevada. Ainda assim, o alarme não foi lançado de imediato. Durante 12 horas, esperou-se por um sinal do Kursk mas ao fim desse período, nada. Nem sinal, nem comunicação detetadas. O Kursk foi considerado então como estando em perigo e a operação de resgate começou.
Cinco horas depois, às 00h30 do dia 13 de agosto, o submarino foi encontrado no fundo do mar. Navios de resgate chegaram à área onde estava localizado. Às 3h00, o acidente foi reportado ao presidente russo, Vladimir Putin.
Local onde foi encontrado o submarino Kursk
No dia seguinte, 14 de agosto, um relatório das autoridades confirmava que o submarino Kursk estava assente no fundo do mar e não havia armas nucleares a bordo. Ainda assim, as autoridades norueguesas fizeram um pedido informal sobre a situação da radiação na área.
Dois dias depois de o submarino ter sido encontrado, a marinha russa informou que estava disponível para aceitar qualquer assistência externa. Nos seis dias que se seguiram, Noruega, Reino Unido, Alemanha e Holanda enviaram navios e quiserem dar apoio. Nem todo foi aceite. Putin, que tinha acabado de assumir pela primeira vez o poder, temia que esses países descobrissem segredos militares que o Kursk continha. E, por isso, recusou alguma dessa ajuda internacional, que só viria a ser aceite muito mais tarde.
A 19 de agosto, equipas de mergulhadores das Forças Armadas da Noruega partiram em direção ao submarino — um dia depois do planeado já que as últimas atividades dos navios russos de resgate representavam um possível perigo para os mergulhadores.
A descida até ao submarino começou ao meio-dia do dia 20 de agosto — oito dias depois de o submarino Kursk ter sido dado como desaparecido. Os procedimentos para tentar abrir as portas de resgate duraram cerca de 24 horas. Ao meio-dia de 21 de agosto, foi confirmado: toda a tripulação estava morta.
O desastre do Kursk foi considerado umas das maiores tragédias subaquáticas da história.
Como se procura um submarino, uma “arma discreta” feita para não ser encontrada?
O que afundou o submarino “inafundável”?
Quando os mergulhadores chegaram ao submarino, encontraram-no completamente inundado, acabando com as fracas esperanças de que alguns dos tripulantes puderem ser encontrados vivos. Vídeos revelados mais tarde mostraram danos ao longo de toda a extensão do submergível. Demorou um ano até que os restos do submarino fossem recuperados totalmente. Nesse período, não pararam de ser feitas especulações: o que teria afundado o navio considerado “inafundável”?.
Algumas autoridades russas insistiam na teoria de que a explosão terá sido causada por uma colisão. Um oficial sénior da Frota do Norte da Rússia chegou a culpar um submarino nuclear da Marinha Real do Reino Unido. No entanto, um engenheiro especialista em torpedos — projéteis explosivos que operam debaixo de água — rejeitou a teoria da colisão.
Com a robustez do casco, é muito improvável que uma colisão cause tanto dano ao Kursk”, disse, na altura, o engenheiro.
Um acidente com armas convencionais e combustíveis continua a ser a explicação mais provável. Até porque, relatórios divulgados posteriormente revelaram que estavam a ser feitos exercícios de disparo de armas.
O desastre do Kursk, há 17 anos, vem à memória quando na Argentina a esperanças de salvar os 44 tripulantes do submarino argentino San Juan, que desapareceu há mais do que uma semana, são quase nulas. Às 7h30 locais (10h30 em Lisboa) do dia 15 de novembro, a embarcação San Juan fez o último contacto com a base a reportar uma avaria elétrica. Os 44 marinheiros a bordo tinham condições para sobreviver pelo menos ao longo de sete dias dentro do navio. Esse período de tempo já passou e o submarino ainda não foi encontrado.