Cédric Rey, 29 anos, paramédico de profissão e antigo bombeiro voluntário. Sobre estes factos parece não haver dúvidas, mas o mesmo não pode ser dito sob a etiqueta de ‘sobrevivente’ que Cédric ostentou nos últimos dois anos. Depois de ter garantido que tinha sobrevivido ao ataque no Bataclan, o jovem francês é agora condenado por fraude.
Aos media franceses, Cédric contou repetidamente a mesma história sobre a noite de 13 de novembro de 2015: Rey diz que estava a beber uma cerveja no terraço do Bataclan com dois amigos quando os atacantes começaram a disparar, revela que ajudou uma pessoa ferida com os seus conhecimentos de paramédico e relata o trágico momento em que lhe apontaram uma Kalashnikov que acabaria por balear uma mulher grávida, que se atravessou no caminho entre Cédric e o atacante.
A história, ficou agora provado em tribunal, é falsa. Cédric estava em Yvelines, a cerca de 30 kms de Paris, quando o ataque ocorreu — como ficou provado pelo sinal do seu telemóvel. Para além disso, como revelaram fontes da investigação à AFP, as autoridades desconfiaram inicialmente do relato de Rey por não haver nenhuma grávida entre as vítimas do Bataclan.
O tribunal condenou-o a dois anos de prisão, com 18 meses da pena suspensa, por fraude. Rey, que agora vivia na Nova Caledónia, estava em prisão preventiva há um mês, desde que passou pela capital francesa em viagem e foi chamado a prestar declarações. De acordo com o Libération, as perícias psiquiátricas revelaram “falhas narcisistas”, “mal-estar existencial” e “necessidade de valorizar a sua imagem”, mas garantem que o jovem não sofre de nenhum “transtorno psíquico”.
“O dinheiro nunca foi o meu objetivo”
O falso sobrevivente alimentou a ficção de que esteve no Bataclan naquela noite durante dois anos. Deu várias entrevistas a órgãos de comunicação social, como uma ao Libération onde recordou o som dos tiros, que classificou menos como “petardos” e mais como “um som de tarola” (ou caixa, um tipo de tambor). Para além disso, Cédric Rey envolveu-se num grupo de sobreviventes chamado “Vida para Paris”, chegando a organizar um dos encontros em sua casa. O falso sobrevivente fez inclusivamente uma tatuagem em memória dos atentados, com o rosto de Marianne (a figura-símbolo da República Francesa) a chorar uma lágrima de sangue, um desenho do Bataclan e a legenda “Paris — 13.11.15”.
Rey estava também a candidatar-se ao Fundo Garantido para Vítimas de Terrorismo e Outros Atos Criminais, a fim de ser indemnizado. “Cédric Rey queria ser reconhecido como uma vítima para existir, mas queria ser compensado pelas suas pretensas qualidades”, declarou o procurador na sessão do julgamento. “O dinheiro nunca foi o meu objetivo”, garantiu o arguido em tribunal. “Foi para formalizar o meu status de vítima, para estar com eles”, disse, acrescentando que tudo aconteceu num momento mau da sua vida e que os restantes sobreviventes o fizeram sentir-se bem consigo mesmo. “Encontrei o apoio que precisava.”
Aos investigadores, um colega de trabalho chegou a comentar que Cédric “nunca se sentiu realizado como paramédico” e que “muito provavelmente sofre de complexo de herói”. O próprio admitiu em tribunal que se sentia em baixo no trabalho, quando comparado com os três irmãos que tinham carreiras bem sucedidas na área da Engenharia, e que tinha tido problemas amorosos à altura.
Rey irá agora cumprir mais cinco meses de prisão efetiva (está detido há um mês), e enfrenta depois outros 18 meses de pena suspensa. Aos media, Jérôme Bertin, da associação France Victimes, lamentou as consequências dos seus atos que “lançam suspeições sobre toda a gente” e que “perturbam as vítimas reais, que começam a ter de se justificar perante todos”. Este não é a primeira condenação por fraude relacionada com os atentados do Bataclan: ao todo, sete outras pessoas já foram condenadas por crimes semelhantes. Ainda na semana passada, como recorda a France 24, um jovem cantou uma música num espetáculo televisivo em homenagem ao amigo “Alexandre”, que teria morrido no ataque; os dados viriam a revelar que ninguém com esse nome morreu no Bataclan.