As autoridades angolanas e portuguesas estão a estudar a possibilidade de transferência para Luanda do processo que corre em Portugal contra o ex-vice-Presidente da República Manuel Vicente. Quem o diz é o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola.
Segundo o ministro Francisco Queiroz, no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) há acordos no domínio judiciário que preveem a possibilidade de transferência de processos desta natureza e que podem ser acionados.
“Há um espaço para a transferência de processos. O assunto está a ser tratado e não seria prudente para ninguém fazer declarações precipitadas que possam ser objeto de leituras diversas, para não atrapalhar todo o trabalho que está a ser feito”, afirmou o ministro, citado na imprensa estatal angolana de sábado.
O Observador já contactou a Procuradoria-Geral da República no sentido de confirmar a hipótese avançada pelo ministro da Justiça angolano mas, até ao momento, ainda não recebeu qualquer resposta.
Em causa está o caso “Operação Fizz”, processo em que o ex-vice-Presidente de Angola e ex-presidente do conselho de administração da Sonangol, Manuel Vicente, foi formalmente acusado pelo Ministério Público português de corrupção ativa e branqueamento de capitais. Vicente é suspeito de alegadamente ter corrompido Orlando Figueira, quando este era procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) com o alegado objetivo de ver arquivado um inquérito onde o ex-governantes angolano era suspeito de branqueamento de capitais.
O início do julgamento está marcado para 22 de janeiro, no Tribunal Judicial de Lisboa, contudo, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola afirma tratar-se de um caso “sério e muito delicado”, por envolver uma questão de soberania.
“Há apenas uma suspeição, mas esta suspeição é muito vaga, e não se pode trabalhar com base em juízos que assentem apenas em suspeições. Por isso, considero que ainda é prematuro falar de julgamento”, afirmou.
O chefe da diplomacia angolana defendeu, no final de novembro, a transferência para a Justiça do país do processo que em Portugal envolve Manuel Vicente, mas garantindo que Angola sobreviverá a uma crise de relações com Portugal.
Em declarações à imprensa, o ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, alertou igualmente que Angola não está à procura de “briga”, mas que não vai fugir dela, para defender a soberania e dignidade do país.
Com este pedido, realçou, o Estado angolano está apenas a fazer recurso a um instrumento judiciário que existe entre os dois países, de cooperação em matéria judicial.
Para Manuel Augusto, a desconfiança que o Ministério Público (MP) português apresenta em relação à Justiça angolana, de que a mesma não vá levar “esse caso com a seriedade necessária”, “é um juízo de valor que não pode existir”.
“Portugal e o seu poder político não têm o direito de pôr em causa o nosso sistema judiciário [angolano] até porque se assinaram com Angola um acordo judiciário, é porque reconheceram em Angola um parceiro credível para esse tipo de acordo. Aqui é um problema de soberania, não é um problema de birra, de complexo”, disse.
A 04 de outubro último, o então procurador-geral da República de Angola disse que as autoridades portuguesas chegaram a equacionar o envio do processo com a investigação ao ex-vice-Presidente angolano para Luanda, mas que recuaram após a publicação de uma Lei de Amnistia.
“Já tivemos várias abordagens. Numa primeira fase, o processo esteve quase a ser transmitido para as autoridades angolanas, as autoridades portuguesas depois fizeram um recuo, quando souberam que tinha sido publicada uma Lei da Amnistia em Angola. Daí para cá tem havido contactos, não só ao nível do Ministério Público, mas também ao nível do Estado, através do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos”, explicou o procurador, questionado pela Lusa.
Sob proposta do então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, o parlamento angolano aprovou em 2016 uma Lei da Amnistia, que entrou em vigor a 12 de agosto do mesmo ano, abrangendo todos os crimes comuns puníveis com pena de prisão até 12 anos cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros até 11 de novembro de 2015, excetuando os de sangue.