Já passava das 21h15 quando Pedro Santana Lopes subiu (pela segunda vez) ao palco do pavilhão Carlos Lopes para fazer o encerramento da convenção da sua candidatura. O atraso em relação ao calendário previsto já ia em mais de duas horas. Por isso não perdeu tempo e entrou a arrasar o adversário, Rui Rio, e a “pedir desculpa” — mas com ironia — pelas “trapalhadas” mais célebres que cometeu nos escassos meses em que foi primeiro-ministro em 2004. Foi mais uma tentativa de esvaziar os previsíveis ataques do adversário ao seu passado como primeiro-ministro-relâmpago, já que ainda faltam dois debates (um na televisão, outro na rádio) antes de cortarem a meta no sábado. Por falar em debate, Santana está mais ansioso é por debater com António Costa, e lança o desafio: “Marque uma data para depois de 18 de fevereiro”, disse, referindo-se à data em que termina o congresso que vai entronizar o próximo líder do PSD.
Certo é que o balão de oxigénio que o debate de quarta-feira à noite lhe deu ainda parece ter ar que sobre. Santana Lopes está “cada vez mais convencido da vitória”. “Compreendo que haja muitas vozes a vociferar, olhando aqui à volta compreendo que vociferem porque queriam ter feito aquilo que nós estamos aqui a fazer“, disse, recusando o argumento da candidatura de Rui Rio de que Santana está apenas a usar razões menores e golpes baixos para ganhar as eleições internas. “Nós valorizamos as ideias e isso viu-se aqui nesta convenção que não começou a ser preparada há dois dias, mas sim há várias semanas”, disse.
Em resposta aos ataques de Rui Rio sobre as “trapalhadas” do seu Governo, Santana Lopes diz que aprendeu com os erros dos meses de governação: “Aprendi a ouvir com humildade, aprendi com 2004”. Então passou aos pedidos de desculpa, para secar o discurso dos adversário. Afinal, na apresentação da candidatura tinha dito: “O meu nome é Pedro Santana Lopes e assumo tudo o que fiz”. Assumiu, ironicamente, de forma caricatural.
“Peço desculpa pela careta de um ministro na cerimónia da tomada de posse”, disse para se referir à cara de Paulo Portas quando soube que era também ministro do Mar. “Peço desculpa por me ter sentido indisposto na tomada de posse”, continuou. “Peço desculpa por ter feito um discurso a falar de uma incubadora”, recordou. Mas depois rematava, para receber os aplausos da sala cheia com militantes e dirigentes de todo o país: “Desculpa por ter cometido erros de política interna ou externa, por isso já não peço desculpa. Dei o meu melhor pelo meu Governo e pelo meu país”.
A seguir, repetiu os ataques que já tinha feito ao adversário no debate da RTP. Recordou que, depois da dissolução, em 2005, convidou a oposição interna para as listas: Manuela Ferreira Leite para cabeça-de-lista no Porto e Marques Mendes para Aveiro. “Mas, em 2009, Manuela Ferreira Leite, com Rui Rio, excluiu Pedro Passos Coelho das listas de candidatos a deputados. São capacidades de unir diferentes. São factos, não são características pessoais.”
Tudo para deixar uma mensagem muito clara aos militantes que vão ter o poder de voto no próximo sábado: “Não é a mesma coisa escolher para líder do partido quem esteve sempre ao lado do partido, ou quem, em nome de uma qualquer dignidade pessoal não teve pudor em pôr-se do lado de quem combatia o partido”. Curioso foi que Santana Lopes garantiu ter “orgulho de todos” os ex-líderes do PSD, mas quando se atreveu a nomear alguns, nomeou praticamente todos os ex-líderes do passado recente, menos…Manuela Ferreira Leite.
Em todo o caso, Santana garante que, quando o machado de guerra se enterrar, vai “unir o partido”. “Acredito que terei essa capacidade, essa força, para, a partir do próximo dia 13 de janeiro, juntar o que sempre se separa num processo como este”, disse. Deu a entender que não ficará de costas voltadas com Rui Rio caso seja eleito. Se ganhar, Santana quer mobilizar tudo e todos contra António Costa: os socialistas descontentes, os democrata-cristãos que não têm partido, os liberais independentes, todos os que “queiram contribuir para um programa reformista”. E mesmo que, ao contrário de Rio, diga “nunca” a um bloco central, Santana insiste que nunca terá problemas em “reconhecer que pode haver decisões acertadas seja qual for o Governo que estiver em funções”, e que pactos de regime em setores como as obras públicas e a reforma da Segurança Social são “necessários”.
“Não sou obcecado com a coluna da despesa”
Respondendo às críticas de um colunista por ter voltado a falar de “sonhos”, diz que o país deve “ousar”. Era um mote para falar de economia. Neste aspeto, Santana Lopes apresenta um discurso próximo dos socialistas. Defende a “melhoria da produtividade” para gerar “mais riqueza”, para “distribuir mais recursos com justiça”. Isto porque, reconhece, “é muito difícil comprimir a despesa pública”. Mas ao mesmo tempo diz que é preciso “libertar recursos para amortizar dívida, em função do PIB, mas também em termos absolutos”.
Como contrapondo ao “défice zero” advogado por Rui Rio, reconheceu: “Não sou obcecado só com a coluna da despesa, mas também quero mobilizar a boa receita, mais exportações, mais investimento, de que Portugal precisa como de pão para a boca”.
No que se refere a uma das suas bandeiras, o território, disse era preciso “romper com a tradição de esquecimento” do interior, mas também com a confusão administrativa. “Comunidades intermunicipais, zonas metropolitanas, que pelos resultados não servem o país”. As comunidades intermunicipais foram criadas por Miguel Relvas, seu apoiantes, durante o Governo de Durão Barroso.
Santana quer ricos a pagar mais pelo Estado Social
Pedro Santana Lopes tinha entrado no pavilhão Carlos Lopes de forma apoteótica, já perto das 19h, quando o evento já decorria desde as 16h. Bandeiras ao ar, um corredor de militantes estrategicamente posicionados, e um speaker excessivamente entusiasmado a pedir ao microfone que os presentes aplaudissem “aquele que será o próximo presidente do PSD e o futuro primeiro-ministro de Portugal”. Santana sentou-se no palco, sozinho, e sem mais demoras começou a responder a perguntas que surgiram no ecrã: perguntas de militantes e simpatizantes pré-selecionadas de um “total de 300 que chegaram ao longo dos últimos dias”.
Uma questão teve a ver com um dos temas em que Pedro Santana Lopes está mais à vontade: os problemas sociais dos idosos. O candidato diz que prefere falar de “Estado solidário” em vez de Estado Social. E recuperou uma ideia que já vinha do seu breve Governo. “O Estado Social não pode ser para todos, tem de ser em função dos rendimentos”. Ou seja, Santana defende que quem ganha mais deve pagar mais por serviços como, por exemplo, a Saúde, embora não tenha especificado. Esta é uma intenção antiga, que o social-democrata tentou levar por diante no seu Governo.
Pedro Santana Lopes já tinha a ideia de criar taxas moderadoras diferenciadas na Saúde em setembro de 2004, quando foi primeiro-ministro, em que quem ganhava mais pagava mais e quem ganhava menos, ou pagava menos, ou estava isento. Mas, assim que o Governo anunciou essa intenção, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, ameaçou que vetava a medida.
No âmbito do Estado Social fez outra proposta: a “retenção de uma parte do esforço contributivo” que sirva para quando as pessoas forem idosas e procurarem o apoio de lares ou de outros serviços do Estado ou instituições. Usando a sua experiência na Misericórdia de Lisboa, disse discordar dos “lares depósito, unigeracionais, em que as pessoas sabem que são depositadas em determinada idade”. E propôs casas “para universitários, famílias a meio de percurso de vida, e espaços para famílias aposentadas, que possam fazer o seu footing e jogging, mas que não estejam em guetos geracionais”. Deu ainda destaque “aos cuidadores informais”.
Questionado sobre como propõe diminuir as desigualdades sociais “num país onde elas têm vindo a crescer”, Santana Lopes foi perentório: “criando mais riqueza”. Como? “Diminuindo os encargos financeiros do Estado”. Mas como? “Contratualizando com o terceiro setor, e também com parceiros privados, mas sobretudo com o terceiro setor”, disse. Santana referiu ainda os “escândalos” recentes nas IPSS para dizer que foram casos excecionais, e que não é por isso que todas as instituições particulares de solidariedade social devem ser descredibilizadas. “Houve escândalos nessa área, mas são escândalos por isso mesmo, porque são exceções, contrariam o que é normal e o que é devido”, disse. Nenhuma das perguntas fugiu aos temas onde o ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia mais se sente à vontade.
A primeira questão tinha chegado em formato vídeo, de um militante do PSD residente na Alemanha, que quis saber quais eram as prioridades do candidato a líder do PSD para as comunidades residentes no estrangeiro. Santana comprometeu-se a “olhar para o todo nacional sabendo que há portugueses que residem além fronteiras e que têm dificuldades acrescidas geradas pela saudade”, e prometeu “respeitar o princípio de olhar para todos do mesmo modo”. E deu o exemplo do voto eletrónico, que quer implementar “logo que possível”. “O voto eletrónico está ligado à necessidade de modernização tecnológica permanente”, disse.
A última pergunta, também em vídeo, chegou de Macau, e fez com que Santana terminasse (antes de se retirar do palco) de forma mais ou menos poética: “Daremos uma atenção muito especial a esse amor que têm por Portugal, apesar de todos os quilómetros de distância”.