O número 160 da Rua Muir Woods, em Perris, cidade no condado de Riverside, na Califórnia, ficou, nos últimos dias, conhecido por “casa dos horrores”. As fotografias de Louise e David Turpin apareceram em jornais de todo o mundo, com a descrição: os pais que mantiveram os 13 filhos acorrentados e subnutridos.
Sob uma capa de família feliz construída através de dezenas de fotografias partilhadas numa página do Facebook que o casal tinha em conjunto, a família Turpin escondia um dos mais macabros casos da história de crianças e jovens mantidas em cativeiro. Nas fotografias — algumas delas de viagens à Disneyland ou a Las Vegas, onde o casal foi três vezes renovar os votos — os filhos apareciam pálidos mas muito sorridentes.
O casal enfrenta agora uma pena que pode ir “até 94 anos de prisão”, se forem condenados. Foi pedido que o valor da fiança ficasse fixado em 13 milhões de dólares (cerca de 10,3 milhões de euros) a cada um dos pais. Estão acusados de 38 crimes no total. Louise e David foram acusados de 12 crimes de tortura, sete de abuso contra um adulto dependente, seis de abuso de menores e 12 anos de falso sequestro. David está ainda acusado do crime de um “ato obsceno a uma das crianças”.
As revelações foram feitas pelo procurador responsável pelo caso, Michael Hestrin, numa conferência de imprensa. O casal é ouvido esta quinta-feira pelo tribunal do condado de Riverside. Mas estas estão longe de ser as revelações mais surpreendentes (e macabras).
[Veja aqui o vídeo com as novas revelações sobre o que se passava na casa dos horrores californiana]
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A fuga estava planeada há dois anos
É a um dos filhos do casal, uma jovem de 17 anos — mas que “parecia ter 10” devido ao seu “tamanho pequeno” e “aparência magra” –, que se deve a revelação deste caso. Na madrugada de domingo, a jovem conseguiu fugir pela janela, alcançar um telemóvel que estava desativado mas que lhe permitiu ligar para o 911 (o equivalente norte-americano do 112) e denunciar a “história perturbadora” às autoridades. Sabe-se agora que não só a fuga estava planeada há dois anos no momento em que fugiu, como também que a jovem estava acompanhado de outro irmão, que acabou por voltar para trás com medo.
Quando a polícia chegou à casa, encontraram “várias crianças” acorrentadas, apesar de os pais terem tentado libertar alguns no momento em que se aperceberam que as autoridades iam entrar em casa. Os pais foram “incapazes de fornecer imediatamente uma razão lógica que justificasse por que razão os seus filhos estavam reprimidos desta maneira”.
Começou por castigos de semanas, acabou em tortura por meses
Com a situação macabra conhecida pelas autoridades, restava descobrir há quanto tempo as crianças viviam naquelas condições. A resposta foi dada agora: David e Louise começaram a abusar dos filhos, em Fort Worth, no estado norte-americano do Texas, onde viviam até se mudarem para a Califórnia, em 2010. Mesmo perante estes factos, o casal só está a ser acusado por atos que aconteceram desde 2010. “Começou com casos de negligência” como forma de castigo, em que as crianças eram amarradas com cordas. Só mais tarde passaram a ser presos com correntes e cadeados. Os pais começaram a ser mais severos até ao ponto de as crianças serem torturadas, agredidas e estranguladas. O procurador revelou que os castigos podiam “durar semanas ou meses”. Bastava que uma criança estivesse a lavar as mãos e deixasse a água passar dos pulsos, que era acusada de estar a brincar com a água e, por isso, castigada.
Não podiam ir à casa de banho e só tomavam banho uma vez por ano
Os 13 filhos do casal Turpin não eram libertados para ir à casa de banho, de acordo com provas recolhidas pelas autoridades. Além disso, cada um tinha o direito de tomar banho uma vez por ano. Nunca ninguém desconfiou do que se passava dentro das paredes da casa da família Turpin. Relatos de um vizinho já depois de o caso ter sido descoberto revelaram cenas macabras entre a meia-noite e as três da manhã: “Eles marchavam para a frente e para trás durante a noite. A luz estava sempre ligada durante todo o tempo e eles [os pais] faziam as crianças marchar para a frente e para trás”. Sabe-se agora a justificação para estas movimentações noturnas: as crianças dormiam de dia. “Iam para a cama por volta das 4h00 e 5h00 da manhã”, revelou o procurador. A família “era como um culto”, conta o vizinho.
A filha de 29 anos tinha 37 quilos
Uma das questões que estava por descobrir era se o casal — que declarou insolvência duas vezes — tinha dificuldades económicas. O procurador revelou que os pais compravam comida, como “tartes”, deixavam nas bancadas para as crianças verem mas não permitiam que as crianças comessem. Daí que as crianças estivessem subnutridas. Sabe-se agora que a vítima de 29 anos — uma mulher que era a mais velha — pesava 37 quilos. “Uma das crianças de 12 anos tinha o peso de uma de 7”, contou ainda. Dada a “aparência frágil” e os sinais de subnutrição, as autoridades assumiram que todos eram menores de idade. Mas, na realidade, dois já não eram: um tinha 29 anos — o mais velho – e outro 18. A filha mais nova tinha apenas dois anos — a única com o peso certo para a idade. O mesmo com os brinquedos: eram mantidos dentro das embalagens e as crianças não estavam autorizadas a brincar.
Crianças não sabiam o que era um medicamento ou um polícia
Os filhos do casal Turpin estavam isolados do mundo: não saiam de casa, não brincavam com outras crianças e nem sequer ia à escola. Aliás, a propriedade do casal aparecia listada no diretório do Departamento de Educação como Sandcastle Day School, uma escola privada, da qual David aparecia referenciado como sendo o diretor. Os avós das crianças, James e Betty, explicaram que, segundo o que era do seu conhecimento, os netos recebiam educação em casa. Por isso, não é estranho que os filhos não tivessem “conhecimentos básicos da vida”. Quando as autoridades chegaram à casa para resgatar as crianças, muitas delas não sabiam o que era um polícia. Os 13 filhos já não iam ao médico há mais do que quatro anos e nunca tinha ido a um dentista. A jovem de 17 anos que conseguiu fugir revelou que não sabia o que eram comprimidos.
As novas revelações que foram agora feitas explicam o cenário com que a polícia se deparou quando chegou ao número 160 da Rua : “Várias crianças acorrentadas às suas camas com correntes e cadeados, na escuridão e num ambiente com cheiros nauseabundos”.
A “casa dos horrores” californiana é o mais recente de vários casos de crianças e adolescentes mantidos em cativeiro. Outros casos aconteceram na Argentina e na Áustria. O argentino Domingo Bulacio, que ficou conhecido como o “monstro de Villa Balnearia”, transformou a filha numa escrava sexual durante 20 anos e teve oito filhos dela. Na Áustria, Wolfgang Přiklopil abusou e manteve em cativeiro Natascha Kampusch durante oito anos, entre 1998 e 2006. Também na Áustria, anos mais tarde foi descoberto outro caso: Josef Fritzl ,ou o “monstro de Amstetten”, violou a filha durante 24 anos, teve sete filhos dela e matou um deles.
Do “monstro de Amstetten” à “menina da cave”. Outras três casas do terror além da da Califórnia
Perante os pormenores macabros que têm vindo a ser revelados sobre os 13 filhos acorrentados pelos pais na Califórnia, este caso está perto de vir a integrar a lista dos mais mediáticos da história. Esta terça-feira, familiares e vizinhos da família deram os seus testemunhos. As irmãs de Louise falam ambas do rigor com que as crianças eram educadas e lamentam não terem autorização para ver os sobrinhos. Elizabeth Flores, uma das irmãs, recordou memórias macabras do tempo em que viveu durante uns meses com a irmã e com o cunhado, David, enquanto andava na universidade, no Texas: “Ele [David] fez coisas que me deixaram desconfortável. Se eu ia tomar banho, ele ia lá e via-me a tomar banho. Era como uma piada. Mas ele nunca me tocou, nem nada”.