Um sismo de magnitude 3,1 na escala de Richter foi registado e sentido perto das seis da manhã de esta quarta-feira em Almodôvar, distrito de Beja. Este terramoto, que não terá provocado quaisquer danos, é o quarto a ser sentido em Portugal desde o início do ano e o segundo num espaço de quatro dias. Num país onde apenas quinze dos mil terramotos registados todos os anos são sentidos pela população, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera insiste que “é pouco provável” que o número de sismos esteja a aumentar. Mas Fernando Carrilho, geofísico do mesmo instituto, explica que o número de terramotos sentidos em janeiro está “acima da média”. Mas não parece haver motivo para alarme.
O sismo que abalou Almodôvar esta manhã teve origem numa falha tectónica, uma espécie de rasgão na crosta, que não era conhecida dos cientistas, à semelhança do que aconteceu no terramoto de magnitude 4,9 da semana passada em Arraiolos: “Não há falhas ativas à superfície. É provavelmente uma falha que existe em profundidade e que não aflora“, explicou o geofísico ao Observador. O país está repleto de falhas como esta. E são sinais do que acontece a sul de Portugal, onde a placa africana comprime e levanta a microplaca ibérica, a região da placa euroasiática onde assenta Portugal.
Vamos à lição de geologia. Grosso modo, a Terra é feita de três camadas: o núcleo, que é a camada mais interna, o manto e a crosta terrestre. O manto é feito de rocha fundida, um material semi-líquido que é expelido através dos vulcões e que está em rotação nas profundezas do planeta. Por cima dela está a crosta, que por ser dividida em placas tectónicas, flutua ao sabor dos movimentos do manto. À conta disso, umas placas afastam-se e criam nova crosta terrestre, outras chocam entre si e destroem-na, algumas roçam e não fazem nem uma coisa, nem outra. É uma espécie de grande reciclagem a nível mundial.
[Veja no vídeo o que se sabe sobre estes violentos choques que estão a rachar Portugal]
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À conta desses movimentos todos, Portugal é influenciado por três movimentos tectónicos: o afastamento entre a placa norte-americana e a placa euroasiática (que cria os sismos nos Açores) e os choques da placa africana com a euroasiática (que cria os sismos com origem no banco de Gorringe) e com a microplaca ibérica, uma região praticamente soldada ao resto da Europa onde Portugal e Espanha ficam.
Para entender os sismos que têm sacudido o país no último mês, temos de nos concentrar no último caso: como a placa africana está a andar para nordeste, à medida que avança também comprime e levanta a microplaca ibérica. Por causa dessa tensão a que ficam sujeitas, as rochas por baixo dos nossos pés acumulam energia. Essa energia, por ficar armazenada, chama-se potencial. O problema é que todos os materiais têm um limite de energia que conseguem acumular: é o limite de resistência. Quando o alcançam, as rochas da microplaca ibérica partem-se, formam falhas e a energia potencial transforma-se em energia cinética. A tensão acumulada é libertada sob a forma de ondas que viajam em todas as direções. E ocorre um sismo. É por isto que Portugal Continental tem tantas falhas a rasgar o nosso território — principalmente em Lisboa, Vale do Tejo e do Algarve — e é também por isso que o país regista tantos terramotos.
A placa africana está a rachar o país e mais uma dúzia de dúvidas sobre sismos
Mas a acumulação de sismos notada nos últimos 20 dias tem deixado a população em alerta. Há quem pense que pequenos sismos como estes significam que a energia acumulada pelas rochas se está a dissipar e que isso pode evitar a ocorrência de um terramoto mais devastador. E há quem teorize que abalos de pequena magnitude pode simbolizar que um sismo maior está a caminho. Nem uma coisa nem outra estão totalmente corretas. Pedro Terrinha, geólogo do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, contou ao Observador que os dados estatísticos fazem crer que alguns dos grandes sismos que ocorrem na Terra podem ser antecipados por pequenos abalos: são os sismos precursores. Esse não parece ser o caso do que está a acontecer agora em Portugal, esclarece Fernando Carrilho: “Estes sismos parecem não ser sinal de nada. Estão a atingir zonas distintas do país e têm origem em falhas diferentes. Não há uma falha especialmente mais ativa agora”.
Preocupações como esta não são exclusivas dos portugueses. Ainda na semana anterior ao sismo de magnitude 7,9 que atingiu o estado norte-americano do Alasca, os sismógrafos do Serviço Geológico dos Estados Unidos registaram mais de 250 pequenos sismos com magnitudes inferiores a 3 na escala de Richter na costa oeste do país, com o estado do Nevada a ser o mais fustigado. Mas a atividade sísmica registada nos Estados Unidos tem origens diferentes daquela que existe em Portugal. É como se os dois países tivessem duas assinaturas geológicas diferentes.
O sismo que ocorreu esta terça-feira no estado do Alasca nada tem a ver com a Falha de Santo André, a grande rutura que rasga a costa oeste dos Estados Unidos de uma ponta à outra do estado da Califórnia. Embora um sismo nesta falha, nascida do encontro entre a placa do Pacífico e a placa norte-americana, possa ser suficientemente forte para partir ao meio o estado californiano, o fenómeno que deu origem ao sismo do Alasca é ainda mais perigoso: aqui há mais sismos de magnitudes possivelmente destruidoras. E maiores do que na Califórnia.
Tue Jan 23 10:44:28 UTC 2018 event picture pic.twitter.com/k7EtHLoRAm
— NWS Tsunami Alerts (@NWS_NTWC) January 23, 2018
Há dois tipos de placas tectónicas, as peças que compõem a crosta: as placas oceânicas e as placas continentais. As placas continentais são feitas de granito e, por isso, são menos densas que as placas ocêanicas, que são feitas de basalto. Acontece que o Alasca fica precisamente no limite entre uma placa continental, a norte-americana, e uma placa ocêanica, a do Pacífico. Essas duas placas chocam uma com a outra e a crosta oceânica mergulha em direção ao manto por ser mais pesada: é a subducção. Quando isso acontece, o material que mergulha no manto fica sujeito a temperaturas e pressões tão grandes que as rochas fundem. Ao fundir, o material torna-se mais leve e tende a subir. Foi dessa subida de magma que nasceu o Arco das Aleutas, um semi-círculo de ilhas vulcânicas que existe ao largo do estado do Alasca.
Toda esta atividade é muito intensa: por norma, quando duas placas chocam, dão origem a sismos muito fortes, alguns dos quais com magnitudes superiores a 8 e muito superiores aos registados na temida Falha de Santo André. É por isso que o Alasca é tão fustigado por sismos. E é também por isso que os pequenos sismos registados na costa oeste dos Estados Unidos são fenómenos normais.