O presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa criticou a forma como o Estado se posiciona face aos preços praticados pela indústria farmacêutica. Para Francisco Ramos, as fornecedores dos medicamentos oncológicos têm estado a “testar os limites das autoridades públicas em termos de disponibilidade de dinheiro para a saúde” e estão a beneficiar da atitude passiva do Estado.

“O Estado não sabe sequer administrar esses preços, porque aquilo a que nós pudemos assistir nos últimos anos foi que sempre que o Estado atuou, e atuou com a sua força de Estado, esses preços reduziram-se, baixaram, foram mais propícios ao interesse público”, afirmou o presidente do IPO, numa entrevista do DN/TSF, este domingo, Dia Mundial da Luta contra o Cancro.

De acordo com Francisco Ramos, hoje em dia há uma pressão para se utilizar “medicamentos inovadores”: ”

O que se passa no mercado dos medicamentos é um certo desgaste de preço de medicamentos antigos, que hoje estão, de facto, muito acessíveis e preços astronómicos de alguns medicamentos novos ou na generalidade dos medicamentos novos.”

E se o antigo recorde tinha sido 400 mil euros, em 2016 chegou aos 500 mil para um medicamento. “O preço máximo atingido no IPO de Lisboa foi, no verão de 2016, meio milhão de euros por um medicamento, para um doente, durante um ano”, referiu Francisco Ramos, acrescentando que a despesa com medicamentos aumentou de 30 para 50 milhões em três anos.

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Como os hospitais não têm verba para suportar estes preços, acabam por se endividar. Algo que, contudo, parece não preocupar o Estado português, que levanta mais obstáculos à contratação de um funcionário do que ao pagamento de medicamentos inovadores.

“Se eu, enquanto presidente do IPO, quiser contratar um funcionário, tenho de ter autorização do Ministério das Finanças, porque o Ministério das Finanças está muito preocupado com a forma como eu gasto os recursos públicos no pessoal, mas eu consigo aumentar 50% da minha despesa em medicamentos e o que acontece aí é que o Ministério das Finanças até me dá dinheiro para pagar essa dívida”, sublinha Francisco Ramos, acrescentando que o facto de a mortalidade por cancro estar a diminuir não se deve “apenas aos medicamentos”, já que “há outras formas de intervir que são tão ou mais importantes do que os medicamentos”.

Para o presidente do IPO, que ainda assim elogia a atitude do Ministério das Finanças em controlar a despesa pública, é necessário olhar para a inovação de forma “mais realista”:

“Porque o ponto que me incomoda é que sempre que se fala de alguma coisa nova que aparece no mercado, há imediatamente uma pressão sobre os poderes públicos para que ela esteja disponível; independentemente de ser, de facto, um medicamento que muda o curso da doença (…) há muitas situações de novos medicamentos que dão um bocadinho, uma ajuda, mas não mudam nada da realidade.”

Mas o problema dos preços dos medicamentos está longe de ser exclusivo de Portugal. Para o presidente do IPO de Lisboa, esta questão só se resolve com um “movimento internacional”. “Eu gostava de recordar que o Presidente Trump, que nós gostamos de ir frequentemente buscar para comentar, por vezes em termos depreciativos, teve com uma das suas primeiras ações, há um ano enquanto Presidente, reunir-se com a indústria farmacêutica nos Estados Unidos e solicitar moderação nos preços. É mesmo uma questão mundial, mas que tem reflexos no nosso panorama do dia-a-dia. “