Gosta de viajar, de comer Skittles, de passear no centro comercial, de viajar para explorar diferentes países e conhecer outras pessoas. Vive com os pais, apesar de passar pouco tempo em casa, e tem duas irmãs. De vez em quando pinta o cabelo, ou pelo menos as pontas, de roxo, prateado ou rosa. Não gosta de estar sozinha, até pelo medo dos fantasmas, e anda sempre com a senha da Netflix para ver a Anatomia de Grey, a Gilmore Girls ou a Orange is the new Black. Não larga o telefone, toca guitarra e escolhe a mesma música nas noites de karaoke: Call Me Maybe, de Carly Rae Jepsen. Considera-se mais uma miúda da cidade, que sai para ir comer o seu hambúrguer ou a sua pizza, do que uma rapariga da montanha. Sonha acabar o secundário e entrar em Gestão ou Direito em Harvard para poder tornar-se agente desportiva. Chloe Kim tem 17 anos e os gostos mais normais do mundo para a idade. Mas Chloe Kim é tudo menos normal: ela é a nova menina querida dos Estados Unidos.
Medalha de ouro em halfpipe nos Jogos Olímpicos de Inverno, a snowboarder abriu a muitos americanos um sonho, da mesma forma como deu continuidade ao sonho americano do pai, Jong Jin, um sul-coreano que emigrou para o sul da Califórnia. E que história pode contar: chegado com 800 dólares bem poupadinhos no bolso, comprou um carro em segunda mão, foi trabalhar para uma bomba de gasolina mas perdeu tudo quando, nos primeiros dias, foi roubado com um colega de trabalho; sem nada, continuou a ir à luta, foi acumulando empregos com ordenados baixos, entrou em engenharia na Universidade de Long Beach State, ganhou a sua licença imobiliária, juntou dinheiro e uns anos depois comprou um duplex onde vivia com a família, tendo uma carreira de sucesso até deixar tudo para acompanhar uma das filhas, Chloe, no seu sonho, fazendo semanalmente 12 horas de ida e volta até à Mammouth Mountain. Aquele sonho que inspira os americanos.
Antes da prova em PyeongChang, Jong Jin enviou uma simples mensagem à filha: “Hoje é o dia em que o imugi se transforma em dragão”. “Hahahahahahah, muito obrigado”, respondeu Chloe. Perto da linha final do concurso, lá andava de novo o pai a repetir o mesmo. “Imugi! Imugi! Imugi!”. A campeão olímpica não deve ter ouvido, até porque tem sempre música a ocupar-lhe a cabeça durante a prova, mas sabia bem o que aquilo significava: como um dia o progenitor lhe explicou, ela nasceu no ano do dragão e, de acordo com a tradição coreana, é preciso esperar-se mil anos para se passar de “imugi”, uma espécie de grande serpente, a dragão. “Aí, vão para o céu, transformam-se num grande dragão e têm uma pérola de ouro. É o que ela agora tem”, disse à NBC, numa imagem que já antes tinha sido explicada num perfil feito pela ESPN.
Nascida em Long Beach a 23 de abril de 2000, Chloe Kim cresceu em Torrance e começou a praticar snowboard (ainda como mera recriação) com apenas quatro anos. Numa viagem à Suíça, o pai tinha achado imensa piada ao desporto e, como não queria andar de um lado para o outro sozinho, começou a puxar a filha e até lhe comprou uma tábua de 40 dólares no eBay… com o objetivo de trazer a mulher nas suas aventuras de fim de semana, como contou numa reportagem da Cosmopolitan. Mal sabia que, quando Chloe tinha seis, superado o problema do frio que a fez torcer o nariz no início (e ainda hoje diz que não acha especial piada à neve a não ser para competir), já estava a competir na Team Mountain High, de onde saltou para dois anos de treino em Valais, na Suíça. Com 12 anos, passou a integrar a equipa dos Estados Unidos; no ano seguinte, em 2014, qualificou-se para os Jogos de Sochi mas, por causa da idade, não participou: aos 13 anos, todos asseguravam que ganharia uma medalha mas, como disse ao The New York Times, não se importou nada com a ausência.
Em 2017, surgia como uma das grandes figuras da competição, com uma proximidade aos locais pela família sul-coreana: além de contar com os pais, a avó, residente em Seul, deslocou-se a PyeongChang para ver pela primeira vez a neta ao vivo. Chloe é um fenómeno no snowboard que arrebata corações com os gestos mais simples, como aquele que teve a meio da prova. “Quem me dera ter acabado a minha sandes ao pequeno almoço mas fui teimosa e agora estou a ficar com fome”, escreveu no Twitter, antes de, mais tarde, acrescentar que lhe cairia bem um gelado. Do nada, houve um boom de seguidores: no Twitter, passou de 15 mil para 250 mil atualmente em pouco mais de 24 horas, no Instagram disparou de 160 mil para 580 mil (e a contar).
Wish I finished my breakfast sandwich but my stubborn self decided not to and now I'm getting hangry
— Chloe Kim (@ChloeKim) February 13, 2018
“Esta questão das redes sociais é uma loucura Quando vimos o número de seguidores, a minha mãe disse-me para tirar uma fotografia com ela para também ficar com mais seguidores e eu divirto-me com isso. Tudo está a superar as minhas expetativas e tenho acompanhado tudo através dos media, para me distrair”, comentou. “A Chloe sem redes sociais? Não imagino, é algo muito importante na vida dela”, acrescentou a mãe, Boran Yun Kim, que no final da prova não conseguiu aguentar as lágrimas tal como o resto da família (Chloe incluída) menos o pai. “Não tenho tempo para chorar, talvez quando voltar a casa”, explicou.
Pressão pela conquista da medalha de ouro? Não, isso só me motiva… Fazer a minha primeira participação nos Jogos na Coreia do Sul é ainda mais especial porque ainda tenho cá família. É uma grande coincidência e os meus pais estão ansiosos porque cresci dentro de uma cultura sul-coreana, da comida às músicas que cantavam. Aliás, estou agradecida por ter ido para a escola nos Estados Unidos e perceber que tinha as duas culturas”, tinha comentado já em PyeongChang antes do início da prova.
A prova, essa, acabou por ser um momento de viragem. Mesmo partindo como partida no halfpipe, Chloe era vista como a menina querida que ia dominar o futuro do desporto; afinal, o presente já é seu. E por mérito próprio, depois da fabulosa prestação nestes Jogos de 2018: depois de começar com 95,50 nas eliminatórias, a americana ganhou uma vantagem de 8,25 pontos sobre a chinesa Jiayu Liu na primeira descida da final (fez 93,75). O avanço foi ligeiramente reduzido no final da segunda volta mas, ao precisar de arriscar, a asiática acabou por cair e praticamente dar o título à futura campeã que, mesmo com o ouro na mão, deu espetáculo com um back to back 1080.º e recebeu a melhor nota de todas: 98,25.
Foi uma prova empolgante, de loucos. Todas as pessoas estavam a torcer por mim e foi como que um sonho. Para mim, é uma honra ganhar aqui até pelos meus pais, que fizeram tanto por mim e pela minha carreira”, disse nas primeiras palavras após o triunfo na prova.
Como colocava a Vogue em título no perfil da jovem prodígio em dezembro de 2017, a snowboarder Chloe Kim desafia muito mais do que a gravidade. “Nasceu a nova menina querida dos americanos nos Olímpicos”, destacou o Washington Post. “Mais do que o ouro, é uma estrela transcendente”, escreve o The Guardian.
Chloe Kim foi a única snowboarder de sempre a ganhar três medalhas de ouro em Winter Games antes dos 16 anos, mas também continua a ser a rapariga que demora uma hora ou hora e meia a arranjar-se quando vai a algum lado porque enquanto se maquilha anda entre a casa de banho e o quarto a dançar. Chloe Kim conseguiu fazer uma pontuação perfeita de 100, sendo a segunda a alcançar o feito após Shaun White (um gigante da modalidade que também já ganhou o ouro em PyeongChang), mas também continua a ser a rapariga que tem como lema de vida “Diverte-te e não ligues à opinião dos outros”. Chloe Kim já começou a fazer os seus investimentos imobiliários com o dinheiro que recebe dos contratos publicitários (um dos quais na Coreia do Sul) mas também continua a ser a rapariga com um cartão de débito limitado aos 500 dólares. Então, e até tendo como contexto o ouro de Redmond Gerard, também de 17 anos, em slopestyle, porque é que só se fala de Chloe Kim?
Comecemos pela parte desportiva: a americana é, simplesmente, um prodígio. E isso vê-se não só nos resultados (ganhou o ouro nos Jogos Olímpicos da Juventude em 2016 em halfpipe e superpipe com a melhor pontuação da história da competição, além de ter quatro ouros, uma prata e um bronze em superpipe nos Winter Games), e na forma como lida com a pressão e o mediatismo, mas também por movimentos como aquele back to back 1080.º que voltou a repetir em PyeongChang e que só está ao alcance dos melhores.
Depois, uma questão de humildade e carácter. Chloe Kim tem consciência do que representa e do potencial que tem enquanto atleta, mas também não se esquece que é apenas uma rapariga de 17 anos que começou agora a dar os primeiros passos mais a sério no snowboard. Um trabalho publicado em janeiro pela Sports Illustrated mostra isso mesmo pela forma como fala da rival Kelly Clark, de 34 anos. “É a minha maior inspiração desde o primeiro dia e tem sido fantástica comigo. Ela passou por tudo e não há nada que não conheça, mas está lá sempre para mim. Nunca pensei nem nela nem em ninguém como uma rival, porque pensar no que os outros fazem só te faz mal a ti. Era como aquele brasileiro que estava obcecado pelo Michael Phelps no Rio: o que lhe aconteceu?”.
Por fim, o exemplo que dá para todas as adolescentes e, ao mesmo tempo, para os futuros desportistas. Com 17 anos, a americana tem um Prius mas fez algumas modificações no carro para andar mais depressa. Quando revela isso numa entrevista, pede a seguir que não comentem nada com os pais. Esta é Chloe Kim, a mais normal das miúdas da sua idade mas que consegue manter o equilíbrio perfeito entre a vida pessoal e profissional. E se isso começa a falhar, toma medidas drásticas: cansada dos constantes rumores e notícias sobre uma relação que mantinha há mais de um ano com outro snowbarder, acabou com a mesma mantendo a amizade com o companheiro. “Sei que é um pouco complicado de se perceber mas sim, foi uma decisão ‘profissional’. Estou num tempo em que não me posso estar a preocupar com essas coisas”, explicou.
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Até onde chegará? Na vida como no snowboard, o céu é o limite. Com a certeza de que o quotidiano de Chloe Kim nunca mais vai ser igual, mesmo que queira viver (e tem conseguido) como a adolescente de 17 anos que é. Mas é mais do que isso: representa aquela ideia platónica que muitas vezes se materializa na prática de que, com trabalho e dedicação, nada é impossível. “Sonhei com este caminho. Sonhei não, era a minha esperança. O sonho tornou-se realidade: é o sonho americano”, resumiu o pai citado pelo US Today.