Sem sequer estar presente, a cantora Dina, que há 26 anos eternizou esse amor único que é o de “água fresca” e que foi evocada este domingo na primeira semi-final do Festival da Canção 2018, tratou de resumir as canções que foram a competição esta noite. “O amor é o arranque de tudo”, ouvimo-la dizer nos ecrãs, a partir de uma entrevista antiga — e o vírus amoroso afetou mesmo a maior parte das composições, porventura na ressaca do fenómeno do ano anterior, em que Salvador Sobral mostrou que amar por dois pode apaixonar o mundo inteiro.
Houve momentos hilariantes, como José Cid a dizer que é “ageless” (sem idade) e que canta sempre pelo país, JP Simões a explicar que interpretou a sua própria canção por falta de “coragem de impingir a alguém as minhas [suas] idiossincrasias”, Paulo Praça a contar que a filha lhe disse que a sua canção “parecia a do Shrek”, Nuno Rafael a contar que trabalhou 14 embriões de canções antes de acertar na final e Fernando Tordo a brincar com a sua idade, dizendo que concorreu “pela primeira vez na segunda metade do século XVII” e que tem “sempre um ar façanhudo, mas por dentro estou-me [está-se] a rir à brava”.
No final, foram sete as canções que passaram à final do Festival da Canção, a realizar-se dia 4 de março no Pavilhão Multiusos de Guimarães (antes, já no próximo fim-de-semana, há a segunda semi-final; depois, a 12 de maio, o represente português compete na Altice Arena, em Lisboa, pela vitória no festival da Eurovisão). O Observador falou com alguns dos principais vencedores, com destaque para os que ficaram em primeiro lugar do júri (Henrique Janeiro) e do público (Peu Madureira).
Janeiro: “A Eurovisão? É um canal de comunicação óptimo”
Ao Observador, em exclusivo, o cantor que Salvador Sobral escolheu para compor um tema (“Sem Título”, que o próprio interpretou) falou assim do que o motivou a participar no Festival da Canção e a lutar por uma presença na Eurovisão:
Não tinha nada a ambição de ir à Eurovisão só por ir, a ideia era trazer aqui uma coisa que me identificasse, trazer uma roupa que me identificasse enquanto artista e uma canção que pudesse pôr num álbum meu. A ideia era essa [apresentar-se] porque acho que este é um canal de comunicação óptimo.
Janeiro está a compor o seu primeiro álbum — depois de um EP de estreia — e contou também o que o fez não escolher um título para o tema: “Quis propositadamente que fosse uma escolha estética, quis fazer as pessoas questionarem-se e quis desconstruir a canção. Aliás, desconstruí até a própria noção do refrão porque há pessoas que me dizem que o refrão é uma parte e outras dizem-me que é outra”.
Quando acabou de cantar, conta, sentiu logo “que tinha corrido muito bem” mas não sabia “que tinha corrido assim tão bem, depois é que me disseram que até tinha corrido melhor que nos ensaios”. Já numa conferência coletiva com vários jornalistas, questionado pelo Observador, revelou que “por acaso” já tinha cantado “algumas vezes” com Salvador Sobral o tema que levou esta noite aos estúdios da RTP. E afirmou que, apesar de gostar que a sua música seja íntima e que o cenário a isso convide (daí a disposição pouco comum em palco e a parca iluminação), “não me [se] sentiria nervoso” a cantar na Altice Arena. “Sentiria um peso e seria uma responsabilidade, mas nervoso acho que não. Desde que não hajam máquinas de fumo está bom”, riu-se.
Peu Madureira: “Foi um bom momento da minha vida”
“Foi uma grande alegria, foi muito bonito, foi um bom momento na minha vida”. Peu Madureira não cabia de contente quando falava ao Observador da passagem à final, ainda por cima sendo o concorrente mais votado pelo público (12 votos) e o segundo mais votado pelo júri (10 votos).
O Diogo Clemente [compositor] é uma pessoa extraordinária, que sabe dirigir, sabe dizer-nos a mensagem que quer passar. Ele apresentou-me um projeto e eu interpretei-o à minha maneira, o melhor que pude. Na final gostava de fazer um bom trabalho outra vez com a música. Há tantas músicas para ouvirmos e as que estão cá estão ao mesmo nível da minha, são músicas óptimas, de grandes compositores e intérpretes.
Numa ronda coletiva com a imprensa, diria ainda: “Uma das coisas que mais detesto na vida é desiludir as pessoas, é o que me causa mais medo”. Questionado sobre o tom afadistado da canção, afirmou que “fado quer dizer destino e acho que todas as músicas que estiveram a concurso de uma forma ou de outra prendiam-se com o destino. Talvez a minha voz por defeito de profissão revele mais essa vertente fadista da minha vida. (…) Dizem-me que o sítio onde vamos cantar [em Guimarães] é uma coisa extraordinária, tenho grandes expetativas de fazer um bom trabalho.”
Benjamim e Joana Espadinha, a intérprete que até queria compor
Benjamim (Luís Nunes) conheceu Joana Espadinha porque esta lhe enviou uma mensagem — queria que o músico produzisse um disco seu. “Estava naquele cruzamento entre coisas mais pop e jazz, um território em que é precisa muita habilidade e eu até estava numa de: isto não vai dar”, conta Benjamim ao Observador. Porquê? “Porque ela tinha canções em português e em inglês. Eu disse-lhe que se fosse um disco com canções em português estaria mais interessado”.
O casamento deu-se, o disco foi feito e há-de sair mas pelo meio interpôs-se o Festival da Canção: “Passei um ano a escrever em português, gosto muito de escrever. Começámos a gravar juntos em casa dele, à antiga. De repente ele convida-me para o festival… Quando ele me disse que ia ao festival, eu disse-lhe que, se fosse, também gostava de ir como compositora. Ele ficou muito sério porque se calhar já estava a pensar… [ri-se]. Obviamente que fiquei muito contente depois por poder viver como intérprete”, aponta Joana Espadinha, que tem “imensas” canções de eleição na história do festival, “as da Dina, Sara Tavares, Dulce Pontes, da Anabela, do Salvador e da Luísa Sobral… são várias, vou-me esquecer de imensas de certeza”.
Júlio Resende: depois de Salvador, Catarina Miranda
Conhecido pelo seu percurso no jazz e também por ter trabalhado em parceria com Salvador Sobral nos últimos anos (no primeiro disco deste último, Excuse Me e na banda que os dois integram e que em 2017 lançou um álbum, chamada Alexander Search em homenagem ao heterónimo inglês de Fernando Pessoa), Júlio Resende compôs “Para Sorrir Eu Não Preciso de Nada”, com letra afirmativa, quiçá feminista, de Camila Ferraro. Ela deu-lhes passaporte para a final.
“A música surgiu de um modo um bocadinho simples. Acordei entusiasmado com esta melodia na cabeça, mandei à Camila Ferraro que fez a letra e depois descobrimos a Catarina Miranda [também conhecida por emmy Curl]. Mostrei-lhe a melodia e a letra, ela gostou, tomou-lhe o pulso e cantou”. Os arranjos foram gravados, diz Júlio Resende, com “grandes músicos, o Alexandre Frazão, o Mário Delgado e o André Rosinha. Eu toquei piano”.
O que o motivou a participar no festival? “Acho que a mudança de formato foi fundamental. Antigamente o Festival da Canção tinha muita reputação, gente muito creditada a compor e o ano passado houve uma grande reviravolta, que acho que este ano foi cimentada. Ao que parece isto está até a criar um novo paradigma na Eurovisão em geral, há uns zunzuns nesse sentido”. À entrada dos estúdios, sozinho, a observar a azáfama, estava Nuno Artur Silva, administrador cessante do canal público de televisão.
“Para Te Dar Abrigo”, escrita por Fernando Tordo e Tiago Torres da Silva e cantada por Anabela (que se emocionou a falar aos jornalistas), “Sem Medo”, interpretada pela cantor Rui David e da autoria do veterano Jorge Palma e “Anda Estragar-me os Planos”, escrita por Francisca Cortesão e Afonso Cabral e cantada por Joana Barra Vaz foram os restantes três temas a passar este domingo à final do Festival da Canção.
(No dia seguinte à primeira semifinal do Festival da Canção, dia 19 de fevereiro, a RTP revelou que ocorreu um erro na divulgação da votação do público e, afinal, o tema “Eu Te Amo”, composto pela brasileira Mallu Magalhães e interpretado pela portuguesa Beatriz Pessoa, não foi apurado para a final. Para o seu lugar, entra “Sem Medo”, da autoria de Jorge Palma e com a voz de Rui David.)