O número de processos de contraordenação por incumprimento de legislação ou autorizações ambientais mais do que duplicou no ano passado para 1.736. E o valor das coimas quase duplicou, passando de 6,6 milhões de euros para 12,5 milhões de euros no ano passado. No entanto, o aumento do número de processos e o crescimento de 90% no valor das coimas, não significam necessariamente que as entidades apanhadas venham a sofrer as consequências destas inspeções.
Dados de 2016 mostram que os tribunais confirmaram condenações em menos de metade dos processos da Inspeção-Geral da Agricultura e Ambiente que foram impugnados. E em mais de metade as coimas aplicadas pelo IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Administração do Territórios) que foram reconhecidas em tribunal viram o seu valor reduzido.
Os dados divulgados pelo Ministério do Ambiente esta quarta-feira no Parlamento dão conta de um reforço significativo da atividade de inspeção e fiscalização no setor ambiental que se verifica pelo segundo ano consecutivo. Esse esforço é visível no aumento do número de inspeções, que também duplicou, o que foi acompanhado por subidas da mesma grandeza nas medidas preventivas, nos autos de notícia (início de processos de contra-ordenarão) e crimes de desobediência, seis contra três no ano anterior. Mas não foram avançados números sobre a eficácia dessas medidas.
A informação prestada na comissão parlamentar do Ambiente reconhece que as consequências da violação dos valores ambientais não são “devidamente percepcionadas pelo poder judicial”, tendo apontado para a promoção das relações com a Procuradoria-Geral da República para sensibilizar para essas consequências.
A situação já tinha sido denunciada pelo Inspetor-Geral do Ambiente, Nuno Banza, numa deslocação ao rio Tejo onde reconhecia os limites do pode sancionatório do Estado nesta área:
Tomamos decisões administrativas em processos de contraordenação em que, muitas vezes, fixamos coimas que, não raras vezes, são coimas elevadas. Depois, em tribunal, elas ou não são confirmadas ou são por vezes reduzidas a valores que não são compatíveis com aquilo de que estamos a falar ou outras vezes até são alvo de decisões de condenação ou de reprimenda à empresa”.
No Parlamento, Nuno Banza confirmou que a Celtejo, empresa que tem sido apontada como principal responsável pela concentração de carga orgânica no Tejo, já tinha sido alvo de contraordenações, mas recorreu. No Tejo, também duplicaram as inspeções e os autos de notícia (127), mas não se conhecem as consequências para os infractores.
O Observador pediu ao Ministério do Ambiente dados sobre o grau de execução das multas aplicadas no setor, sabendo-se até por declarações de vários responsáveis públicos que muitas das empresas visadas recorrem para tribunal e acabam por ver as multas anuladas ou reduzidas.
Não tendo sido possível obter os dados oficiais sobre a aplicação efetiva de coimas e as condenações por falhas ambientais, o Observador consultou o relatório de atividade do IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território) relativo a 2016, o último disponível. Com um raio de ação que vai além do ambiente, esta inspeção instaurou 518 processos de contraordenação, dos quais 219 resultam da ação inspetora do próprio organismo e de informações remetidas por entidades externas, como a SEPNA (corpo da GNR dedicado a crimes ambientais e na área florestal).
180 impugnações. Tribunal confirmou apenas 40% das condenações
Os visados por processos e coimas impugnaram em tribunal 180 decisões administrativas, algumas de 2016 outras que vinham de trás. O resultado dessas impugnações judiciais resulta numa taxa de condenações de apenas 39,44%. Ou seja, menos de metade foram confirmadas em tribunal. O próprio IGAMAOT reconhece que a percentagem de absolvições — 32,78% — “fica bastante aquém do total de decisões favoráveis”.
Não muito longe da taxa de condenações, está a percentagem de absolvições, 32,78% do total. Os processos de impugnação deram ainda origem a admoestações (avisos) em 13,33% dos casos, o que leva o IGAMAOT a considerar que mais de metade das sentenças (incluindo condenações e admoestações) correspondem a mais de metade decisões judiciais favoráveis.
Outro dado do relatório do IGAMAOT reforça a ideia de que as contraordenações no setor do ambiente são pouco eficazes no sancionamendo dos infratores. Mais de metade das coimas aplicadas foi reduzida por decisão do tribunal. A percentagem foi de 57,75%, contra 42,2% de multas que foram mantidas. E os dados do IGAMAOT revelam também que o número de coimas reduzidas em tribunal está a subir há pelo menos três anos.
A falta de capacidade de o Estado impor decisões em nome do ambiente não se limita à penalização financeira. Também as ordens de encerramento a indústrias poluidoras que não cumprem as regras são objeto de recurso para os tribunais, que, frequentemente, valorizam mais o argumento económico do que a proteção do ambiente.
Um caso recente foi o da Fabrióleo, em Torres Novas. A empresa de reciclagem de óleos vegetais recebeu ordem de fecho emitida em coordenação com a autarquia, IAPMEI e o Ministério do Ambiente sustentada na incapacidade técnica de tratar os efluentes que produzia e por falta de licença municipal, mas recorreu para tribunal. E esta não foi a primeira vez. O ministro reconhece que “estamos num estado de direito e a Fabrióleo tem um período de audiência prévia para se pronunciar”. As empresas têm o direito de recorrer aos tribunais, mas têm sido vários os alertas dos serviços para a necessidade de mudar a legislação ambiental que protege os infratores.
Em 2016, o relatório da comissão de acompanhamento da poluição no Tejo alertou para os efeitos da lei de 2014 que permite regularizar indústrias sem licenças ambiental, suspendendo processos de contraordenação que incidem sobre operadores em situação de incumprimento. A comissão pediu a revisão do quadro legal que “não permite, nomeadamente, acautelar a salvaguarda e a proteção de recursos hídricos pela imposição de medidas cautelares e preventivas em ocorrências reiteradas de episódios de poluição, em benefício dos incumpridores”. Esta alteração está a em curso, segundo informação dada ao Parlamento.
Também o secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, reconheceu já ao Observador problemas na aplicação da lei que protege os recursos naturais. Muitas vezes, os operadores estão “devidamente identificados como prevaricadores acabam por não ter a pena devida”. A lei de 1998 exige amostras contínuas para longos períodos para considerar provada uma descarga ilegal quando os resultados obtidos pelas autoridades, como aconteceu agora com as amostras recolhidas no Tejo junto às ETAR das celuloses e de resíduos urbanos, resultam de amostras pontuais.