Tem sido um dos temas de debate durante esta quinta-feira: por que razão José Silva, uma das alegadas toupeiras suspeitas de corrupção passiva para ato ilícito, ficou em prisão preventiva e Paulo Gonçalves, o alegado corruptor ativo e que terá alegadamente beneficiado da recolha de informação em segredo de justiça, foi libertado com uma medida de coação mínima?

Ao que o Observador apurou junto de diversas fontes judiciais, a razão para o pedido do procurador Valter Alves, titular dos autos, prende-se essencialmente com a condição de funcionário público de José Silva e, especialmente, as suas funções de informático no Instituto de Gestão Financeira e Equipamento de Justiça (IGFEJ). Segundo o Ministério Público (MP) argumentou durante os interrogatórios judiciais, José Silva sabia que a informação judicial a que acedeu era informação reservada e em segredo de justiça à qual não tinha direito a aceder. De acordo com a revista Sábado, o MP terá defendido que o funcionário do IGFEJ acedeu a 10 inquéritos criminais. Pior, na ótica do MP: não só acedeu, como terá transmitido cópias desses documentos a Paulo Gonçalves, um representante do Benfica.

Um desses inquéritos criminais será o famoso processo dos emails — aberto pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa depois de receber uma denúncia anónima e após o diretor de comunicação do Futebol Clube do Porto, Francisco J. Marques, ter começado a divulgar publicamente o conteúdo das caixas de correio de Paulo Gonçalves e de outros responsáveis do Benfica como Luís Filipe Vieira, presidente dos encarnados, ou Pedro Guerra, ex-diretor de conteúdos da BTV. Alguns dos restantes inquéritos serão casos relacionados com os principais adversários do Benfica: Sporting e Porto.

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É de realçar, contudo, que quer Paulo Gonçalves, quer o Benfica são diretamente visados pela investigação da Polícia Judiciária e do DIAP de Lisboa ao denominado caso dos emails. Logo, José Silva terá transmitido informação confidencial a suspeitos (Gonçalves já foi mesmo constituído arguido) do processo sob investigação.

Acresce que, no entender do procurador Valter Alves, o funcionário judicial apropriou-se de um conjunto alargado de passwords de magistrados do DIAP de Lisboa para aceder a esses 10 inquéritos criminais. Isto é, e do ponto de vista puramente informático, José Silva assumiu outra identidade, apresentando-se como tal perante o sistema informático do DIAP de Lisboa com um magistrado. Daí a razão pela qual José Silva foi constituído arguido dos crimes de crime de falsidade e de burla informática. O funcionário do IGFEJ é ainda suspeito dos crimes de corrupção passiva (por ter aceite transmitir documentos em segredo de justiça a troco de bilhetes para diversos jogos do Benfica e de merchandising dos encarnados), peculato, violação do segredo de justiça e favorecimento pessoal.

O procurador Valter Alves acabou por promover a prisão preventiva de José Silva por ter, com os seus alegados actos, afectado a credibilidade do sistema judicial — o que mereceu a concordância da juíza de instrução Cláudia Pina. “Os crimes imputados ferem, no entender do tribunal, de forma bastante grave o sistema judicial e é por esses factos que ficou em prisão preventiva”, afirmou o advogado Paulo Gomes, representante de José Silva, à saída do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa na noite desta quarta-feira.

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Como é que José Silva acedeu aos processos?

Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, veio assegurar esta quinta-feira que o sistema informático do Ministério Público — que é gerido pelo Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça (IGFEJ) que depende do Ministério da Justiça (MJ) — é seguro. “As medidas de segurança permitem a identificação de potenciais situações de utilização fraudulenta e de usurpação de identidade”, afirma-se num comunicado emitido pelo MJ. No mesmo texto, pode ler-se que a Operação e-toupeira mostra que existem “mecanismos de segurança que permitem a identificação de potenciais situações de abuso ou fraude”.

Contudo, e ao que o Observador apurou, a investigação da Operação e-toupeira indicia o contrário. Quando os investigadores já tinham indícios de que alegadamente Paulo Gonçalves tinha uma toupeira no Campus da Justiça — espaço na zona da Expo, em Lisboa, onde estão as sedes do IGFEJ, do DIAP de Lisboa e de diversos tribunais –, os procuradores do DIAP de Lisboa começaram a detetar inusitadas consultas informáticas do processo dos emails, que visa diretamente Gonçalves e o Benfica. De acordo com o registo do sistema informático do sistema, tais consultas seriam feitas com as credenciais da procuradora Ana Paula Vitorino — que tinha trabalhado no DIAP de Lisboa mas que tinha, entretanto, sido colocada na Procuradoria Geral Distrital de Lisboa (PGDL) como assessora de Maria José Morgado.

O erro de José Silva é que a password de Ana Paula Vitorino estava inativa. Isto é, a procuradora não utilizava as suas credenciais desde que tinha saído para a PGDL. O que fez com que o IGFEJ, a pedido do DIAP de Lisboa, tivesse seguido o ‘rasto’ do computador que estava a utilizar as credenciais de Vitorino para conseguir localizar, através do respetivo IP — Internet Protocol, que traduz uma espécie de bilhete de identidade único de cada computador e que serve para identificá-lo — o computador portátil de trabalho que Silva utilizava.

Acresce que Ana Paula Vitorino também não está a trabalhar diretamente com Maria José Morgado desde há algum tempo, pois a procuradora-geral Joana Marques Vidal nomeou-a como titular em exclusividade de funções do processo que resulta da Operação O Negativo, também conhecido como caso Octapharma.

Contudo, o facto de o sistema do MP permitir que José Silva entrasse na rede do DIAP de Lisboa através de uma password inativa indicia claramente que o sistema do Ministério Público tem problemas sérios de segurança. Acresce que José Silva terá roubado outras passwords de outros magistrados do DIAP de Lisboa que estavam igualmente inativas.

Mais: o funcionário do IFGEJ não estava sequer a trabalhar na sede do IGFEJ em Lisboa. É um funcionário que presta apoio informático nos tribunais de Guimarães e de Fafe. Este funcionário conseguiu a partir do norte do país entrar no sistema do DIAP de Lisboa, encontrando dentro do próprio sistema as passwords e as credenciais de magistrados que lhe permitiam aceder a informação sensível e confidencial.

A rede informática do MP é segura?

A segurança do sistema informático do Ministério Público e dos tribunais é uma velha questão. Desde a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, passando pela Associação Sindical de Juízes Portugueses e do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e terminando em especialistas em segurança informática como José Tribolet, desde meados da década passada que têm vindo a ser feitos alertas para a falta de segurança.

Em 2009, quando o Governo fez a migração do antiquado software Habilus (criado de raiz por dois funcionários do então Instituto de Tecnologias de Informação na Justiça) para o actual Citius, Maria José Morgado, então diretora do DIAP de Lisboa, recusou utilizar a nova aplicação. A magistrada, porventura a representante do MP que mais tem lutado por uma modernização informática na Justiça e respetivo reforço de segurança, argumentou então que o Citius “tem fragilidades e não apresenta condições para ser utilizado”, acrescentando que essa nova aplicação “não tem perfis de segurança no programa. “O sistema tem de ter níveis de acesso de acordo com a responsabilidade dos utilizadores. E tem de ser.  Para ser possível verificar quem acedeu a ele. O utilizador tem de deixar a sua impressão digital, a marca, o rasto”.

Aliás, quando se deu o apagão informático da rede informática dos tribunais por causa do novo mapa judicial durante o Governo de Passos Coelho, o sistema do DIAP de Lisboa foi dos poucos que continuou a funcionar por que não tinha o Citius.

Desde estas declarações, o Citius tem vindo a ser melhorado mas as críticas no Ministério Público à sua falta de segurança sempre existiram. José Silva é só a última prova da falta de segurança desse sistema.

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Os processos encontrados nas buscas à Luz em outubro

Entretanto, a SIC avançou esta noite que Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, tinha no seu escritório, na SAD dos encarnados na Luz, peças processuais que estavam em segredo de justiça e que só poderiam ser do conhecimento de duas entidades: o Ministério Público e a Polícia Judiciária. Essas peças processuais foram encontradas na altura das buscas ao estádio (acompanhadas de buscas domiciliárias) a 19 de outubro, no âmbito do denominado caso dos emails.

Como o Observador já tinha explicado, já antes havia suspeitas sólidas de que Paulo Gonçalves teria um informador que lhe passava documentos judiciais em segredo de justiça (daí que algumas das peças tenham sido protegidas para que não fossem violadas), confirmadas pela investigação e pelo material encontrado no gabinete do assessor jurídico. A partir daí, como o próprio advogado de José Silva, Paulo Gomes, confirmara na noite desta quarta-feira à saída do Campus da Justiça, foram reunidas mais provas com a monitorização dos cinco arguidos através de vídeo-vigilância e escutas telefónicas.

Acrescentada informação às 22h16m e texto corrigido às 23h27m.