Serviço: Criopreservação do cérebro e, se tudo correr bem, upload da consciência do humano para a “nuvem” (objetivo: viver para sempre).

Custo: 10.000 dólares (cerca de 8.100 euros) para a pré-reserva à empresa Nectome.

Requisitos por parte do sujeito: Medo da morte ou fascínio pelos livros de Ray Kurzweil ou de outros teóricos futuristas (ou, simplesmente, alguém que tenha gostado muito e tenha ficado inspirado por um episódio premiado da série Black Mirror).

Risco de morte: Muito elevado. Ou, digamos, máximo — 100%.

Tendo em conta o último ponto deste anúncio, esta poderia parecer uma proposta pouco apelativa, mas a realidade é que já existe lista de espera para o serviço criado pela Nectome, uma empresa startup norte-americana que criou um serviço inovador de criopreservação de cérebros e já recebeu vários prémios e uma bolsa federal de investigação científica de quase um milhão de dólares.

A história da Nectome foi contada nos últimos dias pela MIT Technology Review, num artigo que salienta o facto de o serviço proposto ser “100% letal”, apesar de o que se oferece (em teoria, pelo menos) é, precisamente, a imortalidade. Por outras palavras, pode ser a resposta para “viver” para sempre, mas tem de estar disposto a morrer já.

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A Nectome tem crescido no seio da aceleradora de startups Y Combinator, em Silicon Valley, conhecida por albergar os projetos mais ousados e as ideias mais arrojadas. Segundo a MIT Technology Reviewa tecnologia vai ser apresentada na próxima semana, no próximo evento da Y Combinator em que as ideias são apresentadas a possíveis investidores.

O que vai ser apresentado é um processo de “embalsamento high-tech que afirma conseguir preservar cérebros com um detalhe microscópico inédito, através do recurso a um composto químico capaz de “congelar” um órgão por centenas, ou mesmo milhares de anos. A teoria — ou a esperança — é que algures durante essas centenas ou milhares de anos possa surgir uma técnica capaz de recuperar a informação que está nesse cérebro e enviá-la para um programa informático na “nuvem“, por exemplo. E, quem sabe, “exportar”, depois, essa “consciência” para um corpo físico. Ou vários. Porque não?

“E se lhe disséssemos que podemos fazer um backup da sua mente?”

Está longe de ser nova a ideia de que é possível congelar um corpo ou, neste caso, um cérebro, para possivelmente se voltar à vida numa altura em que o progresso tecnológico o permita. Houve rumores de que Walt Disney pediu para se submeter a um processo desse género, quando estava prestes a perder a luta contra o cancro no pulmão, em 1966. Mas a família do criador do império Disney acabou por negar os rumores, apesar de o mito urbano ainda circular.

Não terá sido Disney, mas foi no final da década de 60 que um homem — James Bedford — foi mesmo o primeiro a ser congelado. Desde essa altura que uma empresa do Arizona, a Alcor Life Extension Foundation presta este tipo de serviço. Ao longo das décadas já se acumulou, segundo a MIT Technology Reviewuma “biblioteca” de mais de 150 corpos e cabeças, incluindo o corpo de uma velha glória do baseball, Ted Williams.

Ted Williams, uma “lenda” dos Boston Red Sox, tem o corpo congelado pela Alcor Life Extension.

A técnica utilizada pela Alcor Life Extension é, contudo, muito questionada pelos cientistas, que garantem que qualquer possibilidade de aproveitamento do corpo congelado fica, desde logo, neutralizada pela agressividade do método de congelação. E porque os corpos foram congelados depois da morte.

O método desenvolvido pela Nectome, em cooperação com vários especialistas na área da criopreservação, envolve uma preservação química que conserva todo o material, até ao mais ínfimo pormenor nanométrico, incluindo a complexíssima rede de sinapses que ligam os neurónios (o connectome). Só dessa forma, garante o fundador — Robert McIntyre –, se consegue preservar as memórias e a personalidade de alguém. Só dessa forma se pode perguntar: “E se lhe disséssemos que podemos fazer um backup da sua mente?

Outra diferença crucial é que é preciso estar vivo para que o processo possa funcionar. Não basta congelar o corpo (ou o cérebro) assim que uma pessoa morre — o cérebro tem de estar “fresco”. A empresa já avançou com a criopreservação de um corpo de uma mulher que havia morrido apenas duas horas e meia antes. Tratava-se de um cadáver pelo qual a Nectome terá pago uma quantia que não foi tornada pública a uma empresa (a Aeternitas) que serve de intermediário a pessoas que querem doar o corpo para a ciência.

A Nectome já conseguiu aplicar, com resultados intrigantes, a sua técnica no cérebro de um porco. Foi graças a essa demonstração que se obteve a bolsa de investigação. Mas esta toi a primeira demonstração da técnica num corpo humano. O facto de o corpo já ter morrido há algumas horas, porém, fez com que a preservação já não tenha sido tão perfeita quanto os especialistas garantem ser possível fazer num corpo ainda vivo.

É por isso que, segundo a MIT Technology Review, os fundadores da Nectome querem dar o próximo passo: aplicar a técnica a alguém que tenha pedido para ser eutanaziada, uma morte medicamente assistida, por ter uma doença terminal. Isso deverá acontecer no futuro próximo, planeia a empresa.

A técnica proposta pela Nectome assegura que consegue preservar não só a “massa cinzenta” mas, também, a complexíssima rede de sinapses que ligam os neurónios (o connectome).

Interessado? A pré-reserva só custa 10.000 dólares

O plano seria injetar o cocktail de químicos na carótida do organismo vivo, sob anestesia geral. Dessa forma, acredita-se poderia ser possível “congelar” o cérebro de forma a que uma técnica que venha a ser desenvolvida no futuro possa laminar o cérebro e “ler” informação a partir daí. Se é possível extrair, daí, memórias ou aprendizagens… é uma questão de fé.

Fé deverá ser aquilo que têm as 25 pessoas que, segundo a publicação ligada do MIT, já estão na lista de espera para se submeterem a este processo quando quiserem, caso a tecnologia venha a estar disponível. Num modelo semelhante ao usado, por exemplo, pela Tesla, a Nectome está a recolher “pré-reservas” que custam 10 mil dólares, dinheiro que pode ser reembolsado a qualquer momento caso a pessoa mude de ideias.

Com esse dinheiro, com a bolsa obtida graças ao sucesso no teste ao cérebro do porco e com o dinheiro que a Nectome conseguir atrair junto dos investidores a empresa pretende continuar a investir na tecnologia e, também, explorar o lado jurídico do serviço que querem vir a propor. Já foram feitos contactos com especialistas na legislação sobre morte medicamente assistida na Califórnia, e os fundadores da empresa não têm dúvidas de que o procedimento será admitido pela lei.

Esta será, também, uma questão de ética. “Há uma linha muito ténue entre o ‘upload de mentes’, que é algo que eu acredito que irá ser uma realidade, e incentivar alguém a cometer suicídio com a promessa de que se está a preservar o cérebro”, afirma o neurocientista Ken Hayworth, que pertence à Brain Preservation Foundation (que premiou o exercício da Nectome com o porco). “Talvez [a Nectome] até já esteja a pisar essa linha” ao pedir às pessoas que paguem por uma técnica sem que ela tenha sido publicada e amplamente discutida entre a comunidade científica, admite o neurocientista.