Está agora a viver o american dream. É o próprio Filipe Sambado quem descreve assim o contrato de quatro discos que assinou em 2017 com a Valentim de Carvalho – com o primeiro, Filipe Sambado e Os Acompanhantes De Luxo, a sair já em abril com chancela da NorteSul. Antes, gravara três EPs, entre 2012 e 2014, e um disco (Vida Salgada, de 2016) por pequenas editoras independentes como a Spring Toast.

Porquê american dream?

“A aceitação foi lenta. Só agora com o ‘Vida Salgada’ é que surgiu um hype qualquer à volta do meu trabalho. Acho que foi porque comecei a aparecer mais nos sítios e deixei de produzir tanto. Toda a gente estava em todo o lado e eu estava sempre enfiado no estúdio a trabalhar. Mas nunca enviei o que fazia à Valentim de Carvalho, por exemplo. Foi um A&R da editora que apareceu num concerto meu e, no final, disse que estava interessado em conversar comigo. Fui conversar e ofereceram-me o contrato.”

[o vídeo de “Deixem Lá”]

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Tem hoje 32 anos. Natural de Lisboa mas criado no Algarve, em Lagos, a música surgiu para Filipe ainda na adolescência, não música cantautoral e pop rock como hoje faz, mas hip-hop. “Comecei por fazer rap com malta do meu bairro. Umas rimas, uns beats. Depois ainda formei uma banda com amigos do secundário, mas nunca foi algo sério. O que sabia é que tinha uma necessidade qualquer de expressão. Mas não sabia ainda bem o que era. Ou como a expressar bem. O primeiro concerto que dei foi num liceu, lá em Lagos. E diverti-me. Mas acho que só percebi a importância que a música teria bem mais tarde, quando comecei a trabalhar a solo.”

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Ainda em Lagos começaria igualmente a fazer teatro. “A cidade não era muito desenvolvida a nível cultural. Então, se tens esse tipo de necessidade de expressão, acabas por te lançar para todos os lados. Acho que foi por isso que fiz teatro.” Não seria ator. Mas acabaria por estudar dramaturgia na faculdade, curso que abandonaria ao fim de dois anos. A música era o chamamento de Filipe Sambado. E foi estudar som.

“Mas ainda era um bocado ingénuo, sabes? Acho que a música só se tornou vinculativa quando gravei o primeiro disco com os Cochaise – uma banda que tinha com a minha ex-mulher, a Cláudia –, em 2010. E a partir de 2012 comecei a sondar mais o meu trabalho a solo, a tentar ser mais auto-suficiente.”

A capa do primeiro single extraído do álbum Filipe Sambado e Os Acompanhantes De Luxo. Os “acompanhantes” aqui são os músicos Primeira Dama, Alexandre Rendeiro (autor de Alek Rein), C de Crochê e Luís Barros (Créditos: Lucía Vives)

Apesar de ser cantautor e, também, produtor, Filipe Sambado nunca estudou música ou um instrumento. “A minha ‘formação’ musical acabou por ser, ainda na adolescência, o que ouvia na MTV e na Antena 3. Mas o meu pai também me apresentou algumas coisas. Ele sempre foi um homem que não ouviu a música do seu tempo mas a de agora. Era mais indie do que eu. Quando descobri, aos 25 anos e já a viver em Lisboa, os Beatles, o meu pai andava a ouvir Girls ou Deerhunter. [Risos] Na música sempre fui autodidata. À medida que conseguia juntar algum dinheiro, comprava instrumentos, uma guitarra acústica, uma bateria, tudo baratinho. E depois acabei por formar um estúdio pequeno com o João Pratas, que tocou comigo em Cochaise.”

Na produção, Filipe Sambado conta com três dezenas de discos com o seu cunho. E quer continuar a ser produtor. “No outro dia precisei de fazer um currículo e nem eu sabia que tinham sido tantos. Há artistas que me estão a pagar melhor e outros que me estão a pagar menos – isto sem falar nos discos que faço sem receber nada. Mas tenho imenso prazer em fazer isto.”

Enquanto compositor, garante que tem uma “boa cabeça” matinal e uma cabeça “um bocado especifica” à noite. E explica: “Aproveito bem aquela transição da fase hipnagógica do acordar e, depois, há mais ou menos duas horas em que tenho a cabeça muito rápida e, normalmente, as ideias que tenho consigo passá-las. À noite, consigo trabalhar o que fiz durante o dia, melhorar.” Escreve “muito, muito, muito”. “Mas sou muito volátil a compor. Mesmo dentro dos discos, eles variam um bocado na abordagem às canções: tanto posso fazer um disco só de guitarra e voz, como um disco de techno a seguir. É um bocado o que me apetecer. Até pode acontecer no mesmo disco as coisas estarem a fluir para abordagens muito diferentes entre músicas. Se calhar resulta numa espécie de esquizofrenia criativa”, explica.

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As canções, quando surgem, surgem de “uma cabeça a querer dizer coisas”. Mas essa é apenas a primeira fase da criação de Filipe Sambado. “Em todas as minhas letras há dois pontos-chave: há um momento em que estou a dizer aquilo que preciso de dizer e, depois, há um momento em que lhe retiro um bocadinho de urgência e tento trabalhá-la da perspectiva mais romanceada do assunto. E coloco algumas imagens, imagens que façam as pessoas visualizar aquilo. Muitas vezes não escrevo sobre uma experiência concreta, percebes? Pode ser uma coisa que de alguma forma mexeu comigo e cria a necessidade de falar sobre ela.”