“Há uma certa arrogância, uma certa afronta, que não é bem acolhida pelo setor”, reagiu André Albuquerque, da direção do CENA-STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos). O dirigente sindical falava na terça-feira à noite, em Lisboa, em reação às palavras do secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, horas antes.
“Surpreende-nos que haja surpresa com a nossa reação. Os ecos que nos chegaram da conferência de imprensa do secretário de Estado fazem-nos dizer que é ainda mais importante estar na rua na sexta-feira”, disse André Albuquerque.
Aos jornalistas, o sindicalista explicou que Lisboa, Porto, Coimbra, Beja, Funchal e Ponta Delgada serão palco de protestos de rua nesta sexta-feira, às 18h00, contra os resultados dos concursos de financiamento da Direção-Geral das Artes (DGArtes) divulgados nas últimas semanas e por uma fatia de 1% para a cultura no próximo Orçamento do Estado.
Na capital, a manifestação será frente ao Teatro Nacional D. Maria II e no Porto será junto ao Teatro Carlos Alberto. Os protestos são apoiados pelo CENA-STE, pela Rede (Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea), pela Plateia (Profissionais de Artes Cénicas), pelos promotores do Manifesto em Defesa da Cultura e pela Performart (Associação para as Artes Performativas em Portugal).
Nesta terça-feira ao fim do dia teve lugar na sede daquele sindicato, em Lisboa, uma reunião de preparação dos protestos e de avaliação das notícias dos últimos dias relativas aos concursos das DGArtes. Uma reunião muito participada, com trocas acesas de opinião e que durou quase três horas.
São José Lapa, João Salaviza, Luís Urbano, Luís Castro, António Pires, Carla Maciel e Cármen Santos foram alguns dos artistas presentes.
“Houve uma fortíssima determinação nesta reunião, uma vontade de reagir com muita indignação, mas também com reivindicação e exigência política”, disse o artista plástico Pedro Penilo. “Este é um momento que pode e deve ser usado para pôr em causa a política de cultura neste país. Encontramo-nos num momento de mobilização geral das pessoas e dos artistas em particular.”
As manifestações de sexta-feira podem vir a ser alargadas a outras cidades e têm “quatro objetivos de fundo”, segundo André Albuquerque.
“No imediato, queremos que a verba de 2018 dos Apoios Sustentados passe para 25 milhões, ou seja, um valor equivalente ao de 2009, corrigido para a inflação, que foi o ano em que se iniciaram enormes cortes. Queremos também a revisão do modelo dos regulamentos dos concursos, algo que o ministro da Cultura já prometeu e que queremos que se torne uma realidade. Que a cultura disponha de um mínimo de 1% do Orçamento do Estado para 2019. E que se comece a resolver as situações de precariedade laboral e artística”, avançou o sindicalista.
A DGArtes — tutelada pelo Ministério da Cultura e responsável pelos concursos de financiamento público à criação, produção e difusão de artes — divulgou entre 19 de fevereiro e 29 de março aos resultados do concurso de Apoio Sustentado em seis áreas: circo contemporâneo e artes de rua, dança, artes visuais, música, cruzamentos disciplinares, teatro.
Como se chegou até aqui
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julho de 2017: Secretário de Estado da Cultura e Diretora-Geral das Artes apresentaram proposta de Novo Modelo de Apoio às Artes, em sessões públicas em Faro, Évora, Lisboa, Coimbra e no Porto.
18 de agosto: Começou consulta pública sobre regulamentos do Novo Modelo de Apoio às Artes.
24 de agosto de 2017: Publicado o decreto-lei do Novo Modelo de Apoio às Artes. Três programas de financiamento: apoio sustentado, apoio a projetos e apoio em parceria.
29 de setembro: Terminou consulta pública sobre os regulamentos do Novo Modelo de Apoio às Artes. DGartes recebeu 24 contributos, apenas dois de municípios: Lisboa e Porto.
16 de outubro de 2017: Publicados os regulamentos do Novo Modelo de Apoio às Artes.
19 de outubro: Início do primeiro concurso do Novo Modelo de Apoio às Artes, na área de Apoio Sustentado 2018-2021 (circo contemporâneo e artes de rua, dança, artes visuais, música, cruzamentos disciplinares, teatro). Montante de 17,6 milhões de euros para 2018.
28 de fevereiro de 2018: Abertura do segundo concurso do Novo Modelo de Apoio às Artes, na área de Apoio a Projetos (internacionalização). Montante de 500 mil euros.
19 de fevereiro a 29 de março de 2018: Divulgação faseada dos resultados do concurso de Apoio Sustentado às várias áreas artísticas. À data de 3 de abril só são definitivas as listas de circo contemporâneo e artes de rua, porque decorre prazo de recurso para as outras áreas.
fonte: DGArtes
Os resultados do teatro, noticiados pela Agência Lusa na semana passada, são provisórios e indicam que foram aprovadas 50 candidaturas, de entre 89 avaliadas — o que deixa de fora estruturas habitualmente apoiadas, como sejam o Teatro Experimental de Cascais, a Escola da Noite, o Teatro dos Aloés, a Casa Conveniente, o Centro Dramático de Évora, o Teatro das Beiras, o Teatro Experimental do Porto, a Seiva Trupe ou o Festival Internacional de Marionetas, entre muitas outras. As críticas têm sido constantes desde sexta-feira.
Os concursos foram feitos à luz do Novo Modelo de Apoio às Artes, cujo decreto-lei foi publicado em Diário da República em agosto do ano passado e que compreende três programas de financiamento: Apoio Sustentado, Apoio a Projetos e Apoio em Parceria. Para estes três programas o montante inicial disponibilizado pela DGArtes era de 17,6 milhões de euros em 2018, entretanto acrescido de mais 1,5 milhões. O montante global de 64,5 milhões de euros, que tem sido noticiado, refere-se apenas ao Programa de Apoio Sustentado no período 2018-2021, indicou a DGArtes.
Os resultados do Apoio Sustentado para circo contemporâneo e artes de rua e dança são já os definitivos, mas os resultados das restantes áreas ainda são passíveis de recurso, confirmou o Observador junto da DGArtes. A mesma fonte informou que as estruturas e projetos não selecionados este ano podem candidatar-se novamente em 2019, quando abrirem novos concursos para Apoio Sustentado.
Questionado sobre quais as implicações de um aumento até 25 milhões, André Albuquerque disse que o Governo pode, por exemplo, “abrir uma linha de apoio extraordinário” ainda em 2018. “O que não queremos de todo é que se impugne o resultado dos concursos já realizados, porque isso seria ainda mais trágico do que a situação atual”, afirmou (o que coincide com a opinião expressa nesta terça-feira pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira).
O sindicalista entende que a DGArtes e o Ministério da Cultura “foram incapazes de ir ao encontro das necessidades do setor” ao criarem as regras para o Novo Modelo de Apoio às Artes e garante que o CENA-STE e outras estruturas representativas de artistas “alertaram várias vezes”, em encontros formais e informais, incluindo com a diretora-geral das Artes, Paula Varanda, para “erros” nos novos regulamentos dos concursos.
Os artistas presentes na reunião de terça-feira anunciaram que vão juntar-se a um grupo informal de criadores de teatro (que se reuniu no último sábado em Lisboa) para pedirem uma reunião de urgência com o primeiro-ministro, António Costa, e com deputados da Comissão de Cultura da Assembleia da República.
Tânia Guerreiro, da Rede, disse que o diálogo com o Ministério da Cultura não está fechado, mas agora é tempo de falar diretamente com o chefe do Governo. “O diálogo até agora não chegou a lado nenhum e andamos num pingue-pongue de respostas na comunicação social”, afirmou.
Daniel Albuquerque sublinhou que os artistas querem falar com António Costa, mas “esperam que não aconteça o mesmo que no cinema”, referindo-se ao braço de ferro de realizadores e produtores quanto a regras de nomeação de jurados em concursos do Instituto do Cinema. “Depois de o primeiro-ministro se ter empenhado na resolução da questão do cinema está tudo no mesmo ponto”, criticou.