“O que vocês fizeram foi política da boa, porque também há política da má. O país precisa de políticos como vocês.” As palavras são do secretário de Estado da Educação e não são dirigidas a nenhum parlamentar ou colega do Governo. João Costa elogiava esta manhã uma mão bem cheia de alunos — 2643 para sermos precisos — que durante um ano pensaram a escola. A sua pretensão não era fácil, era a de contribuir com ideias inspiradoras para o que chamam de “supereducação em Portugal”. No fim da viagem por 50 escolas de todo o país, a voz dos alunos ganhou a forma de um livro, esta segunda-feira apresentado em Lisboa. A ideia principal? Os alunos querem ser ouvidos pelos professores, pela escola e pelos decisores políticos e querem contribuir para uma educação melhor.

“Nunca ninguém nos quis ouvir antes, por que é que vocês querem?” Gabriela, estudante de Castro d’Aire, é uma das muitas jovens que passou pelo palco do Pavilhão do Conhecimento e com esta pergunta explica como tudo começou. O desafio aos chamados “prós da Educação” — os alunos — foi feita pelo Comparte, um projeto de envolvimento cívico da Fundação Maria Rosa, que quis saber quais as recomendações dos estudantes para uma escola a funcionar no seu melhor.

E foi exatamente isso que Gabriela estranhou. Haver alguém que pedisse a sua opinião, algo que nunca lhe tinham pedido antes. Hoje, faz parte da associação de estudantes e diz ficar feliz por ajudar a mudar mentalidades, “nem que seja só de uma pessoa”.

Também Diana, outra aluna sentada de pernas cruzadas no palco, diz que não quer ser invisível na escola. “Alguns professores pensam: se queres aprender, aprende, se não queres, não aprendas. Não se preocupam connosco. O ano passado estava no 10.º ano e metade da minha turma chumbou e não houve nenhuma interação dos professores para tentar perceber o que estava mal. Este ano, continuo no 10.º ano e ainda bem porque tenho professores novos que se interessam por nós e estamos a aprender melhor”, conta.

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Filipa diz que é tímida por natureza e que muitas vezes na sala de aula tem medo de participar. “Não há um ambiente propício a que nos ouçam”, diz, contando como tudo mudou para si com um professor que teve este ano. “É professor de História e quando começa a perceber que nós estamos cansados faz um intervalo de 15 minutos e pergunta-nos o que vimos nas notícias. Falamos sobre política e no fim daquele tempo conseguimos estar outra vez com atenção na aula. Outro professor podia pensar que aqueles eram 15 minutos perdidos, mas não são. Ganhamos com isso e falamos sobre coisas importantes. Não há nenhuma disciplina na escola que nos prepare para a política, mas depois fazemos 18 anos e vamos votar sem sabermos bem o que estamos a fazer”, argumenta.

Tomás, que frequenta uma academia de música no Norte do país, diz que são as aulas de ópera que tornam mais fácil aguentar os 90 minutos que se seguem de Matemática ou Física. “Os professores têm de começar a pensar em aulas mais didáticas, estar ali só a debitar teoria não prende a atenção dos alunos.”

O livro “Prós da Educação inspiram” tem 11 capítulos e cada um deles é dedicado a uma recomendação diferente. O primeiro casa com a história contada por Filipa. Nele defende-se ser preciso professores que marquem a diferença, que saibam relacionar-se com os alunos.

No segundo capítulo, dá-se voz à ideia que Tomás expressa sentado no palco. As aulas em que os alunos aprendem melhor são as práticas, as interativas, onde se aprende num ambiente dinâmico e relaxado.

Duas representantes da Comparte com os prós da Educação: Gabriela, Tomás, Filipa, Gustavo, Diana e Pedro

Filipa também lembra um professor que organizou a sala em U. “Funciona muito melhor do que quando estamos sentados em fila, uns atrás dos outros, ele vê-nos melhor e percebe logo quando alguém está a perder o interesse”, conta

Mas há mais nas páginas do livro. Defendem-se aulas de 50 minutos para que os horários na escola não sejam tão pesados, lembrando-se que às vezes os alunos passam um dia inteiro na escola. E quando chegam à noite a casa, o trabalho continua com a preparação para testes e exames ou simplesmente a fazer os trabalhos de casa.

“As pausas a meio da aula são importantes truques para uma aula melhor”, lê-se no capítulo dedicado aos tempos da escola.

A avaliação também tem um capítulo só seu e o que os estudantes pedem não é para não serem avaliados, é antes para o serem de forma diferente e para os professores olharem mais para os momentos passados na sala de aula. “Muitas vezes os testes não revelam o que realmente sabemos e percebemos, porque são momentos únicos e vividos sob grande pressão”, argumenta-se no livro, justificando: “Não queremos ser só a nota de um exame.”

Os mais de 2000 alunos cujos relatos aparecem nas páginas deste livro também olham para o próprio umbigo e discutem o papel das associações de estudantes, recomendando que estas sejam mais diversificadas e representativas dos vários anos e ciclos que existem na escola, devendo encontrar momentos privilegiados para ouvir os seus pares.

Chegar aos decisores políticos

Um dos compromissos do Comparte com os alunos que ouviu por todo o país era fazer chegar as suas recomendações ao poder político. E assim foi. Em outubro, os prós da Educação tiveram a primeira reunião com o secretário de Estado João Costa. Ronaldo, o aluno que “não rappou mas declamou” na cerimónia de abertura, para quebrar o gelo, lembra que João Costa saiu do encontro emocionado e que lhes fez então uma promessa: “Saio daqui inquieto, não quero ser o único a ouvir-vos.”

Esta segunda-feira, no Pavilhão do Conhecimento, foi a altura de honrar compromissos e promessas e João Costa foi convidado a explicar o que vai fazer com o manancial de recomendações dos estudantes.

Saudando a “intensa felicidade” com que os estudantes se envolveram no projeto, João Costa acredita que deram “pistas muito interessantes sobre áreas da Educação” para as quais importa olhar, garantindo que estes testemunhos têm tido um papel muito importante no processo de decisão do Ministério de Educação.

“Tivemos muitas surpresas. Nas escolas falamos muito de coisas infraestruturais, como as obras, que são coisas importantes. Mas vocês falaram sempre muito na dimensão das relações e isso surpreendeu-me. Aprendemos melhor quando alguém nos sorri, disseram vocês. E percebemos que sentirem-se acolhidos na escola é determinante para a aprendizagem”, disse o secretário de Estado.

Esse é, aliás, mais um capítulo do livro: sentirmos-nos na escola como nos sentimos em casa.

Por outro lado, ressalvou o governante, algumas decisões políticas espelham já o que o Ministério aprendeu com estes alunos. “A flexibilização nas escolas, por exemplo, dá liberdade aos professores para desenvolverem currículos de forma inovadora. Estamos também a diversificar os instrumentos de avaliação e a integrar a Cidadania no currículo”, explicou.

Para João Costa é importante dar continuidade ao projeto do Comparte e que as escolas percebam a importância de dar voz aos alunos.

“Em Leiria ouvi um aluno dizer: ‘A escola quer que comuniquemos, mas é um sítio para estarmos calados'”, lembra o secretário de Estado.

Para as associações de estudantes, deixa um recado: “É preciso que não sirvam apenas para pôr música. Vocês [referindo-se aos presentes] podem injetar qualidade no movimento associativo de escolas. Quando fizemos a iniciativa Voz dos Alunos, houve quem dissesse que os alunos só queriam intervalos e férias e apareceram ideias surpreendentes.”

Para terminar a sua participação, João Costa salientou que entre este grupo de alunos podem estar futuros ministros da Educação. “A produção deste livro mostra a enorme maturidade que tiveram, expressaram preocupações e deram sugestões. Estão ali os futuros ministros da Educação. Continuem o trabalho do Comparte. Não adormeçam para a participação da vida do país”, concluiu.