Incentivos fiscais a senhorios, apoios financeiros a inquilinos e medidas para promover a qualidade e estabilidade na habitação, sobretudo nos grandes centros urbanos. O Governo anunciou esta segunda-feira um pacote de medidas que tem uma meta ambiciosa, assumida pelo primeiro-ministro.
António Costa quer acabar com as atuais carências ao nível da habitação até ao dia 25 de Abril de 2024. O objetivo passa por resolver os problemas de habitação de 26 mil famílias que foram identificadas como vivendo em condições “indignas” e para as quais o mercado não tem respostas adequadas. Uma meta de seis anos “exigente”, reconhece o primeiro-ministro, mas que não é mais do que foi o objetivo da eliminação de barracas, cumprido nos anos 90.
As medidas para “uma nova geração de políticas de habitação” também querem dar alternativas de habitação a preços acessíveis à classe média dentro das grandes cidades, em troca de benefícios fiscais aos proprietários, e proteger os inquilinos mais vulneráveis da grande instabilidade que marca o mercado do arrendamento. Intenções que têm de ainda de passar no Parlamento. Depois de vários meses em consulta pública e da apresentação pública por António Costa, pelo ministro do Ambiente, João Matos Fernandes e pela Secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, as propostas de diploma deverão ir a Conselho de Ministros esta quinta-feira.
O 1º Direito a condições adequadas de habitação
Acho que devemos propor coletivamente uma meta: chegar ao dia 25 de Abril de 2024 – quando daqui a seis anos comemorarmos os 50 anos da revolução -, podendo dizer que eliminámos todas as situações de carência habitacional. Ou seja, 50 anos depois do 25 de Abril de 1974, garantimos a todos os portugueses uma habitação adequada”, declarou o primeiro-ministro.
As 25.762 mil famílias sinalizadas no Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, um documento entregue no Parlamento em fevereiro, são as primeiras destinatárias do pacote e, em particular, do programa 1º Direito — Programa de Apoio ao Acesso à Habitação.
Mais de 50% destes agregados estão concentrados na área da Grande Lisboa, precisamente a região onde se verifica maior percentagem de casas privadas vazias. As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto concentram 74% das carências detetadas que afetam um total de 187 concelhos. Cerca de 53% destes agregados habita em casas arrendadas e a oferta de habitação social disponível representa apenas um quarto das necessidades. O levantamento revelou ainda que existem mais de 30 mil fogos (casas) sem condições mínimas para habitação.
Este programa prevê a atribuição de apoios públicos ao arrendamento para famílias que tenham um rendimento que não ultrapasse a soma de quatro vezes o indexante de apoios sociais, o que totaliza os 1700 euros mensais. Estes apoios podem também abranger associações de moradores e cooperativas de habitação.
Segundo a documentação distribuída pelo Executivo, o “Primeiro Direito tem o objetivo de assegurar o acesso a uma habitação adequada às pessoas que vivem em situações indignas e que não dispõem de capacidade financeira para aceder a uma solução habitacional adequada. Para isso, está prevista a disponibilização de 8000 casas até 2020 como nova oferta de habitação de interesse social financiada”.
Este programa será desenvolvido em parceria com as autarquias, a quem compete definir estratégias locais de habitação. Estão previstos vários apoios e soluções que irão privilegiar investimentos para reabilitação e arrendamento.
O investimento necessário total estimado no levantamento nacional das necessidades de realojamento é da ordem dos 1.700 milhões de euros até 2024.
Programa de Arrendamento Acessível
Para as famílias de classe média cujo rendimento as coloca de fora dos apoios públicos, mas que, por razões de mercado, sentem dificuldades crescentes em alugar casa, foi desenhado um outro programa que pretende assegurar ofertas de arrendamento a preços reduzidos.
O preço de renda deve ser 20% abaixo da mediana dos valores praticados para aquela localização, considerando a mesma tipologia da habitação em causa. O Instituto Nacional de Estatística começou já a divulgar estatísticas que permitem construir e atualizar um índice público de preços localizados que servirá de regulação para o mercado.
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A oferta acessível de habitações será alimentada pelo próprio Estado, com a disponibilização progressiva de casas que são propriedade da Segurança Social, e também pelos municípios. Mas o Executivo quer também convencer os proprietários privados a participarem neste mercado. Para os proprietários aderentes, está prevista a isenção de IRS e a redução em 50% da taxa de IMI (Imposto Municipal de Imóveis) que pode ser superior, em função de decisões a nível autárquico.
Também existem condições para a adesão dos inquilinos. O esforço financeiro associado à renda não pode ultrapassar 35% do rendimento mensal do agregado, mas também não pode ficar abaixo dos 10%. A prazo, o objetivo do Governo é o de baixar a sobrecarga com as rendas para 27% do rendimento.
Os contratos de arrendamento têm uma duração mínima de três anos e fica estabelecido que no caso dos inquilinos com deficiência ou mais de 65 anos, os contratos sejam renovados de forma automática.
Vai ficar disponível a contratação de um seguro de rendas. Este mecanismo, financiado por proprietários e inquilinos, pretende substituir a exigência de um fiador por parte de quem aluga, cobrindo o risco de não pagamento de rendas ao proprietário. A falha nos pagamentos é um dos principais argumentos invocados hoje pelos senhorios para fazerem contratos de menor duração.
Incentivos à estabilidade dos contratos
Foi uma das medidas que mais se destacou no anúncio feito esta segunda-feira. Mesmo sem aderir ao programa de rendas acessíveis, está prevista a criação de incentivos fiscais para os proprietários que estejam disponíveis para prolongar os contratos de arrendamento, em nome da estabilidade e segurança para os inquilinos.
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A taxa liberatória de 28% cobrada em sede de IRS sobre os rendimentos com rendas baixará para metade, de 28% para 14%, para os contratos de arrendamento com mais de 10 anos. No caso do prazo ser estendido até aos 20 anos, a taxa pode baixar até aos 10%.
Está igualmente prevista a revisão do enquadramento legislativo com a finalidade de assegurar maior estabilidade e segurança do arrendamento e a proteção dos arrendatários mais vulneráveis.
António Costa anunciou que o Governo vai propor à Assembleia da República que os inquilinos com mais de 65 anos ou com um grau de deficiência superior a 60%, e que vivem nas casas “há um número significativo de anos, tenham necessariamente o direito à renovação dos contratos”. O primeiro-ministro não detalhou esta medida, mas defendeu que estes inquilinos “têm direito a viver o resto da sua vida na casa onde construíram a sua vida”.
São medidas anunciadas em nome da reposição de segurança e estabilidade no mercado de arrendamento, e que terão de passar ainda no Parlamento. O primeiro-minstro diz que a finalidade é combater “a enorme precariedade” que se tem vindo a instalar desde que foi criado o novo regime de arrendamento urbano (uma lei do anterior Governo, aprovada durante o tempo da troika). Mas António Costa afasta um regresso ao “congelamento das rendas” e um “regresso aos contratos para a vida”. Defende que se trata de encontrar um ponto de equilíbrio entre o mercado e a oferta pública de habitação e assegurar “um mercado equilibrado para todas as partes”.
Chave na mão para quem rumar ao interior
É um programa de mobilidade habitacional que pretende facilitar a mudança de residência das pessoas dentro do território nacional. Em nome da coesão territorial, pretende-se apoiar a deslocação de zonas de grande pressão urbana para o interior do país, nomeadamente por razões profissionais.
O Estado — através do IRHU (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana), explicou António Costa, fica com a incumbência de arrendar a casa na cidade a um “preço justo a quem quer partir”, assegurando um rendimento que servirá para o proprietário financiar a alternativa de habitação no local para onde se mudar. A casa será devolvida ao proprietário quando ele regressar em definitivo.
Reações cautelosas à espera de mais informação
Especialmente associado ao novo regime de arrendamento urbano, aprovado quando Assunção Cristas tinha a tutela da habitação, o CDS-PP pediu uma discussão plenária para debater este tema, no parlamento, no próximo dia 10 de maio. Ouvida pelo Observador, fonte oficial do partido liderado por Assunção Cristas, pede que sejam divulgados os detalhes das propostas, em concreto, que foram anunciadas por António Costa na segunda-feira.
Em relação ao que se sabe, o partido relembra que, no caso da atualização das rendas, já hoje se garante que, quando há uma atualização, o Estado presta um subsídio sempre que o inquilino tenha mais de 65 anos, deficiência ou situação de carência económica comprovada. De resto, o CDS-PP aplaude as medidas apresentadas pelo Governo — o que se conhece delas — defendendo que são medidas que “vão ao encontro de ideias que o CDS-PP tem apresentado nos últimos tempos”, como o seguro de rendas e a redução do IRS em contratos mais longos.
Já os principais interessados receberam as iniciativas entre a satisfação cautelosa, por parte dos inquilinos, e algumas reservas, por parte dos proprietários. A desconfiança neste caso é também alimentada pela ausência de informação adicional sobre a forma como serão concretizadas algumas das iniciativas. Um dos comentários mais duros veio da Associação Lisbonense de Proprietários que, para além de levantar o fantasma do regresso ao congelamento das rendas, avisou que a forma vaga como foi anunciada a intenção de proteger inquilinos vulneráveis pode gerar pânico e levar a uma corrida à não renovação de contratos, antes de entrarem em vigor as novas regras.
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“Não há dúvida nenhuma que acabamos de assistir a um repositório de boas intenções, isso é inegável, que as intenções são ótimas. Agora, depois, às vezes, na prática as coisas não são bem assim”, afirmou à agência Lusa o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), António Frias Marques. Com a mesma ressalva, o presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL), Romão Lavadinho, considera que os novos programas apresentados na área da Habitação, “na generalidade, são positivos”. Mas em declarações à Lusa, conclui que “resta saber se a prática, depois, vai demonstrar isso, porque muitas vezes o que se anuncia, depois, na prática não corresponde”.
Com Edgar Caetano.